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Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (3.º Trimestre de 2022)

01 Fevereiro 2023
Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral  (3.º Trimestre de 2022)
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Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (3.º Trimestre de 2022)

01 Fevereiro 2023

SUMÁRIO:

A presente Informação Fiscal apresenta uma síntese trimestral das principais decisões proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em matéria tributária, analisando o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter.

Esta Informação tem por referência o 3.º Trimestre de 2022, em que salientamos, as seguintes decisões:

1.
NÚMERO DO PROCESSO: 293/2021-T
DATA: 14 de julho de 2022
ASSUNTO: IRC – RFAI – atividades de produção de filmes, vídeos e programas de televisão – ónus de prova.

A Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à anulação dos atos de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referentes aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 e, bem assim, à condenação da Administração tributária ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de Juros Indemnizatórios.

FACTOS

A Requerente é uma sociedade que se dedica como atividade principal ao aluguer de outras máquinas e equipamentos.

Contudo, em 2015, a Requerente acrescentou como atividades secundárias a atividade de representação nos meios de comunicação, a produção de filmes, de vídeos e de programas de televisão e a projeção de filmes e de vídeos.

No exercício de 2015, a Requerente efetuou, no âmbito da sua atividade secundária de “produção de filmes, de vídeos e programas de televisão”, um investimento para aquisição de equipamento, nomeadamente painéis Led, estruturas de suporte a painéis, computadores, monitores, teclados e cablagens, o qual originou a criação de postos de trabalho.

Neste sentido, nos exercícios de 2016, 2017 e 2018, a Requerente deduziu à coleta de IRC, a título de benefícios fiscais, determinados valores, ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”).

Em 2020, a Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção tributária interna aos exercícios de 2016, 2017 e 2018, no qual a Administração tributária determinou correções ao imposto devido pela Requerente, por não aceitar as deduções à coleta feitas ao abrigo do RFAI.

Face às correções decorrentes do Relatório Final de Inspeção tributária, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação adicionais de IRC, referente aos exercícios de 2016, 2017 e 2018.

Não se conformando com os atos de liquidação, a Requerente apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral contra os mencionados atos.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão controvertida saber se as atividades de “Produção de filmes, de vídeo e de programas de televisão” e de “Projeção de Filmes e de vídeos” se encontram no âmbito de aplicação do RFAI e, consequentemente, saber se os investimentos realizados pela Requerente no contexto de tais atividade podem ou não ser relevados como deduções à coleta em sede de IRC.

Neste sentido, o Tribunal começou por referir que o RFAI “(…) visa promover e desenvolver uma atividade num sector específico, mediante investimentos feitos por sujeitos passivos de IRC, em ativos fixos tangíveis e intangíveis, e que esses resultem e criem postos de trabalhos (alínea f) n.4 do artigo 22.º), e aumentem a capacidade produtiva.”

Mais refere que o RFAI se encontra sujeito às condições de elegibilidade, nomeadamente, condições subjetivas referentes aos promotores do investimento e condições objetivas referentes ao investimento efetuado.

Assim, considerou o Tribunal ser necessário, primeiramente, determinar a quem competia o ónus de prova do cumprimento dos requisitos inerentes aos benefícios fiscais.

Em suma, refere o Tribunal, com base na legislação e na jurisprudência, que “(…) impende sobre a Requerida, o ónus da prova sobre a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) legitimadores da sua atuação, e, sobre a Requerente, a prova dos factos por si invocados respeitantes aos benefícios fiscais que deseja beneficiar, em concreto as condições de acesso, a natureza e finalidade dos investimentos, projetos e produção realizada e respetiva comprovação dos mesmos.” .

Concluindo, assim, que compete aos sujeitos passivos, neste caso à Requerente, demonstrar a existência do efeito de incentivo através de informações relativas ao cenário contra factual, designadamente no que se refere ao investimento, financiamento, demonstração de resultados e demais elementos.

Assim, definida a quem cabe a competência do ónus da prova do cumprimento dos requisitos inerentes aos benefícios fiscais, o Tribunal prosseguiu para a análise da questão de mérito.

No entender da Administração tributária, a Requerente não conseguiu efetivamente demonstrar que exerceu a atividade elegível para efeitos do benefício fiscal RFAI e, por isso, não tinha direito à dedução à coleta do referido benefício fiscal para os exercícios de 2016, 2017 e 2018.

Neste sentido, o Tribunal começa por referir que “(…) para beneficiar dos incentivos no RFAI, é necessário que a atividade da Requerente se enquadre no âmbito sectorial de aplicação das orientações relativas aos auxílios do n.º 2 do CIF e, subsidiariamente, tenha um dos CAE previsto na Portaria.”.

Com efeito, considerou o Tribunal que a atividade de “aluguer de máquinas e outros equipamentos” e a “atividade de representação nos meios de comunicação” registadas pela Requerente, efetivamente não estão definidas como atividades elegíveis para efeitos de benefício fiscal ao abrigo do RFAI.

Contudo, relativamente às atividades “produção de filmes, de vídeos, e de programação de televisão” e de “projeção de filmes e de vídeos”, considerou o Tribunal que as mesmas já se encontravam definidas como atividades elegíveis para efeitos de benefício fiscal ao abrigo do RFAI.

Perante este cenário, o Tribunal concluiu que a Requerente comprovou efetivamente o exercício das atividades indicadas e, consequentemente, o investimento realizado no efetivo exercício das mesmas.

Perante a prova documental apresentada pela Requerente, designadamente, os contratos celebrados e as faturas onde constam os valores faturados a título de campanhas publicitárias, abrangidas pelas atividades secundárias, concluiu o Tribunal pela procedência do pedido consubstanciado na verificação do erro sobre os pressupostos de facto e de direito subjacentes às liquidações objeto dos autos, devendo as mesmas ser anuladas.

Por fim quanto aos juros indemnizatórios, o Tribunal refere que, sendo os atos de liquidação oficiosa de IRC da inteira responsabilidade da Administração Tributária, encontram-se reunidos os pressupostos para a condenação da Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, desde a data do pagamento até à integral devolução à Requerente do imposto indevidamente pago.

2.
NÚMERO DO PROCESSO: 137/2022-T
DATA: 22 de julho de 2022
ASSUNTO: IVA – Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA

As Requerentes apresentaram Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade e anulação dos atos de autoliquidação de IVA relativos ao terceiro e quarto trimestres de 2019 e, bem assim, à condenação da Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios.

FACTOS

As Requerentes, pessoas coletivas de responsabilidade limitada com sede no Luxemburgo, eram as únicas sócias da Sociedade C…, Lda., sociedade de direito português, que tinha por objeto social, entre outras atividades, a “Compra, venda e revenda de imóveis adquiridos para o mesmo fim, a exploração de direitos similares aos de propriedade, a promoção imobiliária, a gestão e desenvolvimento de projetos e investimentos imobiliários e a gestão de imóveis próprios, a gestão de condomínios, o arrendamento e exploração de imóveis próprios e de empreendimentos imobiliários”.

Em 26 de julho de 2018, a Sociedade C…, Lda. adquiriu o prédio urbano afeto a serviços, correspondente a um edifício destinado a escritórios composto por dez pisos acima do solo e por dois pisos de estacionamento em cave, localizado na denominada Área de Reabilitação Urbana de Lisboa.

Em 3 de junho de 2019, a Sociedade C…, Lda. celebrou com a Sociedade D..., S.A., um Contrato de Empreitada relativo a Obras de alteração no interior do edifício e conservação da fachada. Em contrapartida da empreitada de reabilitação e conservação, a Sociedade C... Lda. pagou o respetivo preço, “acrescido de IVA à taxa legal em vigor”.

Todas as faturas emitidas pela Sociedade D... , S.A. tinham um valor de IVA igual a zero e a expressão “IVA autoliquidação” e tinham como descritivo “19050 ...- ...Lisboa - Execução de alteração no interior do edifício e conservação da fachada – Rua ..., Lisboa”.

Neste sentido, a Sociedade C... Lda. autoliquidou IVA à taxa normal de 23% sobre o preço da empreitada de reabilitação incluído nas faturas emitidas pela Sociedade D... S.A. no terceiro e quarto trimestres de 2019.

Neste sentido, em 23 de outubro de 2019 e 22 de janeiro de 2020, a Sociedade C... Lda. submeteu, respetivamente, as suas declarações periódicas de IVA relativas ao terceiro e quarto trimestre de 2019, nas quais foi apurado imposto a favor do Estado, resultante da aplicação da taxa de 23% para o efeito.

Posteriormente, as Requerentes apresentaram documentação adicional que permitiria à Administração tributária apurar quais os imóveis e as correspondentes faturas onde foi aplicada a taxa reduzida de IVA, por forma a realizar a correspondência, de forma total e equivalente, com a (auto)liquidação de IVA operada pela Sociedade C... Lda..

Em 16 de abril de 2020, a Sociedade C... Lda. apresentou Reclamação Graciosa, na qual peticionou a anulação dos atos de autoliquidação de IVA constantes das declarações periódicas relativas ao terceiro e ao quarto trimestres do ano de 2019, por incorreta aplicação da taxa normal de imposto de 23% em detrimento da taxa reduzida de 6%, prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.

Neste sentido, a Sociedade C... Lda. foi notificada do indeferimento da Reclamação Graciosa. Inconformada com o indeferimento da Reclamação Graciosa interpôs Recurso Hierárquico, que foi também indeferido.

Posteriormente, em 23 de dezembro de 2020, foi registado o encerramento da liquidação da Sociedade C... Lda., e, consequentemente, a extinção da sociedade.

Contudo, as Requerentes, enquanto sócias da Sociedade C… Lda, inconformadas com a Decisão final de indeferimento do Recurso Hierárquico apresentaram o presente Pedido de Pronúncia Arbitral com vista à anulação dos atos acima referidos.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada, o Tribunal destacou como questão decidenda analisar se a empreitada de reabilitação e conservação do edifício reunia as condições legais para que, sobre o seu valor total, fosse liquidado IVA à taxa reduzida de 6%, de harmonia com a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.

A verba 2.23 da Lista I Anexa ao CIVA dispõe que são sujeitas à taxa reduzida do imposto "as empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (...) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.".

Neste sentido, considerou o Tribunal que para aplicação desta verba é necessário que estejam reunidas as seguintes condições (i) estejamos perante “empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico” e que (ii) as empreitadas de reabilitação urbana estejam localizadas “em áreas de reabilitação urbana (...) delimitadas nos termos legais”.

Ora, relativamente ao conceito de “empreitada”, considerou o Tribunal que, inexistindo tal definição no ordenamento jurídico-fiscal, seria necessário recorrer a outros ramos de direito, designadamente ao artigo 1207.º do Código Civil, que define “empreitada” como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

Por outro lado, quanto à definição do conceito de “reabilitação urbana” considerou o Tribunal ser de chamar à colação o Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, que aprovou o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (“RJUE”). Contudo, após análise do conceito de “reabilitação urbana” previsto no RJUE, referiu o Tribunal que o conceito de “reabilitação urbana” era um conceito amplo e, portanto, quando confrontado com outros conceitos, como a “reabilitação de edifícios”, o conceito de “empreitada de reabilitação urbana”, previsto na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, poderia não ser incluído no conceito de “reabilitação urbana”, mas sim de “reabilitação de edifícios”.

Todavia, considerou o Tribunal que tal problema não se colocaria neste caso, uma vez que o legislador, na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, não considerou estas distinções de “reabilitação urbana” e “reabilitação de edifícios” para efeitos de aplicação da verba, mas sim as empreitadas de reabilitação urbana realizadas em imóveis localizados nas áreas de reabilitação urbana.

Assim, in casu, considerou o Tribunal que a Sociedade C... Lda. demonstrou ter celebrado com a Sociedade D... S.A., um Contrato de Empreitada relativo a obras de alteração no interior do edifício e conservação da fachada, pelo que, face à análise do conceito supra exposto, este contrato não pode deixar de ser qualificado como uma “empreitada de reabilitação urbana”, para efeitos do disposto na verba 2.23. da lista I anexa ao Código do IVA.

De seguida, relativamente ao segundo segmento da verba 2.23, isto é, saber se a empreitada de reabilitação urbana está localizada em área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais, considerou o Tribunal que, conforme ficou provado, o imóvel aqui em causa está localizado numa área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais, conforme o Aviso da Câmara Municipal de Lisboa e mapa obtido junto dos serviços camarários.

Já relativamente à questão suscitada pela Administração tributária, atinente à necessidade da prévia comunicação e respetiva aprovação de licenciamento pelo município ou entidade gestora (no âmbito de poderes delegados, de acordo com o disposto no RJUE) para efeitos de aplicação da taxa reduzida (6%), considerou o Tribunal que tal alegação feita pela Administração tributária era considerada como uma inferência ou uma dedução, que não se encontra suportada na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, pois caso assim fosse estaríamos perante uma violação do princípio da legalidade tributária, maxime da tipicidade tributária.

Por outro lado, quanto à questão da necessidade de verificação dos pressupostos para emissão de fatura, designadamente, a falta de indicação do dono da obra e da área de reabilitação urbana onde se localiza e a referência à denominação usual dos serviços prestados com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável, entendeu o Tribunal que “(…) a fatura devidamente emitida tem sido classificada como «título de acesso» ao direito à dedução, dado que tem uma «função de seguro» para autoridade tributária nacional ao estabelecer um nexo de dedução do imposto pago a montante e o pagamento de imposto»”.

Neste sentido, refere o Tribunal que “A expressão «quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com a especificação dos bens necessários à determinação da taxa aplicável» tem como finalidade permitir quer ao cliente quer à Administração tributária controlarem se a taxa incidente sobre o valor tributável é a correta.”

E, desse modo, concluiu o Tribunal que a apresentação da documentação adicional entregue pelas Requerentes à Administração Tributária permitiu apurar quais os imóveis e as correspondentes faturas onde foi aplicada a taxa reduzida de IVA, por forma a realizar a correspondência, de forma total e equivalente, com a (auto)liquidação de IVA operada pela Sociedade C… Lda e que o descritivo “19050….-Lisboa-Execução de alteração no interior do edifício e conservação da fachada – Rua …, Lisboa” permite à Administração tributária perceber, de forma clara e inequívoca, que titulam uma empreitada contratada pelo sujeito passivo de IVA à entidade emissora das mesmas, que envolveu intervenções de alteração no interior e de conservação no exterior do edifício.

Deste modo, o Tribunal julgou procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, declarando a ilegalidade e a consequente anulação dos despachos de indeferimento do recurso hierárquico e, bem assim, da reclamação graciosa, os quais incidiram sobre a legalidade dos atos de autoliquidação de IVA supra identificados.

Por fim, relativamente ao pedido das Requerentes de condenação da Administração Tributária, no pagamento de juros indemnizatórios, concluiu o Tribunal que, tendo o erro nas (auto)liquidações de IVA sido da parte do contribuinte, e não da Administração tributária, não se encontram preenchidos os pressupostos para a condenação no pagamento dos juros indemnizatórios.

3.
NÚMERO DO PROCESSO: 293/2021-T
DATA: 14 de julho de 2022
ASSUNTO: Imposto do Selo – Taxa Multilateral de Intercâmbio e Comissões Interbancárias por utilização de ATM’s – Sucessão da lei no tempo – Art. 3.º, n.º 3, al. h) do CIS e verba 17.3.4 da TGIS.

O Requerente apresentou Pedido de Pronúncia de Arbitral, com vista à obtenção da anulação parcial do ato de liquidação de Imposto de Selo (“IS”) e dos correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios com referência ao ano de 2017 e, bem assim, à condenação da Administração Tributária ao pagamento de uma indemnização por prestação de garantia indevida.

FACTOS

O Requerente, Banco A… S.A., é uma instituição de crédito que se dedica à atividade de comércio bancário, tendo por objeto a concessão de crédito, conceção, emissão e comercialização de cartões de pagamento e outros serviços especializados, e é credor de comissões e outras contraprestações.

O Requerente, enquanto sujeito passivo de IS, encontrava-se responsável pela cobrança, receção e entrega nos cofres do Estado das importâncias devidas pelas operações sujeitas, e não isentas, em que intervinha.

No âmbito da sua atividade, o Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo ao período de tributação de 2017, de âmbito parcial, abrangendo o IRC e o IS, no qual a Administração tributária determinou correções em sede de IRC e de IS.

Posteriormente, e em conformidade com o Relatório final de Inspeção, o Requerente veio a ser notificado dos atos de liquidação de IS e dos correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios.  

Inconformado com os atos de liquidação, o Requerente apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral contra os mencionados atos.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal começou por se pronunciar quanto à responsabilidade do Requerente pela liquidação do IS entre 1 de janeiro e 23 de maio de 2017 (data da entrada em vigor da alteração introduzida pela Lei n.º 22/2017, de 23 de maio, à alínea h) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS), uma vez que o Requerente considera que só poderia ser responsável pela cobrança do imposto respeitante a operações de pagamento baseadas em cartões a partir da entrada em vigor da referida Lei, ou seja, a partir de 24 de maio de 2017.

Neste sentido, o Tribunal entendeu que, contrariamente ao preconizado pelo Requerente, esta alteração legislativa não tem o alcance de definir ou alterar a incidência subjetiva do IS, nem a entidade que está adstrita à obrigação de liquidação e cobrança do mesmo, que emergem das normas de incidência, liquidação e cobrança previstas no Código.

Assim, considerou o Tribunal, com base nas Decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 433/2020-T, de 13 de janeiro de 2021 e n.º 763/2020-T, de 15 de setembro de 2021, que, independentemente da titularidade do interesse económico da operação e de sobre quem deve recair o encargo do IS, é o Requerente o sujeito passivo sobre quem recai o ónus de liquidar e pagar o imposto decorrente da verba 17.3.4 da TGIS, e não os clientes titulares dos cartões ou os comerciantes.

Acrescentou, ainda, o Tribunal, que, no caso vertente, nem estamos perante uma situação jurídica de substituição tributária, uma vez que a liquidação de IS não foi exigida a pessoa diferente do contribuinte, mas sim à entidade que, por lei, foi designada como o sujeito passivo originário.

Nestes termos, o Tribunal julgou improcedente o argumento de inexistência de responsabilidade na esfera do Requerente quanto ao IS incidente sobre as comissões e contraprestações cobradas entre 1 de janeiro e 23 de maio de 2017.

Quanto à incidência de IS sobre a TMI e sobre as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s, entende o Requerente que a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s se encontram excluídas do âmbito de incidência do IS, uma vez que não constituem uma contraprestação de serviços financeiros, mas, antes, a mera repartição ou partilha de custos suportados pelas diversas instituições envolvidas nas operações.

Contudo, considerou o Tribunal que os argumentos invocados pelo Requerente neste âmbito improcedem, uma vez que, apesar “(..) de os Bancos incorrerem, a montante, em custos, tais como os inerentes aos serviços de plataformas tecnológicas e às marcas dos cartões bancários, não afasta, nem é incompatível, com a prestação de serviços financeiros que, pelo contrário, em regra postula existirem diversos encargos incorridos para a sua realização.” -.

Assim, atenta a redação da verba 17.3.4, a sujeição a IS está dependente da cobrança de “comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, pelo que concluiu o Tribunal que, quer a TMI, quer as comissões de utilização de ATM’s, estavam sujeitas a IS, nos termos da verba 17.3.4 da TGIS, na redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

Confirmando-se a incidência, em sede de IS, das TMI e das comissões de utilização de ATM’s, o Tribunal prossegue a sua análise quanto à determinação da respetiva base tributável, no sentido de averiguar, em concreto, se se deve ter em consideração o valor total das comissões e taxas recebidas ou só o valor líquido compensado.

Neste sentido, considera o Requerente que, relativamente ao TMI, “(…) apenas o montante líquido poderia receber a qualificação de comissão, e não como fez a Requerida o montante bruto, ignorando desta forma a natureza/funções de reequilíbrio daquela taxa na repartição dos custos nas relações interbancárias”.

Contudo, o Tribunal, em linha com o decidido nos processos arbitrais n.ºs 433/2020-T e 763/2020-T, considera que não existe suporte textual para aplicar a taxa de imposto [4%] apenas à compensação líquida que o Requerente aufere com as comissões recebidas “depois de saldados os diversos feixes de taxa multilateral de intercâmbio entre os diversos bancos”. Entende-se, assim, que a contraprestação acordada integra a TMI, deve, nesse sentido, ser sujeita a tributação integral.

Já quanto à fundada dúvida, suscitada pelo Requerente, sobre o facto tributário, entendeu o Tribunal que, não resultam da prova produzida dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário, devendo, por essa razão, improceder o alegado vício.

Relativamente à inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva, argumenta o Requerente “(…) que na tributação nesta cédula das operações financeiras é necessária a existência de uma realidade económica de sustentação que se reconduza à tributação de “despesa” ou “consumo” de serviços financeiros, o que, na sua perspetiva, não se verifica, pelo menos no que se circunscreve ao elemento da compensação.” .

Todavia, entendeu, primeiramente, o Tribunal que o IS abrange realidades heterogéneas, e, portanto, preocupações de coerência sistemática não devem ser tidas em consideração quanto a este imposto, nem mesmo o facto de a tributação destas comissões não serem no âmbito do consumo, pois o âmbito de incidência objetiva do imposto não se restringe a este tipo de tributação, conforme se pode ver na decisão arbitral proferida no processo 433/2020-T, datada de 13 de janeiro de 2021.

Assim, relativamente à inconstitucionalidade por violação do princípio da capacidade contributiva, o Tribunal chama à colação, novamente, a Decisão arbitral n.º 433/2020-T, a qual considerou que “as TMI e as comissões não são materialmente inconstitucionais”, para concluir igualmente pela improcedência da inconstitucionalidade material por violação do princípio da capacidade contributiva alegada pelo Requerente.

Por fim, quanto ao erro de qualificação relativamente à cobrança de valor unitário inferior a €0,125, sustentou o Requerente “(…) que até ao montante de comissões no valor de € 0,1249 não ocorre sujeição a Imposto do Selo na medida em que, por força do arredondamento aplicável, o resultado aritmético corresponde a zero.”

Por outro lado, a Administração tributária “(…) contrapõe a ausência de suporte normativo para a regra de arredondamento e, além do mais, considera que as comissões não são apuradas individualmente, devendo ser consideradas conjuntamente/em bloco, por referência ao momento da respetiva cobrança.”

Neste sentido, considerou o Tribunal que, relativamente à regra de arredondamento, afigura-se que a mesma resulta de uma lei científica, de cariz matemático, não carecendo de suporte normativo específico.

Por outro lado, reconheceu o Tribunal que, quanto à contraprestação sobre a qual incide o IS, a verba 17.4.3 faz referência expressa a comissões e contraprestações por serviços financeiros, pelo que não é o conjunto das comissões/taxas que é sujeito a imposto, como defende a Administração tributária, mas cada comissão ou taxa cobrada, apesar de as comissões ou taxas poderem ser cobradas de forma conjunta numa base periódica, diária ou outra, nomeadamente dependente do fecho dos TPA’s operados pelos comerciantes.

Assim, concluiu o Tribunal que o IS foi indevidamente liquidado, independentemente da forma como as comissões e taxas foram faturados, uma vez que a norma de incidência não contempla qualquer exigência de faturação e de segregação específica para efeitos de determinação e apuramento de IS.

Em face do exposto, o Tribunal julgou parcialmente procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, anulando parcialmente a liquidação de Imposto de Selo referente ao ano de 2017.

Lisboa, 01 de fevereiro de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Braga Reigoto

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