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A tributação de rendimentos de tokens digitais em Portugal (UPDATE 2022)

18 Março 2022
A tributação de rendimentos de tokens digitais em Portugal (UPDATE 2022)
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A tributação de rendimentos de tokens digitais em Portugal (UPDATE 2022)

18 Março 2022

SUMÁRIO

Portugal, atualmente, não consagra um regime de tributação específico para os rendimentos provenientes de investimentos em tokens digitais (cripromoedas, NFT’s, tec.), posicionando-se, deste modo, como um país bastante atrativo para os investidores.

O QUE SÃO TOKENS DIGITAIS?

Os tokens digitais são, na prática, representações digitais de ativos ou utilidades e podem representar uma universalidade de ativos fungíveis ou infungíveis, sendo-lhes atribuído um determinado valor que fomenta e permite a sua negociação e transação num mercado, para já, não regulamentado.

O facto de poderem representar uma pluralidade de situações jurídicas distintas, associado a uma significativa divergência entre autores e jurisdições quanto à sua categorização, não permite, ainda, a consolidação de conceitos/tipologias universais dos tokens digitais.

O legislador português define ativo virtual como “uma representação digital de valor que não esteja necessariamente ligada a uma moeda legalmente estabelecida e que não possua o estatuto jurídico de moeda fiduciária, mas que é aceite por pessoas singulares ou coletivas como meio de troca ou de investimento e que pode ser transferida, armazenada e comercializada por via eletrónica”.

Contudo, esta definição está longe de solucionar os problemas relacionados com a qualificação e, consequentemente, com o enquadramento jurídico-tributário dos diferentes tipos de tokens existentes.

Sem prejuízo das dificuldades de qualificação que esta realidade tecnológica possui e das questões relevantes sobre a sua regulamentação, que são normalmente levantadas, como salienta a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados, os tokens digitais baseados na criptografia e na cadeia blockchain podem ser categorizados de várias formas.

Deste modo, a categorização não implica, necessariamente, a exclusão de um token de uma determinada categoria em detrimento de outra, mas tão só serve de linha de orientação à interpretação da sua finalidade:

  • currency token: quando os tokens digitais funcionam de forma similar à moeda fiduciária, nomeadamente, quando tencionam estritamente representar o valor daquela moeda e servem como um potencial meio de troca ou pagamento (e.g., Bitcoin);
  • security token: conferem direitos referentes a verdadeiros ativos financeiros, caso de obrigações e participações sociais, que podem ser negociados e transacionados tendo por referência esses ativos subjacentes;
  • utility token: quando a sua emissão não implica a atribuição de direitos para além da propriedade do token em si mesmo, e possibilitam, por um lado, o acesso a um produto ou serviço da empresa (e.g., token de uso) ou permitem contribuir e participar num determinado trabalho (e.g., token de trabalho, normalmente associado a aplicações e serviços descentralizados), mas também, por outro lado, admitem a sua venda em mercado.
  • asset tokens: quando correspondem a um bem digital ou têm um bem físico subjacente (e.g., quadro de arte físico ou digital, metais preciosos, como o ouro, imóveis, etc.);
  • hybrid token: quando têm duas ou mais das diferentes características anteriormente mencionadas.

É relevante notar que o termo “criptomoeda” é, comumente, empregue para se fazer referência não apenas a tokens, com características de moedas, mas também aos restantes tipos de tokens (securities, utility e hybrid tokens), no entanto, entendemos que este termo deve ficar reservado aos currencytokens.

Atualmente, existem milhares de tokens digitais alternativos com diversas funções, especificidades e características que não coincidem com a de servir como meio de troca ou de pagamento e, portanto, não qualificando apenas como criptomoedas, mas também como security  ou hybrid tokens.

Notamos, ainda, que as criptomoedas não são regulamentadas, em Portugal e, simultaneamente, não se encontram sob o controlo de uma autoridade reguladora centralizada, como um Banco Central, como tal, não podem ser qualificadas juridicamente como dinheiro, pois não gozam de curso legal.

Em todo o caso, tal como o dinheiro físico, as criptomoedas são tokens fungíveis, ou seja, podem ser negociadas ou trocadas por equivalentes entre si.

Já os asset tokens consistem num diferente tipo de tokens digitais, pois podem ter subjacente um ativo fungível ou um ativo digital ou físico não fungível.

Estes últimos, os chamados NFT’s, são representações criptográficas, em redes blockchain, de ativos digitais ou físicos, como obras de arte digitais ou físicas, ou bens imóveis. Por representarem um ativo não fungível, possuem códigos de identificação exclusivos e metadados que os distinguem uns dos outros. Portanto, ao contrário das criptomoedas, não podem ser negociados ou trocados com equivalência entre si.  

POR QUE  RAZÃO DEVEM OS RENDIMENTOS PROVINIENTES DE TOKENS DIGITAIS SER TRIBUTADOS?

Os diferentes tipos de tokens digitais, fungíveis e não fungíveis, e independentemente das suas características específicas e utilização prática, são ativos em espécie e podem, em qualquer caso, corresponder a um capital convertível num montante pecuniário, revelando a capacidade contributiva dos seus utilizadores.

O princípio da capacidade contributiva, decorrente do princípio da igualdade, é um princípio estruturante do sistema jurídico-tributário português, que reflete a ideia de que a incidência de impostos deve ter sempre como critério o rendimento ou os ativos de cada contribuinte.

PORTUGAL É UM PARAÍSO FISCAL PARA OS INVESTIDORES DE TOKENS DIGITAIS?

A resposta imediata é “não”, mas estamos no domínio do Direito Fiscal, pelo que, existem, sempre, muitas nuances.

Primeiramente e acima de tudo, é importante salientar que as empresas e outras entidades jurídicas são tributadas, em Portugal, sobre os seus rendimentos, em sede de IRC e que as pessoas singulares são tributadas, sobre os seus rendimentos, em sede de IRS.

A tributação dos rendimentos provenientes de investimentos em tokens digitais auferidos por pessoas coletivas (por exemplo, empresas e outras entidades jurídicas que não sejam consideradas pessoas singulares) não suscita muitas dúvidas: todos os rendimentos devem ser computados no lucro tributável da entidade e estar sujeitos a IRC.

Porém, a carga fiscal específica a suportar por cada empresa dependerá de diversos fatores, nomeadamente se a empresa for residente (ou se tiver um estabelecimento estável) em Portugal ou não residente, da fonte territorial dos rendimentos, se a empresa estiver sujeita a determinado regime especial, o que requer uma análise minuciosa de cada concreta situação.

Por outro lado, a tributação de rendimentos provenientes de investimentos em tokens digitais auferidos por pessoas singulares suscita várias questões, uma vez que o IRS tem diferentes categorias de rendimentos e que cada tipo de tokens digitais pode, potencialmente, gerar diferentes tipos de rendimentos sujeitos a tributação. Consequentemente, neste contexto, uma análise minuciosa de cada concreta situação é ainda mais relevante.  

Em abstrato, podem existir cinco tipos de operações que envolvem tokens digitais:

  • aquisição originária de tokens digitais (através de mineração ou de cunhagem);
  • investimentos em tokens digitais (por exemplo, comprar e vender criptomoedas ou NFT’s ou auferir rendimento passivo destes)
  • receber tokens como pagamento de um bem ou serviço;
  • receber tokens gratuitamente (através de doações); e
  • utilização de tokens na aquisição de bens e serviços.

Apenas as quatro primeiras transações poderão gerar rendimento potencialmente tributável, ao nível das pessoas singulares, em sede de IRS.

Todavia, note-se que a utilização de tokens digitais na aquisição de bens e serviços por pessoas singulares pode, no entanto, corresponder a uma manifestação de riqueza relevante (e potencialmente utilizada) para a determinação dos rendimentos do contribuinte pela Administração tributária e pode, também, envolver o pagamento de outros impostos, como o Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) pelo sujeito passivo enquanto consumidor final dos bens e serviços adquiridos.

De uma perspetiva high-level, atualmente, os rendimentos provenientes da utilização de tokens digitais podem de facto cair no âmbito de qualquer uma das categorias de rendimento do IRS (uma vez que podem ser utilizados como pagamentos em espécie de rendimentos com as respetivas características: o rendimento de trabalho, as rendas no âmbito do arrendamento de um imóvel e até mesmo uma pensão pode ser paga com tokens digitais).

Mas analisando especificamente os rendimentos gerados pelo investimento em tokens digitais, estes podem, potencialmente, ser tributados nas diferentes categorias (como rendimentos empresariais e profissionais, na categoria B, como rendimentos de capitais, na categoria E ou como mais-valias, na categoria G).

Por exemplo, a mineração de criptomoedas poderia ser equiparada à extração de carvão ou ouro ou, também, à criação de propriedade intelectual. Deste modo, os rendimentos provenientes da atividade de mineração de criptomoedas poderiam ser tributáveis como rendimentos empresariais ou profissionais, no âmbito da categoria B, independentemente da existência de uma atividade profissional independente subjacente, prestada de forma regular, com um objetivo de empresarial e de obtenção de lucro.

Por outro lado, os ganhos derivados de investimentos em security tokens, que têm subjacentes valores mobiliários, poderiam ser tributados como mais-valias (categoria G – taxa fixa de 28%), uma vez que existe uma previsão legal específica no âmbito desta categoria para a alienação de valores mobiliários.

Além disso, no que respeita à possibilidade de eventuais rendimentos auferidos no âmbito de uma atividade empresarial ou profissional, é importante salientar que esta situação envolve a verificação de diversas características e não apenas a de regularidade.

De facto, uma atividade profissional pode ser prestada mediante a prática de um ato isolado ou com regularidade (habitualidade e periodicidade). Por conseguinte, deve ser feita uma análise rigorosa no que respeita ao enquadramento geral da situação pessoal e fiscal e da substância económica de cada caso, bem como relativamente ao seu objetivo empresarial e de lucro.

Também, muitos investidores acreditam que existe um parecer oficial e vinculativo da Administração tributária aplicável a todas as situações referentes ao investimento em tokens digitais, mas, na realidade, a Administração tributária apenas tomou posição relativamente a um determinado tipo de transações e envolvendo apenas um dos tipos de tokens digitais: a compra e venda de criptomoedas.

De acordo com a sua posição, os ganhos derivados da compra e venda de criptomoedas só podem ser tributados caso sejam provenientes de uma atividade empresarial ou profissional (categoria B – taxas progressivas até 48%).

Trata-se de uma perspetiva bastante genérica e não tem em consideração diversos aspetos quanto à situação, nomeadamente aspetos referentes às diversas características de uma atividade empresarial e profissional. Por exemplo, os ganhos provenientes da alienação de ações estão expressamente previstos na lei como mais-valias (categoria G – taxa fixa de 28%), mas se foram obtidos através de um investimento “regular e profissional” deve esta atividade ser considerada como uma atividade empresarial ou profissional e tributada no âmbito da categoria B? Acreditamos que não.

Como se verifica, existem outras operações para além da mera compra e venda de criptomoedas e, mais importante, existem tokens digitais com características distintas das criptomoedas.

Face ao exposto, e independentemente das operações realizadas, pelos contribuintes, que impliquem quaisquer tipo de tokens digitais, é aconselhável que se informem relativamente ao enquadramento fiscal potencialmente aplicável à sua situação específica e, também, que mantenham um registo de todas as transações efetuadas, ou seja, um registo que justifique a origem dos rendimentos, especialmente se incorrerem em determinadas despesas, vistas  pelo legislador como potenciais manifestações de riqueza injustificadas.

SERIA A REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA BENÉFICA TANTO PARA OS INVESTIDORES COMO PARA A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA?

Embora Portugal continue a ser uma verdadeira plataforma de investimento e residência para os investidores, quer particulares quer empresas, a falta de regulamentação específica e as particularidades dos investidores em tokens digitais têm contribuído para que muitos deles optem por se mudar para Portugal, acreditando que se trata de um paraíso fiscal no que respeita a tokens digitais, concretizando, aqui, cash-outs significativos (convertendo os seus rendimentos em espécie para moeda que goza de curso legal) e despesas consideráveis, sem reportarem quaisquer rendimentos à Administração tributária.

A falta de regulamentação específica mantém-se atualmente, mas somos da opinião que um quadro jurídico-fiscal específico seria mais favorável face à atual indefinição regulamentar, uma vez que esta situação não tem sido benéfica nem para os contribuintes nem para a Administração tributária e tem vindo já a originar litígios.

Por forma a dar ao ordenamento jurídico algumas (muito necessárias) certezas, seria do interesse de todos que fosse criado, com brevidade, um quadro legal específico, nomeadamente no que toca a regras de determinação da fonte territorial dos rendimentos provenientes de investimentos em tokens digitais, o que permitiria a respetiva conjugação com o regime especial dos Residentes Não Habituais (“RNH”), o qual é o regime que, de facto, faz de Portugal um país mais competitivo em face de outras jurisdições.

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Lisboa, 18 de março de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Duarte Ornelas Monteiro
Joana Marques Alves
Ricardo Miguel Martins
Vanessa Lopes Rodrigues
Teresa Verdasca Salgueiro
Marta Cabugueira Leal
João Rebelo Maltez

(Private Clients Team)

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