1.
NÚMERO DO PROCESSO: 417/2024-IRC
DATA: 18 de novembro de 2024
ASSUNTO: IRC – Retenção na fonte -Convenção de Dupla Tributação – Meios probatórios
A REQUERENTE apresentou um Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo em vista a apreciação por parte do Tribunal Arbitral da ilegalidade do ato de liquidação por retenção na fonte em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referente ao ano de 2019, no valor total de € 104.602,17 (imposto e juros compensatórios), e bem assim, da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada.
FACTOS
A REQUERENTE é um sujeito passivo de IRC, que foi objeto de uma liquidação adicional de IRC, relativo a 2019, resultante de correções em sede de retenção na fonte efetuadas no âmbito de uma ação inspetiva.
No âmbito do procedimento de inspeção tributária, a Administração Tributária verificou que a REQUERENTE, em 2019, suportou, registou contabilisticamente e pagou serviços, num montante total de €360.000€, a uma entidade não residente fiscalmente em Portugal, sem ter sido efetuada qualquer retenção na fonte para efeitos de IRC.
Ora, relativamente aos pagamentos efetuados, os Serviços de Inspeção Tributária entenderam que a REQUERENTE não estava na posse do certificado referido no quadro III do Modelo 21-RFI a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IRC, e, por esse motivo, não estavam reunidos os pressupostos de dispensa de retenção na fonte nos últimos três meses de 2019.
Na sequência das correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção Tributária, foi a REQUERENTE notificada dos atos de liquidação de retenção na fonte em sede de IRC e de juros compensatórios, tendo apresentado Reclamação Graciosa.
Posteriormente, tendo sido notificada do indeferimento da Reclamação Graciosa, a REQUERENTE apresentou o competente Pedido de Pronúncia Arbitral.
Por um lado, a REQUERENTE entende que se encontram preenchidos os requisitos legais para a dispensa da retenção da fonte dos pagamentos a entidades com residência em Espanha, por outro lado, a Administração Tributária entende que a residência da entidade a quem a REQUERENTE realizou pagamentos, no período de 2019, não está comprovada , sob a forma documental, através do certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, nos termos do artigo 4.º da Convenção de Dupla Tributação, atestando a sujeição a imposto.
ANÁLISE DO TRIBUNAL
Fixada a matéria de facto dada como provada, o Tribunal identificou como questão de mérito da causa averiguar se, no caso concreto, se encontravam preenchidos todos os pressupostos de que dependia a dispensa (seja ela total ou parcial) de retenção na fonte sobre os rendimentos pagos pela REQUERENTE a sociedades não residentes em território português, nos termos e para os efeitos do artigo 98.ºdo Código do IRC.
O Tribunal começou por esclarecer que de acordo com o artigo 98.º, n.º 1 do Código do IRC “não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente ao rendimentos referidos no n.º 1 do artigo 94.ºdo Código do IRC quando, por força de uma convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha sede nem direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas por forma limitada.”.
Com efeito, constatou o Tribunal que os requisitos do artigo 98.º, n.º 1 do Código do IRC são os requisitos fundamentais para dispensar, no caso concreto, a exigibilidade da retenção na fonte dos pagamentos a entidades com residência, sede ou outro critério de natureza similar em Espanha.
Adicionalmente, o Tribunal entendeu que a prova de que a entidade a quem a REQUERENTE realizou pagamentos não é residente em Portugal nem ali possui a sua sede nem a sua direção efetiva nem estabelecimento, a quem sejam imputáveis os rendimentos auferidos em território nacional, foi realizada pela REQUERENTE, quer no decorrer do processo inspetivo, quer ao longo do presente processo arbitral, tendo aliás essa realidade sido admitida pela Administração Tributária.
No que concerne à prova a que alude o n.º 2 do artigo 98.º do Código do IRC, o Tribunal mencionou que a partir de 1 de outubro de 2019, com a entrada em vigor da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, a prova da qualidade de não residente, para efeitos do artigo 98.º do Código do IRC, passou a vigorar a obrigação de apresentar um “formulário de modelo a aprovar o despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento desse Estado.
Não obstante, o Tribunal Arbitral, aderindo integralmente às posições do Supremo Tribunal Administrativo (processo n.º 141/14) e do CAAD (processo n.º 755/2020-T), referiu que “por um lado, os formulários exigidos como prova de dispensa de retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes , previstos no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IRC têm natureza meramente declarativa, podendo ser apresentados a posteriori, e por outro lado, o formulário 21-RFI é uma mera formalidade não exigida na CDT aplicável para efeitos de dispensa ou não de retenção na fonte.”.
Assim, o Tribunal concluiu ter sido provado nos autos que a entidade a quem a REQUERENTE efetuou pagamentos era, em 2019, residente fiscal em Espanha ao abrigo da CDT celebrada entre Espanha e Portugal, não tendo a Administração Tributária logrado alegar quaisquer factos que pudessem colocar em causa a prova junta pela REQUERENTE, rematando, por fim, que se encontravam preenchidos todos os requisitos de que depende a aplicação do n.º 1 do artigo 98.º do Código do IRC e na CDT celebrada entre Espanha e Portugal para a dispensa da Requerente de efetuar a retenção na fonte sobre os rendimentos pagos em 2019 à entidade residente em Espanha.
Por fim, no que respeita aos juros indemnizatórios, o Tribunal concluiu que, verificando-se, no caso concreto, que houve erro imputável aos serviços que resultou em pagamento de imposto em montante superior ao devido, deve ser julgado procedente o pedido do pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento das retenções anuladas até à data de emissão da nota de crédito.
Em face de todo o exposto, o Tribunal Arbitral decidiu julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral, determinando, em consequência, a restituição do imposto indevidamente pago pela Requerente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
2.
NÚMERO DO PROCESSO: 543/2024-T
DATA: 15 de outubro de 2024
ASSUNTO: Periodização do lucro tributável – indemnização e respetivos juros de mora
A REQUERENTE apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo em vista a anulação da decisão de indeferimento parcial do recurso hierárquico apresentado, bem como do ato de liquidação adicional de IRC, relativo ao exercício de 2015, e das notas de demonstração de juros compensatórios, no valor global de €1.497.342,81, e ainda, dos atos de fixação da matéria coletável do IRC de 2017 e de 2018.
FACTOS
A REQUERENTE foi alvo de correções em sede de IRC, efetuadas no âmbito de ações inspetivas em sede de IVA e IRC e referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019/03T.
No âmbito da sua atividade, a REQUERENTE celebrou um contrato de locação financeira imobiliária, tendo por objeto dois imóveis, com opção de compra no final, os quais foram sublocados, por via da celebração de dois contratos de sublocação com B, pelo período de 10 anos.
Em 30 de abril de 2014, os contratos de sublocação celebrados com a REQUERENTE foram denunciados por B, com efeitos a 30 de julho de 2015.
Importa notar que os contratos de sublocação previam que, em caso de denúncia antecipada, a B ficaria obrigada a pagar à REQUERENTE, no prazo de 60 dias a contar da data em que a dita resolução produza os seus efeitos, e a título de cláusula penal, uma indemnização por lucros cessantes e danos emergentes em montante equivalente à renda devida pelo subarrendamento, atualizada através da aplicação de juros à taxa legal em vigor no momento do pagamento.
Uma vez que B se recusou a pagar tal indemnização, a REQUERENTE intentou, em 24 de novembro de 2015, uma ação arbitral peticionando uma indemnização na quantia de € 8.148,098,46, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 228.224,89 e, subsidiariamente, perante a possibilidade de um aditamento aos contratos acordado em 2009 ser considerado ineficaz, a quantia de € 6.693.431,54, acrescida de juros de mora no valor de € 187.780,27.
Em 17 de fevereiro de 2017, o Tribunal Arbitral proferiu decisão, na qual condenou B a pagar à REQUERENTE, a título de indemnização pela cessação antecipada dos contratos de arrendamento, o montante de € 5.538.750, acrescido dos juros de mora, o que foi cumprido por B em 6 de maio de 2019, já na pendência da ação executiva.
Ora, no exercício de 2018, a REQUERENTE registou na sua contabilidade, como rendimento, o remanescente do montante da indemnização e no exercício de 2019 contabilizou a totalidade do proveito relativo aos juros de mora pelo atraso no pagamento da indemnização por parte de B.
Adicionalmente, a REQUERENTE substituiu a declaração de rendimento Modelo 22 de IRC de 2019, tendo em vista a exclusão de tributação naquele exercício dos montantes indemnizatórios e juros pagos por B, uma vez que, segundo a informação dos Serviços de Inspeção Tributária no decurso do procedimento inspetivo, os mesmos seriam considerados (como foram) rendimento no exercício de 2015 (indemnização) e no exercício de 2017 (juros).
Por um lado, a Administração Tributária considerou que o rendimento derivado da indemnização por revogação/denúncia dos contratos de subarrendamento deveria ter sido reconhecido em 2015, em obediência ao princípio da especialização dos exercícios previsto no Código do IRC, por ser esse o ano em que a denúncia ilícita dos contratos de subarrendamento produziu efeitos, tendo procedido às consequentes liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios.
Além disso, entendeu a Administração Tributária ter direito a receber juros de mora pelo não pagamento da indemnização por revogação do contrato, que se tornou certo após a prolação de decisão arbitral em 2017, e que esses juros deveriam ter sido reconhecidos no exercício de 2017 (e não em 2019), por existir probabilidade séria quer quanto ao direito ao recebimento, quer quanto ao montante.
Após ser notificada dos atos tributários de IRC e respetivos juros, a REQUERENTE apresentou Reclamação Graciosa e, posteriormente, Recurso Hierárquico, o qual foi parcialmente deferido, tendo sido mantidas as correções relativas à indemnização por revogação do contrato, no valor de € 5.538.550 (relativa a 2015), com a consequente manutenção da correção a favor do sujeito passivo, no valor de € 2.769,375 (relativo a 2018) e a correção relativa a juros, no valor de € 655.350,95 (relativa a 2017).
Na sequência do indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado, a REQUERENTE apresentou o competente Pedido de Pronúncia Arbitral.
ANÁLISE DO TRIBUNAL
Fixada a matéria de facto tida como assente, o Tribunal identificou como questão de mérito da causa averiguar
(i) se o rendimento derivado da indemnização por revogação/denúncia dos contratos de subarrendamento deveria ou não ser reconhecida em 2015, data em que a referida denúncia produziu os seus efeitos.
(ii) Se os juros de mora deveriam ou não ter sido reconhecidos no exercício de 2017, ano em que foi proferida a decisão arbitral.
O Tribunal iniciou a sua exposição referindo, desde logo, que o princípio da periodização dos exercícios, previsto no artigo 18.º do Código do IRC prevê que “os rendimentos e os gastos , assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento.”, contudo salienta o Tribunal que “a obtenção de um rendimento não equivale necessariamente ao momento da ocorrência do facto gerador desse rendimento.”.
Adicionalmente, referiu o Tribunal que “[n]a contabilidade, o reconhecimento de rendimentos deve ser feito quando o direito a receber tais rendimentos seja obtido; e tal reconhecimento deve ocorrer somente quando ele possa ser mensurado com fiabilidade e seja provável que venha a ser pago.”.
Nesse sentido, o Tribunal aderiu à posição do Supremo Tribunal Administrativa, vertida no seu Acórdão de 12 de outubro de 2012 (processo n.º 0115/12), nos termos do qual “com referência a «indemnizações auferidas», o legislador parece nitidamente sugerir dever relevar-se o ano do recebimento e não o ano em que o direito à indemnização fica constituído.”, e tendo por base esse entendimento, alerta para o texto do artigo 20.º, n.º 1, alínea g) do Código do IRC, o qual “institui uma regra excecional relativa ao momento do reconhecimento dos proveitos quando estes assumem a natureza de uma indemnização, valendo não o citério da competência económica mas sim o da competência financeira (momento do recebimento ou colocação à disposição).”.
O Tribunal entendeu, porém, que “mesmo que se entendesse que o artigo 20, n.º 1, alínea g) do Código do IRC não comporta qualquer desvio relativamente ao disposto no artigo 18.º (ou seja, que também relativamente às indemnizações vale o princípio da competência económica), sempre haveria que concluir não estarem verificadas, em 2015, as condições para o reconhecimento como proveito de um qualquer valor relativamente à indemnização em causa.”, uma vez que, em 2015, não havia certeza mínima quanto ao direito da REQUERENTe vir a receber qualquer indemnização, nem tampouco sobre o seu montante, sendo certo que a REQUERENTE peticionou €8.148.098,46, acrescida de juros de mora, por aplicação direta da cláusula penal contratualmente prevista.
Com efeito, o Tribunal constatou que “[é] simplesmente irrealístico, para não dizer absurdo, a AT fazer uma correção aos rendimentos declarados pelo Requerente em 2015, aditando um proveito – indemnização por incumprimento – no montante fixado, por equidade, por um tribunal arbitral em 2017.”, concluindo pela total falta de fundamentação da correção efetuada pela Administração Tributária.
No que concerne aos juros de mora, o Tribunal Arbitral, aderindo integralmente à posição do Supremo Tribunal Administrativo vertida no Acórdão de 12 de outubro de 2012 (processo n.º 0115/12, entendeu que “o valor correspondente aos juros de mora, uma obrigação acessória decorrente do reconhecimento do direito à indemnização, apenas deveria ser contabilizada em 2019, ano do respetivo rendimento.”, concluindo, nessa sequência, que a opção contabilística da REQUERENTE, no caso concreto, foi a mais correta.
Assim, o Tribunal concluiu que correção efetuada pela Administração Tributária é totalmente infundada, quando analisada à luz do princípio da justiça e da proporcionalidade.
Em face do que antecede, o Tribunal Arbitral decidiu julgar totalmente procedente o pedido, determinando, em consequência, a anulação das liquidações, atos de fixação de matéria coletável e decisão do recurso hierárquico impugnados, com fundamento na não violação pela Requerente do princípio da especialização dos exercícios.
3.
NÚMERO DO PROCESSO:217/2024-T
DATA: 24 de outubro de 2024
ASSUNTO: IVA -Fusão-cisão: princípios da continuidade e da neutralidade fiscal
A REQUERENTE apresentou um Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à anulação do ato de liquidação de IVA, no montante de €169.510,40 e juros moratórios, no montante de €362,06, bem como do indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra as referidas liquidações.
FACTOS
A REQUERENTE é uma sociedade anónima de direito português e o seu objeto consiste no investimento dos capitais obtidos junto dos acionistas, predominantemente em ativos imobiliários, incluindo imóveis, participações em sociedades imobiliárias e ações ou unidades de participação em outros organismos de investimento imobiliário, que permitam gerar rendimento para a sociedade através da compra, da venda, do arrendamento, de outras formas de exploração onerosa e de administração de imóveis.
Ora, o sócio único da REQUERENTE tomou a decisão de reorganizar o Grupo por si detido, através da realização de uma operação de fusão-cisão, registada em 1 de julho de 2022, através da qual a sociedade incorporante manteve, para efeitos fiscais, os ativos e passivos transferidos pelos mesmos valores que se encontravam contabilizadas nas sociedades cindida e incorporadas.
Em 19 de janeiro de 2023, a REQUERENTE entregou a declaração periódica de IVA relativa ao período de 2022/11, refletindo, no campo 61, o montante de crédito de IVA a reportar no valor de €169.510,40, o qual corresponde ao crédito de imposto apurado pela REQUERENTE na sua declaração periódica de IVA de 2022/10, a qual por sua vez já considerava os créditos de imposto das sociedades incorporadas e da sociedade cindida refletidos na esfera da Requerente em períodos anteriores.
Desconsiderando na íntegra o montante previamente inscrito no campo 61 da declaração periódica de IVA 2022/11 da REQUERENTE, a Administração Tributária promoveu correções automáticas, que resultaram na emissão da liquidação de IVA referente ao período de 2022/11, no montante de €169.510,40, donde consta a seguinte fundamentação “Liquidação efetuada nos termos do artigo 87.º do CIVA, em resultado da correção automática da declaração periódica enviada para o período indicado, de que resultou a falta de imposto entregue ao Estado.”
Não se conformando com as liquidações adicionais de IVA e de juros moratórios, a REQUERENTE apresentou Reclamação Graciosa contra os referidos atos tributários, peticionando a sua anulação, à qual se seguiu a apresentação do competente Pedido de Pronúncia Arbitral.
Na sequência de uma ação de inspeção tributária, a REQUERENTE foi notificada da liquidação adicional de IRC, relativa ao período de 2019, no montante de €8.702,88.
Inconformada com a liquidação e, não obstante a REQUERENTE ter efetuado o respetivo pagamento do montante acima mencionado, apresentou o competente Pedido de Pronúncia Arbitral.
ANÁLISE DO TRIBUNAL
Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão de mérito averiguar “se a Requerente, na sequência da concretização de uma operação fusão-cisão, devidamente registada e publicitada, e ao abrigo da neutralidade fiscal que esteja subjacente, pode refletir nas suas declarações periódicas de IVA(campo 61), os créditos de imposto não usados/reclamados que tiveram origem nas sociedades fundidas/cindidas, tornando-se assim titular dos mesmos e, em caso de resposta positiva, se a transferência de tais montantes está sujeita à comunicação prévia da fusão-cisão à AT.”.
Para responder à questão, o Tribunal Arbitral começou por discorrer sobre o regime normativo relevante (artigos 111.º, alínea a) e 120.º do Código das Sociedades Comerciais), para de seguida concluir que numa operação de fusão-cisão, realizada ao abrigo do regime da neutralidade fiscal, a sociedade incorporante torna-se titular dos créditos fiscais originados na esfera das sociedades incorporadas/cindida e por estas não usados, e, por esse motivo, quer por resultado da fusão de sociedade, quer por resultado de uma cisão de setores de atividade, os direitos e obrigações das sociedades incorporadas/cindidas se transmitem para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade aquando do registo da operação.
Adicionalmente entendeu o Tribunal que, apesar de não existir uma disposição legal a exigir uma comunicação prévia à Administração Tributária ou autorização por parte desta sobre a transmissão de tais direitos e obrigações, esse foi o entendimento versado em diversas orientações e informações vinculativas da Administração Tributária.
Prosseguiu o Tribunal, aderindo integralmente à posição vertida na decisão arbitral n.º 77/2024-T, cuja fundamentação é, no seu entendimento, totalmente aplicável ao caso concreto, e no âmbito da qual, o Tribunal entendeu o seguinte:
“[o] artigo 3.º, n.º 4 do Código do IVA não exclui a sua aplicação a operações de fusão-cisão entre sujeitos passivos mistos, como é o caso. E também não exige comunicação prévia à AT, sem prejuízo de a mesma ser recomendada, precisamente para evitar estes problemas derivados de assimetrias de informação. (…)
Mesmo que se entendesse que a aplicação do regime do art.º 3.º, n.º 4 do CIVA implica, in casu, a necessidade de apurar uma eventual regularização de imposto a favor do Estado na esfera do Requerente, a AT não o demonstra nem o fundamenta. (…) Ora, o afastamento tout court do direito à transmissão de créditos de IVA no âmbito de uma operação de fusão-cisão, efetuada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal e continuidade da atividade, e que pressupõe a transmissão de todas as obrigações, direitos e créditos existentes na esfera das entidades cindidas(incorporadas para a entidade incorporante, numa lógica de continuidade de negócio, é inadmissível, por contrário à lei e ao princípio da neutralidade fiscal em sede de IVA.”.
Assim, concluiu o Tribunal que a liquidação de IVA enferma de vícios de violação de lei (princípio da continuidade e da neutralidade inerentes às operações de fusões-cisões e do princípio do inquisitório, e falta de fundamentação, o que justifica a sua anulação
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral considerou totalmente procedente o pedido formulado pela Requerente, determinando, em consequência, a anulação da liquidação adicional de IVA e dos juros moratórios , condenando a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.
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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Maria Antónia Silva
Marta Arnaut Pombeiro
Raquel Tomé Castelo