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O Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário e as novas decisões do CAAD

19 Junho 2023
O Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário e as novas decisões do CAAD
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O Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário e as novas decisões do CAAD

19 Junho 2023

SUMÁRIO

Nos passados meses de março e abril de 2023 foram proferidas, pelos Tribunais Arbitrais do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), decisões que julgaram inconstitucionais diversas normas relativas ao Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário.

INTRODUÇÃO

Como referido na nossa Newsletter de 9 de junho de 2020, em 6 de junho de 2020, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, que aprovou o Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), com o objetivo de responder à crise provocada pela pandemia da doença COVID-19. Ora, uma das medidas previstas no PEES foi a da criação de um novo “adicional de solidariedade sobre o setor bancário”, cuja receita o Governo estimava em 33 milhões de euros.

A criação deste novo “adicional de solidariedade” sobre o setor bancário teve por objetivo confesso o de reforçar os mecanismos de financiamento da Segurança Social, prevendo uma integral consignação da receita respetiva ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

De acordo com a Lei de alteração do Orçamento do Estado de 2020, o novo tributo iria, alegadamente e por isso, servir de “forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais sectores”.

A INCIDÊNCIA SUBJETIVA

Os sujeitos passivos deste tributo seriam (i) as instituições de crédito cuja sede principal e efetiva da administração se encontre em território português, (ii) as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva em Portugal, e (iii) as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.

A INCIDÊNCIA REAL OU OBJETIVA

À semelhança da Contribuição sobre o Setor Bancário (CSB), que já existia anteriormente, desde 2011, e que aparentemente assumiria o papel de tributo principal, o novo “adicional de solidariedade” também incidiria sobre passivos e, bem assim, sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço das instituições bancárias ao mesmo sujeitas.

A TAXA APLICÁVEL

O valor deste novo “adicional” corresponderia à aplicação de uma percentagem de 0,02% sobre os valores dos elementos passivos das instituições bancárias abrangidas, acrescida da aplicação de uma percentagem de 0,00005% sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço dessas mesmas entidades.

AS OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS E DE PAGAMENTO

Já o apuramento do valor deste “adicional de solidariedade” seria feito, anualmente, através de autoliquidação pelos sujeitos passivos, sendo a respetiva declaração de modelo oficial enviada à Administração tributária até ao último dia do mês de junho, e devendo o respetivo pagamento ser efetuado no mesmo prazo.

 Em 2020 e 2021, porém, a base de incidência viria a ser calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tinham correspondência nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do “adicional” devido em 2021.

E, durante este período transitório, a (auto)liquidação e o pagamento deste “adicional” foram realizados até ao dia 15 de dezembro de 2020 e de 2021, respetivamente.

A PRIMEIRA DECISÃO ARBITRAL DE 2023

O Tribunal Arbitral, constituído no âmbito do processo n.º 598/2022-T, em decisão proferida em Março de 2023, começou por julgar o ASSB como um “imposto especial sobre o setor bancário” porquanto, não obstante partilhar com a CSB a incidência objetiva, não corresponde, em rigor, a um adicional desta última, mas, sim, a um verdadeiro imposto autónomo.

O Tribunal Arbitral notou, então, que, apesar da semelhança entre a CSB e o novo ASSB, quanto à incidência objetiva, o método de quantificação da base de incidência destes dois tributos não coincide e, por esse motivo, a jurisprudência anterior que havia entendido que a CSB não violava o princípio da proibição da retroatividade fiscal não era transponível para o caso do ASSB.

Para o Tribunal Arbitral, o facto tributário do ASSB de 2020 decorria de um apuramento contabilístico da média dos saldos do passivo do primeiro semestre desse ano.

De acordo com a decisão arbitral, “(…) à data da liquidação do imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, ainda não se encontra encerrado o exercício nem aprovadas as contas, pelo que o facto tributário que a norma erige para efeito de liquidação não é a aprovação das contas, mas o facto material da verificação de existência do passivo através dos dados inscritos na contabilidade, e que necessariamente ocorre ainda antes da entrada em vigor da Lei n.º 27-A/2020.”.

Entendeu, assim, o Tribunal Arbitral julgar inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade dos impostos, a norma transitória que estabelece a regra para o apuramento do ASSB em 2020.

Julgou ainda, por outro lado, que “(…) a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o sector bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado.”.

Para o Tribunal Arbitral, o facto de não existir uma correspondência cabal entre o ASSB e um índice de valoração de capacidade contributiva ameaça a conformidade deste tributo com a Constituição da República Portuguesa.

Concluiu, a este propósito, a decisão arbitral que o conjunto formado pela norma que cria o ASSB, pela norma que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 e pela norma que adita o ASSB à referida Lei do Orçamento do Estado é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade tributária.

A SEGUNDA DECISÃO ARBITRAL DE 2023

O Tribunal Arbitral, constituído no âmbito do processo n.º 599/2022-T, nesta decisão proferida em 25 de abril de 2023, entendeu, à semelhança do sucedido na decisão arbitral anteriormente referida, que o ASSB é um imposto que não configura “um tributo acessória da CSB, pois não remete para as normas de incidência desta”, sendo, antes, um imposto completo, uma vez que a Lei que o criou prevê os respetivos elementos essenciais, como a incidência subjetiva e objetiva.

Julgou-se, também, nesta segunda decisão arbitral que a definição legal da incidência subjetiva do ASSB viola o princípio constitucional da igualdade tributária. Com efeito, “o sector bancário é vítima de uma discriminação negativa face aos restantes sectores de atividade económica, o que é patente e não tem a menor justificação ou fundamento que o possa sustentar. Exige-se mais um imposto ao sector bancário para o financiamento da Segurança Social, mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede das contribuições (contribuições das entidades bancárias e cotizações dos seus trabalhadores) ou tivesse algum especial dever de financiar a Segurança Social.”.

Entende ainda o Tribunal Arbitral que a criação do ASSB constitui ainda uma violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que «o “caminho lógico”, espelho da proporcionalidade legislativa, seria o de agravar a tributação das operações bancárias sujeitas a Imposto do Selo.».

O Tribunal Arbitral considera mesmo que o ASSB foi “uma solução legislativa arbitrária, totalmente desproporcionada relativamente à prossecução do fim que o legislador afirma que com ela pretendeu obter (reforço do financiamento da Segurança Social).”.

Entendeu, assim, este Tribunal Arbitral declarar inconstitucional a norma relativa à incidência subjetiva do ASSB, por violação do princípio da igualdade tributária, na sua dimensão de exigência de generalidade dos impostos e violação do princípio da proporcionalidade legislativa.

O IMPACTO DAS DECISÕES ARBITRAIS

A Decisão Arbitral de março de 2023 julgou, pois, inconstitucional a norma transitória que estabeleceu a regra para o apuramento do ASSB em 2020 e, bem assim, o conjunto formado pela norma que cria o ASSB, pela norma que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 e pela norma que adita o ASSB à Lei do Orçamento do Estado.

É de notar, porém, que o Tribunal Arbitral, no âmbito do processo n.º 504/2021-T e na decisão proferida em maio de 2022, já tinha julgado inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal, a norma transitória que estabeleceu a regra para o apuramento do ASSB.

Em suma, quer a Decisão Arbitral de maio de 2022, quer essa outra Decisão Arbitral de março de 2023 – que não terão ainda transitado em julgado – podem significar o início de uma corrente jurisprudencial sobre a inconstitucionalidade do ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, por violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal.

Mas é ainda de salientar, agora, que esta última Decisão Arbitral, de abril de 2023, ora tornada pública – e que também ainda não terá transitado em julgado –, ao julgar desnecessária e um puro arbítrio legislativo a criação de mais um imposto – neste caso, o ASSB –, quando existiam alternativas válidas a esse cenário, soa como que um a um “aviso final” ao legislador de que, ao criar uma multiplicidade de tributos, cria também um sistema fiscal (demasiado) complexo e, só isso, pode atropelar os princípios constitucionais.

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Lisboa, 19 de junho de 2023

Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Reigoto
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista Freitas

(Tax Litigation Team)

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