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Aspetos fiscais na I&D em Portugal - update 2023

20 Julho 2023
Aspetos fiscais na I&D em Portugal - update 2023
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Aspetos fiscais na I&D em Portugal - update 2023

20 Julho 2023

SUMÁRIO

Portugal tem, de momento, um enquadramento fiscal empresarial propício ao investimento, em geral, e ao investimento tecnológico, em particular, bem como à promoção de atividades de investigação e desenvolvimento nesta sede. Recentemente, a Lei n.º 21/2023, de 25 de maio, veio estabelecer um novo incentivo fiscal à aquisição de participações sociais de empresas, bem como alterações relevantes no âmbito do SIFIDE II, que importa, assim, analisar.

INTRODUÇÃO

1.

Como também já sublinhámos na nossa anterior Newsletter nº 50/23, Portugal tem um regime bastante atrativo em sede de I&D, desde os benefícios fiscais à pesquisa e desenvolvimento que resultam do SIFIDE II, bem como outros incentivos ao investimento previstos no RFAI, além do regime de Patent Box, um dos mais apela-tivos na União Europeia, ou da nova regra de reporte de prejuízos fiscais.

Sem prejuízo do potencial de melhoria, Portugal tem, de momento, um enquadramento fiscal empresarial propício ao investimento, em geral, e ao investimento tecnológico, em particular, bem como à promoção de atividades de investigação e desenvolvimento nesta sede.

2.

Recentemente, a Lei n.º 21/2023, de 25 de maio (doravante “Lei n.º 21/2023”) introduziu alterações relevantes no âmbito do ecossistema da investigação e desenvolvimento em Portugal, nomeadamente no que respeita à qualificação de startups, scaleups, e business angels, com a introdução de um regime de incentivo à remuneração dos trabalhadores por via da atribuição de participações sociais ou de opções sobre o capital destas entidades, dentro de determinados pressupostos, bem como outras alterações fiscais relevantes no âmbito do SIFIDE II.

Cumpre, por isso, enquadrar e analisar estes novos desenvolvimentos.

OS CONCEITOS DE STARTUP E SCALEUP

3.

A Lei n.º 21/2023 introduziu definições relevantes, nomeadamente, no que respeita a startups, scaleups ou business angels.

Considera-se, assim, como startup uma empresa que, entre outros requisitos, tenha menos de 10 anos de atividade, empregue até 250 trabalhadores e apresente um volume de negócios anual que não ex-ceda os 50 milhões de euros. Para evitar situações abusivas, excluem-se as empresas que preencham os requisitos por processo de transformação ou cisão de uma grande empresa. Também se excluem as empresas que tenham no seu capital uma participação maioritária (direta ou indireta) de uma grande empresa.

A noção de startup não abrange apenas empresas que tenham sede ou representação permanente em Portugal, mas também empresas que aqui contratem 25 trabalhadores.

Em todos os casos, para ser considerada startup é necessário, ainda, a verificação de uma das seguintes condições:

  1. Seja uma empresa inovadora com um elevado potencial de crescimento, com um modelo de negócio, produtos ou serviços inovadores, enquadrando-se como empresa do setor da tecnologia nos termos definidos pela Portaria n.º 195/2018, de 5 de julho, ou à qual tenha sido reconhecida idoneidade pela Agência Nacional de Inovação (ANI), na prática de atividades de investigação e desenvolvimento, ou certificação do processo de reconhecimento de empresas do setor da tecnologia;
  2. Tenha concluído, pelo menos, uma ronda de financiamento de capital de risco por entidade legalmente habilitada para o investimento em capital de risco sujeita à supervisão da CMVM (ou congénere internacional desta), ou mediante a aportação de instrumentos de capital ou de quase capital por parte de investidores que não sejam acionistas fundadores da empresa, nomeadamente por business angels certificados pelo IAPMEI —porém, não aplicável a empresas de promoção, intermediação, investimento ou desenvolvimento imobiliário; ou
  3. Tenha recebido investimento do Banco Português de Fomento, ou de fundos geridos por este, ou por empresas suas participadas, ou de um dos seus instrumentos de capital ou quase capital.

Não obstante, caso a empresa em questão não reúna nenhuma destas condições, mas seja detentora de um modelo de negócio, produto ou serviço inovador, ou de um negócio rapidamente escalável e com elevado potencial de crescimento, poderá ponderar requerer, ainda assim, a certificação como Startup junto da Startup Portugal.

4.

A Lei n.º 21/2023 define, igualmente, scaleup, como sendo a empresa que, mesmo exercendo atividade há mais de 10 anos, empregue mais de 250 trabalhadores e tenha um volume de negócios anual superior a 50 milhões de euros, se encontra habilitada para obter a certificação Tech Visa, nos termos da Portaria n.º 328/2018, de 19 de dezembro, bem como tenha sede ou representação permanente em Portugal, ou aqui empregue pelo menos 25 trabalhadores, e, ainda, lhe seja verificável uma das condições acima referidas a respeito do conceito de startup.

A CERTIFICAÇÃO COMO STARTUP OU SCALEUP E A MANUTENÇÃO E CESSAÇÃO DO ESTATUTO

5.

Apesar de a Lei n.º 21/2023 apresentar definições legais para startup e scaleup, é importante notar que não basta o cumprimento dos requisitos e condições acima referidos para que determinada empresa assim seja considerada.

De facto, a lei impõe, igualmente, um procedimento de “reconhecimento do estatuto”, realizado por comunicação prévia dirigida à Startup Portugal, que para o efeito emite um documento digital certificativo.

A Startup Portugal tem, ainda, o papel de manter uma lista atualizada das startups e scaleups reconhecidas, assegurando a respetiva monitorização, acompanhamento e controlo, nomeadamente para efeitos da cessação do estatuto — pela não verificação inicial ou superveniente dos requisitos para o reconhecimento, quer estes factos sejam indicados pelas próprias empresas (a tanto a lei as obriga), ou de conhecimento oficioso.

Este acompanhamento, pela Startup Portugal, implica, ainda, a confirmação, de três em três anos, da continuidade da verificação dos requisitos de atribuição do estatuto de startup ou de scaleup.

Assim, uma determinada empresa que entenda reunir os pressupostos para se qualificar como startup ou scaleup, deverá requerer, junto da Startup Portugal, a respetiva certificação, a qual manterá vigência até uma “reconfirmação”, passado três anos e por aquela entidade, do estatuto, salvo entretanto ocorra algum facto superveniente que motive/implique a cessação do estatuto.

OS BUSINESS ANGELS

6.

Nos termos da Lei n.º 23/2023, são consideradas business angels as pessoas que realizam investimentos em startups, contribuindo para o reforço da capacidade financeira destas, bem como para o reforço da experiência e conhecimento do mercado por parte destas empresas.

Também se encontra previsto que pessoas coletivas possam ser consideradas business angels, caso, grosso modo, sejam sociedades veículo de pessoas assim consideradas.

O INCENTIVO FISCAL À AQUISIÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS DE STARTUPS

7.

Ao nível dos trabalhadores, a Lei n.º 21/2023 introduziu um regime de incentivo fiscal relevante, no que respeita aos rendimentos derivados da atribuição de participações sociais, ou de opções sobre as mesmas, a trabalhadores de determinadas empresas.

Assim, os ganhos provindos de planos de opções, de subscrição, de atribuição, ou outro de efeito equivalente, sobre valores mobiliários (ou direitos equiparados) de startups (e de outras entidades, como se verá de seguida), se detidos por pelo menos um ano, passam a não ser tributados no momento da atribuição ou do exercício da opção, sendo-o apenas, e em 50%, no primeiro dos seguintes momentos: (1) alienação dos valores mobiliários ou dos direitos equiparados adquiridos por via do exercício de opção; (2) perda de qualidade de residente em Portugal; ou (3) doação dos valores mobiliários ou de direitos equiparados adquiridos por via do exercício da opção.

O ganho tributável, que apenas será considerado em 50% para efeitos de tributação, é apurado pela diferença entre:

  • o valor de realização (no caso de venda) / valor de mercado (no caso de perda de qualidade de residente em Portugal) / valor determinado nos termos do artigo 45.º do Código do IRS (no caso de doação); e
  • o preço de exercício da opção ou direito, acrescido do que haja sido pago para aquisição dessa opção ou direito.

Ou seja, no novo incentivo fiscal, prevê-se um diferimento da tributação destes rendimentos derivados de planos de ações ou de opções, mais se estabelecendo que essa tributação incide sobre, apenas, 50% do ganho.

8.

Apesar de a construção do artigo em causa não ser muito clara, e até porventura algo confusa, e além de a epígrafe do mesmo se referir a “participações sociais de startups”, note-se que o incentivo fiscal é, aparentemente, aplicável a planos atribuídos por um grande leque de entidades, obviamente incluindo por startups, desde que, no ano anterior à aprovação do plano, tal entidade seja uma:

  • Micro, pequena ou média empresa (Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro); ou
  • Small-mid-cap (Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro); ou
  • Entidade que desenvolva a sua atividade no âmbito da inovação, considerando-se como tal as entidades que tenham incorrido em despesas, equivalentes a pelo menos 10% dos seus gastos ou volume de negócio, com investimento em investigação e desenvolvimento, patentes, desenhos ou modelos industriais ou programas de computador.

9.

A lei prevê que ficam excluídos deste incentivo fiscal os membros dos órgãos sociais da entidade atribuidora do plano, ou outras pessoas que detenham, direta ou indiretamente, pelo menos 20% do capital social ou dos direitos de voto da entidade atribuidora do plano.

Tal exclusão não é, porém, aplicável no caso de planos atribuídos por entidades que, no ano anterior à sua aprovação, sejam qualificadas como startup, como micro ou como pequena empresa.

10.

Salienta-se, por último, que o incentivo fiscal em apreço se aplica, igualmente, a planos aprovados até 31 de dezembro de 2022, desde que atribuídos por entidades que, no prazo de 12 meses após a entrada em vigor da Lei n.º 21/2023, sejam reconhecidas como startup, ou consigam demonstrar que, na data da aprovação do plano, eram qualificadas como startup.

AS ALTERAÇÕES AO SIFIDE II

11.

Recorde-se que o SIFIDE II se trata de um benefício fiscal automático, em que, visando o aumento da competitividade das empresas, se incentiva o investimento em investigação e desenvolvimento, permitindo uma redução fiscal, por via de dedução à coleta de IRC, de uma percentagem das despesas relevantes e elegíveis nesse investimento.

Recentemente, a Lei n.º 21/2023 alterou, igualmente, o Código Fiscal do Investimento, no que respeita ao Regime SIFIDE II, com efeitos a 1 de janeiro de 2024, importando, assim, mencionar as alterações mais relevantes.

12.

No que concerne às despesas de investigação e desenvolvimento associadas a projetos de conceção ecológica de produtos, o benefício fiscal aumenta, permitindo-se a consideração destas despesas majorada de 110% para 120%, no cômputo da dedução fiscal a apurar.

Todavia, no que respeita à consideração de despesas com aquisição de participações no capital de instituições de investigação e desenvolvimento, ou de unidades de participação em fundos de investimento que realizem investimentos de capital próprio e de quase-capital em empresas elegíveis, nota-se uma clara intenção legislativa de restringir esta via de investimento em investigação e desenvolvimento, nomeadamente na procura de prevenção de situações de double dipping.

Assim, passam a não ser dedutíveis as despesas relativas a operações que sejam realizadas entre entidades com relações especiais, bem como, no caso de empresas dedicadas sobretudo a investigação e desenvolvimento, estas não poderão beneficiar do incentivo fiscal se estiverem em causa aplicações relevantes financiadas, direta ou indiretamente, por fundos de investimento no âmbito do SIFIDE II (ou seja, por fundos cujas unidades de participação já terão motivado um benefício fiscal na esfera dos investidores).

Destaca-se, ainda, a “obrigatoriedade”, para efeitos do incentivo fiscal, de um maior período de detenção das unidades de participação em fundos de investimento, pelos investidores que beneficiaram do SIFIDE II na sua aquisição, aumentando este prazo de detenção de 5 para 10 anos, sob pena de devolução dos montantes do benefício fiscal, acrescidos de juros compensatórios, caso alienem as unidades de participação antes desse prazo.

No mesmo sentido, também se destaca um regime de investimento mais exigente pelos fundos de investimento ou empresas dedicadas sobretudo a investigação e desenvolvimento, no âmbito do SIFIDE II. Tais entidades terão, agora, de realizar pelo menos 85% do investimento elegível num período de três anos (enquanto anteriormente se previa 80% do investimento num prazo de cinco anos), sendo que, caso este limiar e prazo de investimento não sejam atingidos, a parte proporcional à parte não concretizada dos investimentos será adicionada à coleta de IRC do período de tributação em que se verifique o incumprimento do prazo.

13.

Porém, em sinal positivo, o prazo para a dedução de despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no período em que foram realizadas, foi alargado para 12 anos. No mesmo sentido, quanto à idoneidade das entidades em matéria de investigação e desenvolvimento, a validade do respetivo reconhecimento foi igualmente alargada de oito para doze anos.

ENTRADA EM VIGOR E PRODUÇÃO DE EFEITOS

A citada Lei n.º 21/2023, de 25 de maio, entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. Não obstante, o legislador previu a produção dos seus efeitos desde o dia 1 de janeiro de 2023, salvo algumas exceções.

Assim, cumpre referir, em especial, que as regras aplicáveis às startups e scaleups apenas produzem efeitos 180 dias após a data da sua publicação, sem prejuízo de uma norma específica quanto ao incentivo fiscal à aquisição de participações sociais de startups, podendo o mesmo ser aplicado a planos aprovados até 31 de dezembro de 2022, em algumas situações, como já acima referido.

Por último, importa mencionar que as alterações ao regime SIFIDE II apenas produzam efeitos a 1 de janeiro de 2024.

CONCLUSÕES

No que respeita aos aspetos fiscais, a Lei n.º 21/2023 introduziu, por um lado, um incentivo fiscal relevante, no que respeita à atribuição de participações sociais a trabalhadores de determinadas empresas, e, por outro lado, alterou o regime SIFIDE II, com um ajustamento positivo em termos do prazo para a dedução do benefício e da majoração de despesas de cariz ecológico, mas, principalmente, com ajustamentos que visam a redução de oportunidades verificadas no âmbito dos fundos de investimento SIFIDE.

No que respeita ao incentivo fiscal à aquisição de participações sociais por trabalhadores, o mesmo tem como efeito, positivo, o de incentivar a prática de remuneração adicional de trabalhadores e órgãos sociais por via de planos de ações ou de opções.

Como ponto negativo e principal, parece-nos que a redação do artigo referente ao incentivo fiscal à atribuição de participações sociais é desnecessariamente confusa e redundante, o que poderá dificultar a sua correta interpretação.

No mesmo sentido, é com preocupação que se observam também normas que visam limitar fiscalmente a alteração de residência fiscal dos trabalhadores, como a agora introduzida, que impõe um exit tax a trabalhadores que tenham benefícios suspensos no âmbito deste regime e que alterem a sua residência fiscal, cuja compatibilidade com o direito europeu suscita dúvidas.

Um outro aspeto, também negativo e relevante, prende-se com a aparente arbitrar-edade de não se permitir a aplicação do referido incentivo fiscal a pessoas com participação de pelo menos 20% ou membros dos órgãos sociais da entidade, salvo quando (ao que parece) o benefício respeite a plano atribuído por entidade que seja qualificada como startup, micro ou pequena empresa.

***

Lisboa, 20 de abril de 2023

Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob

(Tax Advisory Team)

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