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A incapacidade fiscalmente relevante e o princípio da avaliação mais favorável

12 Outubro 2022
A incapacidade fiscalmente relevante e o princípio da avaliação mais favorável
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A incapacidade fiscalmente relevante e o princípio da avaliação mais favorável

12 Outubro 2022

SUMÁRIO

No seguimento das alterações introduzidas pela Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro, ao regime de avaliação de incapacidade das pessoas com deficiência para efeitos de acesso às medidas e benefícios legais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, concretamente da introdução de norma interpretativa - o artigo 4.º-A –, veio a Administração tributária revogar o entendimento anteriormente veiculado no Ofício-Circulado n.º 202015, de 3 de dezembro de 2019, através da publicação do Ofício-Circulado n.º 20244, de 29 de agosto de 2022.

INTRODUÇÃO

O regime de avaliação da incapacidade das pessoas com deficiência para efeitos de acesso às medidas e benefícios legais, encontra-se previsto no Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro.

Com o propósito de clarificar os processos de revisão ou reavaliação do grau de incapacidade, a Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro, veio aditar ao citado Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro, um artigo 4.º-A, o qual tem natureza de norma interpretativa.

Considerando as aludidas alterações, a Administração tributária, através do Ofício circulado n.º 20244, de 29 de agosto de 2022, veio proceder à reapreciação do entendimento anteriormente veiculado.

A NORMA INTERPRETATIVA

A norma interpretativa prevista no citado artigo do Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de outubro (pela também referida Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro) veio clarificar que ao procedimento de avaliação de incapacidade deve aplicar-se o princípio da avaliação mais favorável, numa lógica de salvaguarda de direitos que já tenham sido adquiridos e/ou já estejam a ser exercidos.

Assim, sempre que do processo de revisão ou de reavaliação (previsto no disposto nos n.ºs 7 e 8, do artigo 4.º, do mesmo diploma legal) resulte a atribuição de grau de incapacidade inferior ao anteriormente atribuído, mantém-se em vigor o resultado da avaliação anterior mais favorável, desde que o resultado respeite à mesma patologia clínica que determinou a atribuição da incapacidade e que de tal não resulte prejuízo para o avaliado.

O ENTENDIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

Por meio do citado Ofício-Circulado n.º 20244, de 29 de agosto de 2022, a Administração tributária vem recordar que uma tal norma, interpretativa, não poderá significar que os direitos anteriormente adquiridos e já exercidos, em virtude de incapacidade anteriormente reconhecida, se prorroguem ad eternum.

Com efeito, o princípio da avaliação mais favorável vem aplicar-se, estritamente, ao período de imposto / ano civil em que ocorra a revisão ou reavaliação de incapacidade.

O IRS é um imposto de periodicidade anual, pelo que os pressupostos legais para que o sujeito passivo venha a beneficiar do regime aplicável a pessoas com um grau de deficiência igual ou superior a 60% têm que, necessariamente, verificar-se todos os anos.

Assim, as normas acima indicadas e constantes do artigo 4.º, n.ºs 7 e 8 e, bem assim, do artigo 4.º-A do DL n.º 202/96, servem um duplo propósito:

  • afastar a aplicação da regra geral de que a situação pessoal e familiar relevante, para efeitos de IRS é a que se verifica a 31 de dezembro de cada ano;
  • afastar a regra geral de aplicação da lei no tempo, da qual decorreria que a “avaliação legal nova” aplicar-se-ia ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor.

Assim, quando o resultado do processo de revisão/reavaliação for o de atribuição de um grau de incapacidade inferior a 60%, resultando na perda de benefício anteriormente concedido, o contribuinte apenas deixará de beneficiar desse regime fiscal no período de imposto seguinte. 

GARANTIAS DOS CONTRIBUINTES: PRAZOS PARA REAÇÃO

 i.        a entrega de declaração de substituição

Os contribuintes que tenham sido prejudicados por entendimento diferente e, assim, perdido o direito ao benefício no ano em que ocorreu a reavaliação menos favorável, poderão apresentar Declaração Modelo 3 no prazo de dois anos contados do termo do prazo para a entrega da declaração, com fundamento na lei interpretativa.

ii.        a apresentação de Reclamação Graciosa

Também com fundamento na lei interpretativa, poderiam, ainda, os contribuintes, prejudicados pelo entendimento anterior, apresentar Reclamação graciosa no prazo de 120 dias contados da publicação da citada Lei n.º 80/2021, de 29 de novembro.

No entanto, considerando que esse prazo se encontra há muito ultrapassado, a Administração tributária entende que a divulgação do Ofício-Circulado n.º 20244, de 29 de agosto, deve ser equiparada a facto superveniente, para efeitos de contagem deste prazo de reclamação.

Assim, o prazo de 120 dias para Reclamação de liquidações que não considerem o princípio da avaliação mais favorável deverá ser contado a partir de 29 de agosto de 2022, data da publicação do Ofício-Circulado em referência.

iii.        o pedido de Revisão dos Atos Tributários de liquidação de IRS

Adicionalmente, relembra ainda a Administração tributária que, ultrapassados os prazos para apresentação de declaração de substituição ou de Reclamação graciosa, poderão, ainda, os contribuintes pedir a revisão oficiosa dos respetivos atos de liquidação de IRS, no prazo de 4 anos após a liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago), com fundamento em erro imputável aos serviços. 

Lisboa, 12 de outubro de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Pedro José Santos
João Mário Costa
Rita Lima de Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Reigoto

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