Newsletters

O Regime de "Patent Box" em Portugal

23 Maio 2023
O Regime de "Patent Box" em Portugal
Newsletters

O Regime de "Patent Box" em Portugal

23 Maio 2023

SUMÁRIO

Portugal tem um dos regimes mais atrativos, no panorama europeu, de tributação de rendimentos provenientes da cedência ou utilização temporária de direitos de autor e de direitos de propriedade industrial referentes a patentes, desenhos ou modelos industriais, e direitos de autor sobre programas de computador — o denominado regime de Patent Box. Porém, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu algumas Informações Vinculativas sobre este regime que suscitam dificuldades ou limitações na sua aplicação, ao que acresce as recentes alterações legislativas relevantes nesta sede, o que se pretende atualizar e esclarecer nesta Newsletter.

INTRODUÇÃO

1.

O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) prevê um regime especial para certos rendimentos de direitos de autor e de direitos de propriedade industrial, denominado de Patent Box.

Este regime, instituído em 2014, pela Lei 2/2014 de 16 de janeiro, tem vindo a sofrer algumas alterações, tendo sido uma das últimas na Lei do Orçamento do Estado para 2022 (Lei n.º 12/2022, de 27 de junho), onde se aumentou a capacidade e atratividade deste regime, no sentido de o tornar, como expresso no Relatório do Orçamento do Estado para 2022, um dos mais atrativos da União Europeia neste domínio.

A Autoridade Tributária e Aduaneira tem, ao longo da história deste regime, emitido Informações Vinculativas relevantes, sem prejuízo de, por vezes, se entender que, em alguns pontos, suscitam obstáculos que poderão, inclusivamente, contrariar a lógica de implementação e de melhoria recente deste regime, o que poderá atrair algum contencioso tributário, porventura desnecessário, neste âmbito.

Sem prejuízo, notamos que uma das dificuldades que resultava de uma Informação Vinculativa publicada pela Administração tributária foi ultrapassada por uma recente alteração legislativa pela Lei n.º 20/2023, de 17 de maio de 2023.

DA APLICAÇÃO DO REGIME DE PATENT BOX

2.

O regime de Patent Box permite que, para efeitos de determinação do lucro tributável de uma determinada entidade, possa ser deduzido um montante, correspondente aos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão, ou a utilização temporária, dos seguintes direitos:

  • patentes;
  • desenhos ou modelos industriais;
  • direitos de autor sobre programas de computador.

Esta dedução tem como efeito que apenas uma parte do rendimento obtido dessa cessão ou utilização temporária dos referidos direitos seja, efetivamente, tributada, podendo essa tributação, atualmente, ser (até) sobre apenas 15% desses rendimentos (o regime anterior permitia um benefício de até 50% de exclusão de tributação desses rendimentos, enquanto o regime atual, aprovado pela Lei do Orçamento de Estado para 2022, Lei n.º 12/2022 de 27 de junho, permite um benefício de até 85% de exclusão de tributação).

A redação do regime, até então em vigor, referia que a dedução é aplicável quando estes direitos são “sujeitos a registo”. Todavia, com a Lei n.º 20/2023, de 17 de maio, a redação da lei referente à aplicação do benefício sobre a cessão ou utilização temporária de tais direitos foi alterada para “quando registados”, podendo antecipar-se a eventualidade de litígio sobre os efeitos desta alteração legislativa.

O benefício do regime de Patent Box está dependente do preenchimento, cumulativo, de quatro requisitos:

(i) o cessionário utilize os direitos na prossecução de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
(ii) os resultados da utilização dos direitos, pelo cessionário, não se materializem na entrega de bens ou prestações de serviços que originem gastos fiscalmente dedutíveis na entidade cedente (ou noutra que com esta esteja integrada num grupo de sociedades ao qual se aplique o regime especial de tributação dos grupos de sociedade, sempre que entre uma ou outra e o cessionário existam relações especiais);
(iii) o cessionário não seja uma entidade residente num paraíso fiscal;
(iv) o sujeito passivo disponha de registos contabilísticos, organizados de modo que esses rendimentos possam claramente distinguir-se dos restantes, que permitam identificar os gastos e perdas incorridos ou suportados para a realização das atividades de investigação e desenvolvimento diretamente imputáveis ao direito objeto de cessão ou utilização temporária.

3.

Neste âmbito, o CIRC define, também, que se consideram “rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou a utilização temporária de direitos” o saldo positivo entre os rendimentos e ganhos auferidos no período de tributação em causa e os gastos ou perdas incorridos ou suportados, nesse mesmo período de tributação, pela mesma entidade na realização das atividades de I&D de que tenha resultado, ou que tenham beneficiado, o direito ao qual é imputável o rendimento.

Assim, o benefício do regime de Patent Box é, grosso modo, essencialmente evidente quando o rendimento obtido com a cessão ou utilização temporária do ativo elegível ultrapassa o investimento em I&D acumulado no desenvolvimento desse ativo.

Funcionando o benefício fiscal por via de dedução no âmbito do apuramento do lucro tributável, esta dedução é calculada, e limitada, pela seguinte fórmula: DQ/DT x RT x 85%. Com efeito, DQ são as despesas qualificáveis incorridas para desenvolver o ativo (majoradas em 30%), DT são as despesas totais incorridas para desenvolver o ativo, e RT é o rendimento total derivado do ativo.

De notar que o apuramento dos ganhos e das perdas associadas ao ativo/direito em causa deverão ser apurados com recurso aos termos definidos no SIFIDE, prevendo a lei, ainda, algumas exclusões quanto a gastos elegíveis.

O CASO DOS DIREITOS DE AUTOR SOBRE PROGRAMAS DE COMPUTADOR

4.

No âmbito dos PIV 22777 e PIV 21235, de 15 de novembro e 12 de dezembro de 2022, respetivamente, a Administração tributária entendeu que “só têm cabal enquadramento no artigo 50.º-A do CIRC os rendimentos respeitantes a "royalties", densificando que os pagamentos relativos a software ficam abrangidos pelo conceito de «royalties» quando apenas uma parte dos direitos respeitantes ao software são transferidos, independentemente de os pagamentos serem efetuados como retribuição pelo direito de utilização de um direito de autor sobre software tendo em vista a sua exploração comercial (excetuados os pagamentos respeitantes ao direito de distribuir cópias normalizadas, excluindo o direito de as personalizar ou reproduzir), ou corresponderem a software adquirido pelo adquirente para utilização no âmbito da exploração de uma empresa, quando neste último caso, o software não for inteiramente estandardizado, mas adaptado de algum modo ao adquirente.“

Assim, além de considerar que os rendimentos elegíveis deverão ser subsumíveis no conceito de royalty, parece ainda considerar a Administração tributária que os rendimentos respeitante a licenças de uso de software estandardizado, para uso próprio dos adquirentes, em que (apesar de a lei mencionar a possibilidade de “utilização temporária”) não há transferência de direitos de propriedade intelectual, sendo os direitos objeto da licença limitados aos necessários para permitir ao utilizador final utilizar o programa, são qualificados como rendimentos comerciais, e não como royalties, pelo que não poderão, assim, no seu entender, beneficiar do regime de Patent Box.

Porém, em nossa opinião, o entendimento preconizado pela Administração Tributária, poderá, pretendendo-se dele extrair conclusões generalizadas, ser limitador do âmbito de aplicação do regime, o que colidiria com o propósito da sua criação, nomeadamente no que respeita à sua aplicabilidade em casos de mera utilização temporária, o que poderá tornar obsoleto este regime especialmente atrativo.

DO (ALEGADO) LIMITE DO ARTIGO 92.º DO CÓDIGO DO IRC

5.

O CIRC impõe, no n.º 1 do artigo 92.º, que o imposto liquidado (…), líquido das deduções previstas (…) não pode ser inferior a 90% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais e do regime de realizações de utilidade social.

Neste âmbito, para efeitos de salvaguardar a utilidade dos benefícios fiscais criados em legislação avulsa, o legislador previu a exclusão, da “comparação” atrás referida, de um elenco de benefícios fiscais previstos, por exemplo, no Código Fiscal do Investimento ou no Estatuto dos Benefícios Fiscais (cf. artigo 92.º, n.º 2).

Ora, tendo por base o referido n.º 1 do artigo 92.º do CIRC, e sabendo que o regime de Patent Box não consta, expressamente, no também referido n.º 2 desse artigo, veio a Administração tributária, no âmbito do PIV 22968, indicar que, “(...) não constando o artigo 50.º-A nos benefícios excluídos da aplicação da limitação [i.e. o limite mínimo de imposto a pagar], entra para efeitos do cálculo da limitação prevista no artigo 92.º do CIRC."

6.

Ora, atendendo a que esta interpretação poderá, na prática, impedir que o regime — que o legislador claramente indicou pretender que fosse dos mais atrativos da União Europeia — tivesse efetiva utilidade e aplicabilidade, por exemplo, no setor tecnológico, se acertada, tal interpretação colidia com os interesses do legislador, com a integração sistemática e com a ratio das normas em questão.

Neste sentido, destaca-se que com a Lei n.º 20/2023 de 17 de maio, é aditado, entre outros, um n.º 3 ao artigo 92.º do Código de IRC, que passa a prever que: (…) não se consider[am] abrangidos por este artigo os benefícios fiscais constantes do presente Código.

Ou seja, a alteração legislativa clarifica que os benefícios fiscais previstos no Código de IRC não são contabilizados para efeitos do apuramento do limite mínimo de imposto a pagar, nos termos do artigo 92.º do Código do IRC — possibilitando, assim, que não possa ser interpretado que o legislador, no mesmo Código, atribua benefícios fiscais e, em simultâneo, os limite em grande medida.

Em suporte do entendimento de que tal já resultaria da melhor interpretação da norma em apreço, não deixa de ser de aplaudir a alteração legislativa, por a mesma garantir, assim, a segurança dos operadores económicos e das entidades que pretendem usufruir do regime de Patent Box.

OBSERVAÇÕES FINAIS

Portugal tem um regime bastante atrativo em sede de I&D, desde os benefícios fiscais à pesquisa e desenvolvimento que resultam do SIFIDE, bem como outros incentivos ao investimento previstos no RFAI, que poderão desaguam no regime de Patent Box, um dos mais apelativos na União Europeia, que possibilita uma exclusão de tributação de até 85% dos rendimentos obtidos com a cessão ou utilização temporária dos direitos elegíveis, incluindo software.

De notar as alterações relevantes, e acima referidas, no âmbito do regime de Patent Box, com a Lei n.º 20/2023 de 17 de maio.

Nesta sede, parece-nos que a alteração da menção a “sujeitos a registo” para “quando registados”, à qual não foram atribuídos efeitos interpretativos — nem, em nossa opinião, tal poderia ter sucedido —, poderá motivar ou evidenciar situações de litígio fiscal, limitando-se a aplicação do regime aos direitos de autor ou de propriedade industrial já registados, o que pode motivar um atraso na aplicação do regime para momentos após o respetivo registo. Ou seja, limitando a aplicação do regime a um fator exógeno e não dependente da vontade ou da atividade do sujeito passivo em questão.

Por outro lado, é de aplaudir a alteração legislativa que irá clarificar, com efeitos interpretativos, a inexistência de qualquer limitação da aplicação do regime de Patent Box pelo artigo 92.º do Código do IRC, pelo que quaisquer sujeitos passivos que tenham sentido esta limitação poderão, eventualmente, fazer valer o seu direito ao benefício fiscal.

Sendo expetável, em igual medida, que aumente a litigância fiscal a respeito da definição de direitos de autor sobre programas de computador válidos para efeitos da aplicação do regime de Patent Box, onde a Administração tributária pareceu ter uma interpretação algo limitadora, mencionando que apenas são considerados os casos em que exista uma transferência dos direitos de propriedade do software, em rendimentos subsumíveis no conceito de royalty.

Em face do exposto, devemos continuar atentos ao regime da Patent Box e a quaisquer mudanças que possam surgir no futuro.

***

Lisboa, 23 de maio de 2023

Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro de Silveira Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob

(Tax Advisory Team)

Know-How