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Súmula de Jurisprudência Fiscal Arbitral (3º Trimestre de 2024)

18 Outubro 2024
Súmula de Jurisprudência Fiscal Arbitral (3º Trimestre de 2024)
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Súmula de Jurisprudência Fiscal Arbitral (3º Trimestre de 2024)

18 Outubro 2024

A presente informação fiscal apresenta uma síntese trimestral das principais decisões proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em matéria tributária, analisando o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, com referência ao 3º trimestre de 2024.

1.
NÚMERO DO PROCESSO: 43/2024-T
DATA: 24 de julho de 2024
ASSUNTO: IRC – Fundos de Pensões – Retenções na Fonte – Discriminação e Violação da Livre Circulação de Capitais

A REQUERENTE apresentou um Pedido de Pronúncia Arbitral, na sequência da formação de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa previamente apresentado junto da Administração Tributária, tendo em vista a declaração da ilegalidade de atos de retenção na fonte do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), referentes a 2019, 2020 e 2021, mais especificamente ilegalidade no que respeita ao montante total de IRC retido em excesso de € 89.416,88.

FACTOS:

A REQUERENTE é uma entidade que opera como um Fundo de Pensões, com sede e direção efetiva em Espanha, que é administrado por um Banco, sediado em Espanha, e que tem por objeto social a cobertura de várias contingências para os seus participantes/beneficiários (trabalhadores do Banco), designadamente reforma, doença e morte.

No decurso dos períodos de tributação de 2019, 2020 e 2021 foram colocados à disposição da REQUERENTE lucros distribuídos por diversas entidades residentes para efeitos fiscais em território português, no montante total de € 596.112,48, sobre os quais incidiu IRC, liquidado e cobrado a título definitivo, através do mecanismo de retenção na fonte efetuado pelo Banco, atuando na qualidade de substituto tributário.

De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 e no n.º 7 do artigo 94.º do Código do IRC, os dividendos distribuídos são sujeitos a uma retenção na fonte em sede de IRC, à taxa de 25%, contudo, o Acordo para evitar Dupla Tributação (ADT) celebrado entre Portugal e Espanha prevê uma taxa reduzida de retenção na fonte de 15%, a aplicar aos dividendos obtidos em Portugal por uma entidade espanhola, desde que cumpridos os requisitos nele previstos.

Com efeito, no caso concreto, os dividendos foram retidos na fonte à taxa de 15% em consonância com o disposto no ADT celebrado entre Portugal e Espanha.

Não se conformando, a REQUERENTE apresentou um pedido de revisão oficiosa contra os atos de retenção na fonte de IRC, o qual não foi objeto de decisão por parte da Administração Tributária, resultando na formação de presunção de indeferimento tácito para efeitos de recurso aos tribunais, à qual se seguiu a apresentação do competente Pedido de Pronúncia Arbitral.

Por um lado, a REQUERENTE entende que os rendimentos provenientes do recebimento de dividendos por parte de entidades residentes para efeitos fiscais em território nacional a si própria distribuídos devem estar isentos de IRC, por força das disposições previstas no n.º 7 do artigo 16.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, por outro lado, a Administração Tributária entende que não foi feita prova de que a REQUERENTE cumpria os requisitos legais para beneficiar da referida isenção.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada, o Tribunal identificou como questão de mérito da causa averiguar a existência de “compatibilidade do direito interno com o Direito da União Europeia, especialmente com a liberdade de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE, do regime de tributação diferenciado que o artigo 16.º do EBF estabelece para os dividendos de fonte portuguesa auferidos por Fundos de pensões constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional, por comparação com os mesmos dividendos quando recebidos por fundos de pensões constituídos noutro Estado Membro, com observância dos requisitos da Diretiva 2003/41/CE.”.

O Tribunal começa por referir que “[o] problema jurídico equacionado foi objeto de pronúncia recente do Tribunal de Justiça, no acórdão de 17 de março de 2022, proferido no processo de reenvio prejudicial C-545/19, numa situação factual com características essenciais idênticas às dos presentes autos, mas com aplicação para Organismos de Investimento Coletivo, suscitada pelo Tribunal Arbitral Tributário constituído no CAAD (processo n.º 93/2019-T), sob aplicação do mesmo enquadramento legislativo.”.

De seguida o Tribunal Arbitral segue o mesmo entendimento do mencionado Acórdão do TJUE, nos termos do qual foi referido que “[a]o proceder a uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos nos OIC não residentes e ao reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção dessa retenção na fonte, a legislação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes.”.

Adicionalmente, o Tribunal concluiu que, no caso em análise, tal como no caso que foi apreciado pelo TJUE, as situações são objetivamente comparáveis e que o tratamento diferenciado dado a essas situações não foi justificado por uma razão imperiosa de interesse geral.

Assim, o Tribunal Arbitral concluiu estar em concordância com os argumentos invocados pela REQUERENTE, quanto à verificação dos requisitos que permitem que os rendimentos auferidos por Fundos de Pensões e equiparáveis se encontrem isentos de IRC, exigidos pelo n.º 7 do artigo 16.º do EBF,

Em primeiro lugar, e quanto ao requisito previsto na alínea a) do n.º 7 do artigo 16.º do EBF, segundo o qual os mencionados rendimentos auferidos por fundos de pensões têm de garantir exclusivamente o pagamento de prestações de reforma por velhice ou invalidez, sobrevivência, pré-reforma ou reforma antecipada, benefícios de saúde pós-emprego e, quando complementares e acessórios destas prestações, a atribuição de subsídios por morte, o Tribunal Arbitral entendeu que conforme decorre da prova documental junta aos autos “(…) o Requerente é uma Entidad de Previsión Social Voluntaria que atua de acordo com o disposto na legislação espanhola aplicável aos Fundos de Pensões consubstanciado uma Instituição de Realização de Planos de Pensões Profissionais (“IRPPP”)”.

Acrescentou, ainda, o Tribunal Arbitral que “ (…) este tipo de entidades são instituições sem fins lucrativos, que desenvolvem uma atividade de previdência destinada a conceder a cobertura correspondente a favor dos seus membros e beneficiários ordinários, para as contingências previstas na referida Lei. Adicionalmente, conforme decorre dos seus estatutos, o objeto social do Requerente consiste em satisfazer as prestações de reforma, doença e morte dos seus participantes/beneficiários. Por fim, refira-se que a sua supervisão se encontra incumbida ao Governo do País Basco, razão pela qual é impossível obter uma declaração da entidade supervisora a atestar a natureza do Requerente como uma

Entidad de Previsión Social Voluntaria que atua como um Fundo de Pensões.”, concluindo que o primeiro requisito de que depende a aplicação da isenção prevista no artigo 16.º do EBF se encontrava preenchido.

Quanto ao segundo requisito, previsto na alínea b) do n.º 7 do artigo 16.º do EBF, segundo o qual os rendimentos auferidos por Fundos de Pensões devem ser geridos por instituições de realização de planos de pensões profissionais às quais seja aplicável a Diretiva n.º 2003/41/CE, o Tribunal concluiu que, uma vez que a REQUERENTE é uma Entidad de Previsión Social Voluntária que atua de acordo com o disposto na legislação espanhola aplicável aos Fundos de Pensões consubstanciando uma IRPPP e, tendo essa legislação resultado da transposição da Direção n.º 2003/41/CE, “também no certificado emitido pela própria Requerente é feita prova do cumprimento com a Diretiva em questão”, encontrando-se, por esse motivo, igualmente preenchido este requisito.

Por último, quanto ao requisito previsto na alínea c) do n.º 7 do artigo 16.º do EBF, nos termos do qual é exigido que o fundo de pensões seja o beneficiário efetivo de tais rendimentos, o Tribunal Arbitral entendeu que esse era precisamente o caso da REQUERENTE conforme resulta de declaração junta pela mesma, concluindo que “[s]endo o Requerente capaz de comprovar, por outros meios, e conforme já foi sendo argumentado nesta decisão, que é o beneficiário efetivo dos dividendos que lhe foram distribuídos por parte das entidades residentes para efeitos fiscais em território português, o direito à aplicação da isenção não lhe poderá ser negado.”.

Por fim, no que respeita aos juros indemnizatórios, o Tribunal Arbitral constatou que, no caso concreto, o enquadramento dos juros indemnizatórios só tem cabimento na alínea d) do n.º 3 do citado artigo 43.º da LGT, o qual prevê o respetivo pagamento “[e]m caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”, devendo, no entendimento do mesmo Tribunal, considerar-se também abrangida pela previsão dessa alínea a violação do Direito da União Europeia “quer por força do princípio da equivalência e do primado, quer do disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição.”.

Em face de todo o exposto, o Tribunal Arbitral decidiu julgar procedente o pedido de anulação dos atos tributários de retenção na fonte de IRC referentes aos anos de 2019, 2020 e 2021, no que respeita ao montante total retido em excesso de €89.416,88 e, em consequência, determinou a devolução desse montante, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

2.
NÚMERO DO PROCESSO: 946/2023
DATA: 19 de agosto de 2024
ASSUNTO: IVA – Taxa reduzida – Empreitada de Reabilitação Urbana

A REQUERENTE apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa emitida pela Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, bem como dos atos tributários de autoliquidação de IVA que lhe estão subjacentes, referentes aos anos de 2019 e 2020, no montante total e €238.188,44.

FACTOS:

A REQUERENTE é um Fundo de Investimento imobiliário fechado, cuja atividade principal consiste na compra e venda e no arrendamento de imóveis, e, em matéria de IVA, encontrava-se, à data dos factos, enquadrado no regime normal com periodicidade trimestral, com exceção do ano 2020, em que esteve enquadrado no regime normal com periodicidade mensal, realizando operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem direito à dedução.

A REQUERENTE é proprietário de um prédio urbano, inserido na Área de Reabilitação Urbana, facto este que foi reconhecido pela Divisão de Gestão Urbanística e Obras da Câmara Municipal do Entroncamento.
No âmbito da sua atividade, a REQUERENTE promoveu uma empreitada de Reabilitação Urbana sobre um imóvel, cuja execução foi contratualizada com uma sociedade, por contrapartida de um preço a pagar pelo REQUERENTE.
O projeto de reabilitação foi objeto de apreciação por parte da Câmara Municipal do Entroncamento, tendo a mesma emitido os Alvarás de Licenciamento de Obras de Construção de Edifico.

A REQUERENTE suportou com esta empreitada IVA à taxa normal de 23%, no valor global de € 322.254,95, contudo, após uma análise detalhada ao enquadramento aplicável no caso concreto, a REQUERENTE concluiu que esta empreitada de reabilitação urbana poderia ser, efetivamente, sujeita à taxa reduzida de IVA (6%), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IVA e da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA.

Por esse motivo, a REQUERENTE solicitou junto da Administração Tributária a confirmação sobre a possibilidade de aplicação da taxa reduzida de IVA aos bens e serviços por si adquiridos no âmbito desta empreitada de reabilitação urbana, tendo a AT, nessa sequência, prestado Informação vinculativa, nos termos da qual determinou a inaplicabilidade da taxa reduzida de IVA ao caso concreto por, alegadamente, não se encontrarem verificados os requisitos legais para a caracterização da empreitada em causa enquanto empreitada de reabilitação urbana.

Com efeito, não obstante a REQUERENTe ter aplicado a taxa reduzida de IVA aos serviços prestados ao empreiteiro e ter apresentado as autoliquidações de IVA de 2019 e 2020 em conformidade, apresentou os Pedidos de revisão oficiosa das referidas autoliquidações.

Na sequência do indeferimento dos Pedidos de Revisão Oficiosa apresentados, a REQUERENTE apresentou o competente Pedido de Pronúncia Arbitral.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada, o Tribunal identificou como questão de mérito da causa averiguar se os gastos declarados pela Requerente e que foram alvo de correção por parte da Requerida, cumprem os requisitos previstos no artigo 23.º do Código do IRC, mais concretamente, se os gastos inerentes a atividade agrícola, os relacionados com a prestação de serviços jurídicos e aqueles relacionados com depreciação de amortização de ativos fixos tangíveis foram incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC e, consequentemente se são gastos válidos para efeitos de IVA.

O Tribunal iniciou a sua exposição analisando sobre quem recaía o ónus da prova, referindo que no caso em análise competia à Requerente o ónus da prova dos factos inscritos na sua declaração de rendimentos relativos ao ano de 2019, isto é, provar que os gastos foram incorridos no interesse da empresa, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, e apresentar as faturas e documentos que os suportam, cumprindo, assim, os requisitos para o direito de dedutibilidade do artigo 19.º do Código do IVA.

Com efeito, concluiu o mesmo Tribunal que “(…) de acordo com a matéria de facto consignada como provada, por via da prova documental e testemunhal, ficaram demonstrados os rendimentos, bem como os gastos incorridos no interesse da empresa, e as faturas e documentos que os suportam para efeitos do direito de dedutibilidade do artigo 19.º do CIVA.”.

De seguida, e após fazer menção a vários entendimentos vertidos em jurisprudência e doutrina, entendeu o Tribunal que “(…) a não dedutibilidade de um gasto para efeitos fiscais terá de passar no teste da «motivação», sendo que para efeitos de consideração da referida não dedutibilidade «tem de ser visível e identificável o interesse fiscal específico que se visa acautelar. Ora se esta exigência recai sobre o legislador, mais se justifica que na tarefa de aplicação do preceito ao caso concreto o julgador tenha presente que está a aplicar uma norma que constitui uma exceção à regra geral de identidade conceptual entre custos contabilísticos e custos fiscais».”.

O Tribunal acrescentou, ainda, que “[o] artigo 23.º-A do Código do IRC tem funcionado como uma espécie de cláusula geral antiabuso invertida, na medida em que não se exige à Administração Tributária um concreto dever de fundamentação quanto à exclusão de dedutibilidade de um determinado gasto para efeitos de apuramento do lucro tributável, que de resto deve pautar toda a sua atuação.”.

Assim, concluiu que “(…) da análise efetuada aos factos apresentados, e atentos os requisitos de aplicação do artigo 23.º do Código do IRC, os gastos foram incorridos no interesse da empresa, sendo manifesta a sua adequação atendendo à regular prossecução do objeto societário (e, portanto, à atividade económica desenvolvida pela Requerente), não tendo ficado comprovada qualquer outra motivação.”.

Quanto às correções efetuadas em sede de IVA, referiu o Tribunal que “(…) o artigo 19.º, n.º 2 do CIVA (na linha do artigo 178.º, n.º 1, da Diretiva n.º 2006/112/CE), assegura o direito à dedução desde que o imposto seja mencionado em faturas passadas em forma legal, em nome e na posse do sujeito passivo.”, concluindo que, “[n]ao tendo a AT questionado os valores indicados de IVA e, não tendo sido invocada a falta de requisitos das faturas, em sede do RIT, bem como nestes autos, não se vê motivo atendível para recusar o direito à dedução.”.

Por último, no que concerne aos juros indemnizatórios peticionados pela Requerente, entendeu o Tribunal que “[n]a sequência da anulação do ato de liquidação de IRC e IVA tem a Requerente direito a ser reembolsada da quantia paga peticionada, no valor de €32.862,56 como consequência da anulação total do ato de liquidação de IRC e anulação parcial do ato de liquidação de IVA, e a juros compensatórios nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, desde a data de pagamento do imposto até ao integral pagamento.”.

Em face do que antecede, o Tribunal Arbitral decidiu declarar a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRC e juros compensatórios, referente ao período de 2019, no montante total de 14.055.18€ e, ainda, declarar a ilegalidade parcial e consequente anulação parcial do ato tributário de liquidação em sede de IVA e juros compensatórios referentes aos períodos de IVA do ano de 2019, no montante de €18.807,38.

3.
NÚMERO DO PROCESSO: 71/2024-T
DATA: 19 de setembro de 2024
ASSUNTO: Preços de Transferência – Princípio de Plena Concorrência

A REQUERENTE apresentou um Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista a anulação da liquidação adicional de IRC e respetiva liquidação de juros compensatórios, relativas ao período de 2019, no valor de € 8.702,88.

FACTOS:

A REQUERENTE é uma sociedade comercial, sediada em território português, que disponibiliza um vasto conjunto de serviços customizados nos domínios da consultoria e desenvolvimento tecnológico e teste de performance e scalability, encontrando-se fiscalmente enquadrada, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal e, em sede de IRC, no regime geral de tributação.

Em julho de 2018, a REQUERENTE foi transformada em sociedade anónima, passando a ser controlada por uma outra sociedade, sediada no Reino Unido e detentora, em Portugal, de número de identificação de pessoa coletiva não residente.

Ora, a REQUERENTE presta os seus serviços num contexto de intra-grupo, sendo que os seus acionistas optaram por concentrar em si toda a atividade de business development no mercado inglês, cabendo-lhe a execução dos projetos de desenvolvimento e operacionalização das soluções solicitadas pelo cliente final, de acordo com o caderno de encargos previamente aprovado entre as partes envolvidas.

Importa referir que, no cálculo do preço de transferência das operações realizadas, foi utilizado, para cumprimento do princípio da Plena concorrência, o Método de Margem Líquida da Operação (“transactional net margin method”), o qual tem em consideração a estrutura global dos rendimentos e gastos da Empresa, considerando quer os custos diretos incorridos na sua atividade, quer os custos indiretos e outras despesas operacionais.

Na sequência de uma ação de inspeção tributária, a REQUERENTE foi notificada da liquidação adicional de IRC, relativa ao período de 2019, no montante de €8.702,88.
Inconformada com a liquidação e, não obstante a REQUERENTE ter efetuado o respetivo pagamento do montante acima mencionado, apresentou o competente Pedido de Pronúncia Arbitral.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão de mérito averiguar se as correções efetuadas pela Administração Tributária, e que resultaram na liquidação adicional de IRC mencionada, têm cabimento no regime jurídico dos Preços de Transferência e no Princípio da Plena Concorrência.

Para responder à questão, o Tribunal Arbitral refere que “[n]o caso em apreço, a Requerente por ser controlada societariamente totalmente pela B… e por quase a totalidade das prestações de serviços (99%) estar direcionada para entidades relacionadas, está sujeita ao regime legal do artigo 63.º do CIRC. Assim, nas operações vinculadas (99% das prestações de serviços efetuadas a partes relacionadas), a validação do cumprimento do Princípio da Plena Concorrência determina que a Requerente tivesse de selecionar para efeitos de comparabilidade, um dos métodos previstos no n.º 3 do artigo 63.º do CIRC.”.

Acrescenta, ainda que, “[c]onforme Dossier de Preços de Transferência da Requerida foi selecionado o Método da Margem Liquida de Operação (…) que foi aceite pela Requerida, não sendo facto ou matéria controvertida.”.

Prossegue o Tribunal referindo que a Administração Tributária “em sede de Dossier de Preços de Transferência, efetuou um estudo de compatibilidade a um universo alargado de empresas com atividade similares, de que resultou como conclusão para efeitos de margem de lucro liquido de operações similares por entidades independentes, margens de plena concorrência situadas entre um mínimo de 3,4% e valor máximo de 13%. Amostra, e valores de margem liquida de operação, não contestados pela Requerida em sede de RIT, não sendo assim matéria controvertida. Por sua vez a Requerente apresenta, no Dossier de Preços de Transferência para o período de tributação de 2019 uma margem sobre gastos operacionais de 4,1%. Margem de 4,1% que como reconhece a Requerida no RIT (RIT, página 11) esta dentro da margem de plena concorrência, situada entre o mínimo e o primeiro quartil. Reforça-se que a Requerida em sede de RIT não contestou o estudo do intervalo de plena concorrência, considerando-o assim, como critério adequado de compatibilidade para efeitos da valoração do Princípio de Plena Concorrência.”.

No entendimento do Tribunal, competia à Administração Tributária o ónus da prova que os valores declarados pela REQUERENTE não traduzem o preço que cumpra o Princípio da Plena Concorrência, previsto no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC, efetuado sob um parâmetro de especial fundamentação nos termos do artigo 77.º Lei Geral Tributária, tendo para o efeito aderido à posição do Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 0766/11.2BEAVR, de 12 de maio de 2021.

Assim, o Tribunal entende que, uma vez que a Administração Tributária não contestou, em sede de Relatório de Inspeção Tributária, o intervalo de margens de plena concorrência identificado no Dossier de Preços de Transferência, com valor máximo de 3,4 e valor máximo de 13%, não pode vir efetuar correções quando a REQUERENTE apresenta uma margem liquida de operações em 2019 dentro desse intervalo (de 4.1%), concluindo, a esse propósito, que “[t]endo a liquidação em crise como pressuposto, a aplicabilidade à Requerente do artigo 63.º, n.º 8 do CIRC, esta enferma de vício de violação de lei, por errónea interpretação e aplicação da referida norma legal.”.

No que concerne ao pedido de juros indemnizatórios, o Tribunal concluiu que, verificando-se, no caso concreto, que houve erro imputável aos serviços que resultou em pagamento de imposto em montante superior ao devido, deve ser julgado procedente o pedido do pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento das liquidações de imposto anuladas até à data de emissão da nota de crédito.

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral determinou a anulação da liquidação adicional de IRC, relativa ao período de 2019, assim como a liquidação de juros compensatórios, condenando, por fim, a Administração Tributária a restituir à REQUERENTE o valor do imposto indevidamente pago, acrescido dos juros indemnizatórios.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freita
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo

 

 

 

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