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Súmula de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1.º trimestre de 2022)

11 Janeiro 2023
Súmula de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1.º trimestre de 2022)
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Súmula de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1.º trimestre de 2022)

11 Janeiro 2023

SUMÁRIO

Pretende-se, com a presente Informação Fiscal, apresentar uma síntese Trimestral dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) relacionados com o domínio da Fiscalidade, analisando, caso a caso, o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, do ponto de vista nacional.

1.
NÚMERO DO PROCESSO: C-605/20
NOME: Suzlon Wind Energy Portugal – Energia Eólica, Unipessoal, Lda. contra Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal)
DATA: 24 de fevereiro de 2022
ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 2.º, n.º1, alínea c) —Aplicabilidade ratione temporis — Prestações sujeitas a IVA — Prestações de serviços a título oneroso – Critérios — Relação intragrupo — Prestações que consistem em reparar ou substituir componentes de aerogeradores no período de garantia e em elaborar relatórios de não conformidade —Notas de débito emitidas pelo prestador sem menção do IVA —Dedução, pelo prestador, do IVA que incidiu sobre os bens e serviços que lhe foram faturados pelos seus subcontratados a título das mesmas prestações.

FACTOS

Na origem do processo de reenvio prejudicial em análise está um litígio que opõe Suzlon Wind Energy Portugal – Energia Eólica, Unipessoal, Lda. (Suzlon Wind Energy Portugal), pessoa coletiva que opera na área da indústria energética, à Autoridade Tributária e Aduaneira Portuguesa (Administração tributária),a propósito da sujeição, ou não, a IVA de prestações de serviços, efetuadas, durante um período de garantia dos bens relativos à prestação em causa.

A Suzlon Wind Energy Portugal, sujeito passivo de IVA em Portugal, é detida a 100% pela Suzlon Wind Energy A/S (Suzlon Wind Energy Dinamarca), sociedade cujo capital é integralmente detido pela Suzlon Energy Limited (Suzlon Energy Índia).

Em junho de 2006, a sociedade com sede na Dinamarca e a sociedade de direito indiano, respetivamente, celebraram um acordo – “Acordo de 2006” –, nos termos do qual regularam a garantia de conformidade e de funcionamento dos bens entregues, entre o fornecedor – a Suzlon Energy Índia – e o comprador – a Suzlon Wind Energy Dinamarca.

Naquele acordo, ficou estipulado que o primeiro asseguraria a garantia relativa a todas as peças em relação a defeitos de produção, garantindo assim o pagamento das peças, reparações e transporte de peças defeituosas. Os custos com mão de obra relativos à substituição ficariam a cargo da Suzlon Energy Índia. Este acordo abrangia igualmente as sucursais desta última, entre as quais a Suzlon Wind Energy Portugal.

Na sequência da necessidade de reparação/substituição de peças que a Suzlon Wind Energy Portugal adquiriu à sociedade de direito indiano, ambas as sociedades celebraram, em janeiro de 2008, um contrato de prestação de serviços – “Contrato de 2008” – nos termos do qual a Suzlon Energy Índia se obrigou a prestar apoio logístico àquela e a assisti-la na reparação ou substituição das peças em causa.

Não obstante, estipulou-se que a sociedade com sede em Portugal devia adquirir, em nome da primeira, todos os equipamentos e materiais necessários à reparação.

O Contrato de 2008 qualificava o vínculo entre as sociedades sediadas em Portugal e Índia como uma relação entre cliente e prestador de serviços, agindo a Suzlon Energy Índia por sua própria conta e não no interesse da Suzlon Wind Energy Portugal.

Neste seguimento, entre setembro de 2007 e março de 2009, a Suzlon Wind Energy Portugal procedeu à substituição e reparação das peças defeituosas, tendo adquirido o material necessário e subcontratado certos serviços de terceiros, que emitiram as faturas correspondentes às vendas e prestações em causa. Nestes termos, a sociedade portuguesa deduziu o IVA que incidiu sobre todas estas operações.

Subsequentemente, no ano de 2009, a sociedade portuguesa emitiu três notas de débito, sem qualquer menção a IVA ou motivo de isenção.

Assim, no âmbito de uma ação inspetiva do IVA relativa a esse exercício, a Suzlon Wind Energy Portugal foi notificada de uma liquidação adicional de IVA, correspondente ao IVA alegadamente omitido nas notas de débito.

A sociedade portuguesa impugnou judicialmente tal liquidação adicional, tendo o Tribunal Tributário de Lisboa julgado pela improcedência da ação.

Todavia, por entender que as notas de débito não se traduziam numa contraprestação de qualquer prestação do fornecedor, mas sim no reembolso de custos que suportou para efetuar uma tarefa a cargo daquele, estando em causa simples fluxos monetários que não geravam nenhum valor acrescentado, a Suzlon Wind Energy Portugal interpôs recurso da sentença para o órgão jurisdicional de reenvio.

Nesse âmbito, a Administração tributária sustentou que as operações objeto das notas de débito controvertidas corresponderiam ao fornecimento pela Suzlon Wind Energy Portugal de um serviço efetuado em Portugal, em aplicação do “Contrato de 2008”.

Por esta ocasião, foi invocado o Ofício-Circulado de 4 de maio de 1989, relativo aos serviços prestados pelo cliente ao fornecedor dentro do período de garantia, que prevê que para serviços como os visados pelas notas de débito em questão, deve ser liquidado IVA.

Nestas circunstâncias, o Supremo Tribunal Administrativo – o órgão jurisdicional de reenvio – decidiu suspender a instância e submeter ao TJUE as seguintes questões prejudiciais:

1)     “É conforme com o direito (da União) a interpretação segundo a qual as reparações efetuadas no decurso do chamado período de garantia só se consideram operações não sujeitas a imposto quando efetuadas a título gratuito e na medida em que elas se encontrem tacitamente incluídas no preço de venda do bem abrangido pela garantia, devendo considerar-se sujeitas a imposto as prestações de serviço no período de garantia (com ou sem aplicação de materiais) que sejam objeto de faturação, por não poderem deixar de qualificar-se como prestações de serviços a título oneroso?”

2)    “A emissão de uma nota de débito a um fornecedor de componentes de aerogeradores para reembolso de despesas efetuadas pelo adquirente desses bens durante o período da respetiva garantia, com a substituição de componentes (novas importações de bens do fornecedor que foram tributadas em IVA e que originaram o direito à dedução) e com o respetivo arranjo (através da aquisição de serviços a terceiros com liquidação de IVA), no âmbito da prestação a terceiros de serviços de instalação de um parque eólico, por esse adquirente (que se encontra numa relação de grupo com o vendedor, sedeado em país terceiro), deve qualificar-se como uma mera operação de redébito de despesas e, como tal, isenta de IVA, ou antes como uma prestação de serviços a título oneroso que deve dar lugar à liquidação de imposto?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL

O TJUE começa por apontar que, uma vez que a liquidação adicional de IVA no processo principal tem origem nas mencionadas três notas de débito que omitem o IVA, contabilizadas em 2009, é aplicável a Diretiva 2006/112.

Relativamente às questões colocadas, que devem ser analisadas em conjunto, segundo o Tribunal de Justiça, está em causa esclarecer se, em substância, o artigo 2.º, n.º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que as operações que deram origem ao registo contabilístico de notas de débito, por parte de um sujeito passivo de IVA, e à dedução do IVA que incidiu no fornecimento dos bens e serviços que permitiram tais operações, constituem prestações de serviços efetuadas a título oneroso na aceção da Diretiva em questão – quando, por um lado, se trata de bens no período de garantia e, por outro, são apresentadas por esse sujeito passivo como não tendo gerado nenhum benefício a seu favor.

Nestes termos, relembra o Tribunal que a sujeição a IVA, nos termos do referido artigo, resulta da verificação de cinco critérios, a saber: (i) que a operação em causa constitua uma prestação de serviços; (ii) que seja efetuada a título oneroso; (iii) que ocorra no território de um Estado-Membro; (iv) que seja efetuada por um sujeito passivo; e, por fim, (v) que este atue nessa qualidade.

Desde logo, o Tribunal de Justiça nota que dois destes critérios estão claramente preenchidos: por um lado, a Suzlon Wind Energy Portugal é sujeito passivo de IVA em Portugal e, por outro, as operações em causa foram efetuadas no território desse Estado-membro. Assim, cabe agora apreciar se o sujeito passivo agiu nessa mesma qualidade, se a operação em causa se traduziu efetivamente numa prestação de serviços e, em caso afirmativo, se foi efetuada a título oneroso.

Relativamente ao primeiro critério que importa analisar, o Tribunal de Justiça esclareceu, ainda assim, que o apuramento relativo à questão de saber se a sociedade portuguesa agiu em nome próprio como sujeito passivo de IVA ou antes em nome e por conta da Suzlon Energy Índia, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio, devendo examinar o quadro contratual e contabilístico em que as referidas notas de débito ocorreram.

Ainda assim, considera o Tribunal que parece ter a Suzlon Wind Energy Portugal agido na qualidade de sujeito passivo de IVA, uma vez que a mesma optou por assumir o encargo das reparações, recorrendo para tal a fornecedores de bens e prestadores de serviços e, nessa sequência, as faturas emitidas a esse título terem sido feitas em nome da própria e não da sociedade de direito indiano.

Assim, a sociedade portuguesa deduziu o montante do IVA relativo a estas faturas o qual, refere o Tribunal, deve ser considerado IVA pago a montante pelas operações contabilizadas através das notas de débito controvertidas.

Já no que toca à aferição se a operação em causa constitui, ou não, uma prestação de serviços, e tendo em conta que na aceção da Diretiva se entende por prestação de serviços qualquer operação que não constitua uma entrega de bens, o Tribunal de Justiça esclarece que para qualificar a operação em apreço, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que a operação em questão se desenrolou.

Nestes termos, afirma o Tribunal que do Contrato de 2008 e das referidas notas de débito parece resultar que a Suzlon Wind Energy Portugal é um prestador de serviços, tendo como cliente a sociedade de direito indiano.

Por fim, e no que diz respeito à apreciação do caráter oneroso da prestação de serviços, o Tribunal de Justiça avança que, nos termos da alínea c) do n. º 1 do artigo 2.º da Diretiva 2006/112, há que verificar se entre o prestador de serviços e o beneficiário existe uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, sendo a retribuição recebida pelo prestador de serviços o contravalor de um serviço individualizável prestado ao beneficiário. Tal é verificável quando existe um nexo direto entre o serviço prestado e o contravalor recebido.

Neste âmbito, aponta o Tribunal que da leitura do pedido de decisão prejudicial se retira que a relação jurídica na origem das notas de débito foi constituída pelo Contrato de 2008, que a retribuição do prestador de serviços parece corresponder a essas notas de débito e, ainda, que os serviços prestados pela Suzlon Wind Energy Portugal à Suzlon Energy Índia correspondem à definição de “serviço individualizável prestado ao beneficiário”.

Na verdade, mesmo admitindo que a Suzlon Wind Energy Portugal tenha repercutido o custo da substituição ou reparação das peças defeituosas, sem margem ou suplemento, recorda o Tribunal que o facto de uma operação económica ser levada a cabo a um preço superior ou inferior ao preço de custo é irrelevante para a qualificar de operação a título oneroso. Este conceito apenas pressupõe a existência de um nexo direto entre a entrega de bens ou a prestação de serviços e a contraprestação realmente recebida pelo sujeito passivo, o que parece verificar-se no caso em apreço.

Face ao exposto, o Tribunal conclui, assim, que as operações em análise preenchem os critérios de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso, na aceção do artigo 2.º, n. º 1, alínea c) da Diretiva 2006/112, independentemente da existência de uma garantia relativa aos bens subjacentes à prestação. Nota-se que esta garantia apenas teria incidência nesta qualificação se viesse a afetar um dos critérios que foram analisados individualmente.

DECISÃO 

Em resposta às questões prejudiciais colocadas, o Tribunal de Justiça da União Europeia entendeu que o artigo 2.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE, relativo ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que as operações que se inserem num quadro contratual que identifica um prestador de serviços, o adquirente destes últimos e a natureza das prestações em causa, devidamente contabilizadas pelo sujeito passivo, com um título que confirma a sua natureza de serviços e que deram lugar a uma retribuição recebida pelo prestador que constitui o contravalor efetivo dos referidos serviços sob a forma de notas de débito, constituem uma prestação de serviços efetuada a título oneroso na aceção dessa disposição, não obstante, por um lado, a eventual inexistência de lucro do sujeito passivo e, por outro, a existência de uma garantia relativa aos bens objeto das referidas prestações.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS 

A presente decisão contribui para uma clarificação dos pressupostos relativos à consideração, para efeitos de IVA, de uma prestação de serviços, designadamente nos casos de inexistência de lucro do sujeito passivo e de existência de garantia relativa a bens objeto de prestações.

2.
NÚMERO DO PROCESSO: C-333/20
NOME: Berlin Chemie A. Menarini SRL contra a Administração Fiscal Administração Fiscal para Médios Contribuintes de Bucareste – Direção Geral-Regional das Finanças Públicas de Bucareste, Roménia
DATA: 7 de abril de 2022
ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 44.º — Lugar das prestações de serviços  — Prestação de Serviços  — Lugar de conexão fiscal  — Conceito de “estabelecimento estável” — Sociedade de um Estado-Membro filial de uma sociedade localizada noutro Estado-Membro  —  Estrutura adequada em termos de recursos humanos e técnicos  — Aptidão para receber e utilizar os serviços para as necessidades próprias do estabelecimento estável  — Prestação de serviços de marketing, regulação, publicidade e representação fornecidos por uma sociedade coligada à sociedade destinatária.

FACTOS

Na origem do processo de reenvio prejudicial em análise está um litígio que opõe Berlin Chemie A. Menarini SRL (doravante Berlin Chemie) à Administração Fiscal para Médios Contribuintes de Bucareste (Administração Fiscal)a propósito de um pedido de anulação de uma decisão de liquidação de IVA adicional e de uma decisão relativa às obrigações fiscais acessórias.

A Berlin Chemie AG é uma sociedade com sede social na Alemanha e que faz parte do grupo Menarini, que comercializa na Roménia produtos farmacêuticos para o fornecimento corrente dos distribuidores grossistas de medicamentos da Roménia, tendo, para esse efeito, celebrado um contrato de armazenagem com uma sociedade com sede nesse Estado-Membro.

A sociedade romena, com sede em Bucareste, tem por atividade principal a consultoria em gestão no domínio das relações-públicas e da comunicação, e pode exercer igualmente atividades secundárias de comércio grossista de produtos farmacêuticos, de consultadoria em gestão, de agência publicitária, de estudos de mercado e de sondagens.

A sua única sócia é a Berlin Chemie/Menarini Pharma GmbH, cuja sede social se encontra na Alemanha e que participa em 100% nos lucros e nos prejuízos da sociedade romena. A Berlin Chemie/Menarini Pharma é por sua vez detida a 95% pela sociedade alemã, sendo a única cliente da sociedade romena.

Em junho de 2011, a sociedade alemã e a sociedade romena celebraram um contrato de “marketing”, regulação, publicidade e serviços de representação, regido pelo direito alemão, através do qual a sociedade romena se comprometeu a promover ativamente os produtos da sociedade alemã na Roménia, nomeadamente através de atividades de marketing, em conformidade com as estratégias e com as verbas definidas e adiantadas pela sociedade alemã.

A sociedade romena obrigou-se, ainda, a estabelecer e manter um serviço de assistência jurídica qualificado para gerir e resolver os problemas de publicidade, de informação e de promoção no interesse e por conta da sociedade alemã. Comprometeu-se igualmente a executar todas as ações necessárias, em matéria de regulação, com vista a assegurar que a sociedade alemã é autorizada a distribuir os seus produtos na Roménia, a prestar assistência nos estudos clínicos e nas outras atividades de investigação e desenvolvimento, bem como a assegurar uma entrega adequada de literatura médica e de materiais promocionais aprovados pela sociedade alemã. A sociedade romena recebe, além disso, as encomendas de produtos farmacêuticos provenientes dos distribuidores grossistas na Roménia e transmite‑as à sociedade alemã. É igualmente responsável pelas faturas e transmite‑as aos clientes da sociedade alemã.

A sociedade alemã comprometeu‑se a pagar, pelos serviços prestados pela sociedade romena, uma contraprestação mensal, calculada com base na soma de todas as despesas efetivamente suportadas por esta sociedade, acrescida de uma majoração de 7,5 % por cada ano civil. A sociedade romena faturou os serviços em causa sem IVA à sociedade alemã, por considerar que tais serviços se localizavam na Alemanha.

Na sequência de uma inspeção fiscal relativa ao período compreendido entre 1 de fevereiro de 2014 e 31 de dezembro de 2016, a Administração Fiscal considerou que as prestações de serviços efetuadas pela sociedade romena à sociedade alemã eram recebidas por esta na Roménia, onde dispunha de um estabelecimento estável.

Considerou, ainda, que este último era composto por recursos técnicos e humanos suficientes para efetuar regularmente entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis.

Esta apreciação foi feita principalmente devido aos recursos técnicos e humanos que pertenciam à sociedade romena, mas aos quais a sociedade alemã tinha tido acesso ininterruptamente. Em especial, a sociedade alemã tinha acesso a recursos técnicos detidos pela sociedade romena, como computadores, sistemas operativos e veículos automóveis.

Por esta ocasião, em novembro de 2017, a Administração Fiscal emitiu um aviso de liquidação, que exigia à sociedade romena o pagamento do montante de 41 687 575 leus romenos (aproximadamente €8.984.391), correspondente ao IVA adicional relativo às prestações em causa, bem como o pagamento de juros e de sanções pelo atraso de pagamento.

Inconformada com o sucedido, a sociedade romena contestou tais liquidações, por entender que a sociedade alemã não dispunha de um estabelecimento estável na Roménia.  

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, para poder decidir sobre o pedido que lhe foi submetido, deve determinar o lugar de tributação dos serviços de “marketing”, regulação, publicidade e representação prestados pela sociedade romena à sociedade alemã, verificando se esta última tem um estabelecimento estável na Roménia, entendendo que o desfecho do litígio no processo principal depende, por conseguinte, da interpretação do artigo 44.º, da Diretiva IVA e do artigo 11.º do Regulamento de Execução n.º 282/2011.

Nestas circunstâncias, o Tribunal de Recurso de Bucareste decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1)          “Para se poder considerar que uma sociedade que efetua entregas de bens no território de um Estado‑Membro diferente daquele em que tem a sede da sua atividade económica tem, na aceção do artigo 44.o, segundo período, da [Diretiva IVA] e do artigo 11.o do Regulamento [de Execução n.o 282/2011], um estabelecimento estável no Estado em que efetua as entregas de bens, é necessário que os recursos humanos e técnicos que emprega no território deste último Estado lhe pertençam, ou é suficiente que a referida sociedade tenha acesso imediato e permanente a esses recursos humanos e técnicos através de outra sociedade [coligada], que aquela controla na medida em que detém a maioria do capital social?”

2)         “ Para se poder considerar que uma sociedade que efetua entregas de bens no território de um Estado‑Membro diferente daquele em que tem a sede da sua atividade económica tem, na aceção do artigo 44.o, segundo período, da [Diretiva IVA] e do artigo 11.o do Regulamento [de Execução n.o 282/2011], um estabelecimento estável no Estado em que efetua as entregas de bens, é necessário que o pretenso estabelecimento estável participe diretamente nas decisões relativas à entrega dos bens ou é suficiente que a referida sociedade disponha, no Estado em que efetua a entrega de bens, de recursos técnicos e humanos colocados à sua disposição através de contratos celebrados com sociedades terceiras e que têm por objeto atividades de marketing, regulação, publicidade, armazenamento, representação, que podem ter uma [incidência] direta no volume das vendas?”

3)          “Na interpretação do artigo 44.o, segundo período, da [Diretiva IVA] e do artigo 11.o do Regulamento [de Execução n.o 282/2011], a possibilidade de um sujeito passivo ter acesso imediato e permanente aos recursos técnicos e humanos de outro sujeito passivo [coligado] que aquele controla exclui que esta última sociedade [coligada] possa ser considerada prestadora de serviços para o estabelecimento estável assim constituído?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL 

A título preliminar, e com vista à compreensão da apreciação levada a cabo pelo Tribunal de Justiça, importa recordar o disposto no artigo 44.º da Diretiva de IVA, segundo o qual “O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica.” Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.”

Já o artigo 11.º, n.º 1 do regulamento de execução n.º282/2011 dispõe que ”Para a aplicação do artigo 44.º da Diretiva 2006/112/CE, entendese por estabelecimento estável qualquer estabelecimento, diferente da sede da atividade económica a que se refere o artigo 10.º do presente regulamento, caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitam receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento.”

O Tribunal, no decurso da análise da situação em causa, faz notar que o elemento de conexão mais apropriado para determinar o lugar das prestações de serviços, do ponto de vista fiscal, é aquele em que o sujeito passivo estabeleceu a sede da sua atividade económica, uma vez que a consideração de um estabelecimento estável do sujeito passivo constitui uma derrogação a essa regra geral, desde que preenchidos determinados requisitos. 

De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e nos termos do artigo 11.º do Regulamento de Execução n.º 282/2011, o conceito de “estabelecimento estável” designa qualquer estabelecimento, diferente da sede da atividade económica a que se refere o artigo 10.º deste regulamento, caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitam receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento.

Neste âmbito, o primeiro critério, segundo o qual um estabelecimento estável se deve caracterizar por um grau suficiente de permanência e ter uma estrutura adequada, em termos de recursos técnicos e humanos.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte.  

No que respeita à circunstância de uma sociedade, prestadora de serviços, ser uma filial de outra sociedade, destinatária desses serviços, com sede noutro Estado‑Membro, há que recordar que a tomada em consideração da realidade económica e comercial constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA.

Por conseguinte, a qualificação de um «estabelecimento estável» não pode depender unicamente do estatuto jurídico da entidade em causa, embora seja possível que uma filial constitua o estabelecimento estável da sua sociedade‑mãe, tal qualificação depende, todavia, dos requisitos materiais enunciados no Regulamento de Execução n.º 282/2011, nomeadamente no artigo 11.º do mesmo que devem ser apreciadas à luz da realidade económica e comercial.

Deste modo, embora não seja necessário possuir os recursos humanos ou técnicos próprios, para que se possa considerar que um sujeito passivo dispõe de uma estrutura que apresenta um grau suficiente de permanência e que seja adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, noutro Estado‑Membro, é, em contrapartida, necessário que esse sujeito passivo tenha o poder de dispor desses recursos humanos e técnicos como se fossem seus, com fundamento, por exemplo, em contratos de serviço ou de locação que põem esses recursos à disposição do sujeito passivo e que não podem ser resolvidos a curto prazo.

O Tribunal de Justiça salientou que a lógica subjacente às disposições relativas ao lugar da prestação de serviços exige que a tributação se efetue, na medida do possível, no local onde os bens e serviços são consumidos, a fim de prevenir o surgimento de circunstâncias suscetíveis de comprometer o bom funcionamento do sistema comum do IVA.

Considerou ainda, o Tribunal, que, subordinar a existência de um estabelecimento estável à condição de que o pessoal desse estabelecimento esteja vinculado ao próprio sujeito passivo por um contrato de trabalho e de os recursos materiais lhe pertencerem em nome próprio equivaleria, por um lado, a aplicar de maneira muito restritiva o critério previsto na redação do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento de Execução n.º 282/2011. Por outro lado, tal critério não contribuiria para uma elevada segurança jurídica na determinação do lugar de conexão fiscal das prestações de serviços, se, para transferir a tributação de prestações de serviços de um Estado‑Membro para outro, bastasse que um sujeito passivo cobrisse as suas necessidades de pessoal e as suas necessidades materiais recorrendo a diferentes prestadores de serviços.

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a sociedade alemã não dispunha de recursos humanos e técnicos próprios na Roménia, mas que esses recursos humanos e técnicos eram detidos pela sociedade romena. Todavia, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a sociedade alemã tinha acesso permanente e ininterrupto a esses recursos, uma vez que o contrato de prestação de serviços de marketing, regulação, publicidade e representação, celebrado no decurso de 2011, não podia ser resolvido a curto prazo. Com fundamento neste contrato, a sociedade romena pôs, nomeadamente, à disposição da sociedade alemã recursos técnicos (computadores, sistemas operativos, veículos automóveis), mas sobretudo recursos humanos com mais de 200 trabalhadores, entre os quais, nomeadamente, mais de 150 representantes comerciais. Resulta igualmente da decisão de reenvio que a sociedade alemã é a única cliente da sociedade romena que lhe presta, a título exclusivo, serviços de marketing, regulação, publicidade e representação.

Resulta dos elementos factuais expostos pelo órgão jurisdicional de reenvio que os serviços de publicidade e de marketing prestados pela sociedade romena à sociedade alemã visavam principalmente informar melhor, na Roménia, os profissionais do setor da saúde e os consumidores sobre os produtos farmacêuticos vendidos por esta sociedade alemã. O pessoal da sociedade romena limitava‑se a receber as encomendas provenientes de novos distribuidores grossistas de medicamentos na Roménia e a transmiti‑las à sociedade alemã, bem como a transmitir as faturas desta aos seus clientes nesse Estado‑Membro. Esta sociedade não participava diretamente na venda e na entrega dos produtos farmacêuticos da sociedade alemã e não assumia compromissos face a terceiros em nome desta última sociedade.

Ora, antes de mais, importa distinguir as prestações de serviços efetuadas pela sociedade romena à sociedade alemã dos bens que esta vende e entrega na Roménia. Trata‑se de prestações de serviços e de entrega de bens distintas que estão sujeitas a regimes de IVA diferentes (v., por analogia, Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory, C‑605/12, EU:C:2014:2298, n.º 64).

Por outro lado, um estabelecimento estável caracteriza‑se por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitem receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento, e não pelas decisões que essa estrutura está habilitada a tomar.

Por último, resulta dos elementos dos autos que, no processo principal, os recursos humanos e técnicos que foram postos à disposição da sociedade alemã pela sociedade romena, e que permitem, segundo a Administração Fiscal romena, caracterizar a existência de um estabelecimento estável da sociedade alemã na Roménia são igualmente aqueles através dos quais a sociedade romena realiza as prestações de serviços em benefício da sociedade alemã. Ora, os mesmos recursos não podem ser utilizados, ao mesmo tempo, para prestar e para receber os mesmos serviços.

Por conseguinte, resulta dos elementos que precedem que os serviços de marketing, regulação, publicidade e representação prestados pela sociedade romena parecem ser recebidos pela sociedade alemã que utiliza os seus recursos humanos e técnicos situados na Alemanha para celebrar e executar os contratos de venda com os distribuidores dos seus produtos farmacêuticos na Roménia.

DECISÃO

O Tribunal concluiu que o 44.º da Diretiva IVA e o artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento de Execução n.º 282/2011 devem ser interpretados no sentido de que uma sociedade com sede social num Estado‑Membro não dispõe de um estabelecimento estável noutro Estado‑Membro pelo facto de essa sociedade aí deter uma filial que põe à sua disposição recursos humanos e técnicos ao abrigo de contratos através dos quais lhe presta, a título exclusivo, serviços de marketing, regulação, publicidade e representação que são suscetíveis de ter uma incidência direta no volume das suas vendas.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS 

A presente decisão contribui para uma melhor compreensão do conceito de estabelecimento estável, para efeitos de IVA.

Lisboa, 11 de janeiro de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob
Joana Fidalgo Barreiro 

(Advisory Tax Team)

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