Newsletters

Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (1.º Trimestre de 2023)

02 Outubro 2023
Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (1.º Trimestre de 2023)
Newsletters

Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (1.º Trimestre de 2023)

02 Outubro 2023

A presente informação Fiscal apresenta uma síntese trimestral das principais decisões proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em matéria tributária, analisando o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter e tem por referência ao 1º trimestre de 2023.

1.
NÚMERO DO PROCESSO: 298/2022-T
DATA: 2 de janeiro de 2023
ASSUNTO: IRC – Benefício fiscal por criação de emprego – Readmissão de trabalhadores.

A REQUERENTE apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à anulação das autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente aos exercícios de 2015 e 2016 e, bem assim, à condenação da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ao reembolso do montante indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

FACTOS
A REQUERENTE é uma sociedade anónima de direito português, que se encontra sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC.

No âmbito da sua atividade, a REQUERENTE contratou, nos exercícios de 2015 e 2016, diversos trabalhadores, incluindo jovens recém-formados, pelo que usufruiu do benefício fiscal previsto pela criação de emprego (artigo 19.º do Estatuto de Benefícios Fiscais), quanto a alguns trabalhadores.

Em 1 de janeiro de 2012, a trabalhadora B celebrou um contrato de trabalho com a REQUERENTE, tendo em 18 de dezembro de 2015 declarado a cessação do mesmo, com efeitos a 22 de dezembro de 2015, com dispensa de aviso prévio. Porém, em 2 de maio de 2016, a REQUERENTE celebrou novo contrato de trabalho com a trabalhadora B.

Em 1 de novembro de 2012, a trabalhadora C celebrou um contrato de trabalho com a REQUERENTE, tendo em 27 de março de 2015 declarado a cessação do mesmo, com efeitos a 15 de maio de 2015. Contudo, em 21 de agosto de 2015, a REQUERENTE celebrou novo contrato de trabalho com a trabalhadora C.

Ainda no dia 1 de novembro de 2012, o trabalhador D celebrou, também, um contrato de trabalho com a REQUERENTE, tendo em 28 de novembro de 2014 declarado a denuncia unilateral do mesmo, com efeitos a 30 de janeiro de 2015. Todavia, em 12 de janeiro de 2016, a REQUERENTE celebrou novo contrato de trabalho com o trabalhador D.

Por fim, em 1 de setembro de 2014, o trabalhador E celebrou um contrato de trabalho com a REQUERENTE, tendo em 30 de abril de 2015 declarado a sua rescisão com efeitos a 31 de maio de 2015. Contudo, em 1 de novembro de 2016 a REQUERENTE celebrou novo contrato de trabalho com o trabalhador E.

Em 25 de outubro de 2019, a Requerente apresentou um Pedido de Revisão Oficiosa contra o ato de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2015 e uma Reclamação Graciosa contra o ato de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2016.

Contudo, face às Decisões de Indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa e da Reclamação Graciosa, não se conformando com tais Decisões, a Requerente apresentou Recurso Hierárquicos, tendo, na sequência das Decisões de deferimento parciais dos Recursos Hierárquicos, apresentado o competente Pedido de Pronúncia Arbitral.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão decidenda averiguar se a REQUERENTE tem ou não direito ao benefício fiscal pela criação de novos postos de trabalho (artigo 19.º do EBF).
No entender da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, “(…) o art.º 19.º do EBF, tem por objetivo incentivar a criação de emprego resultante da criação de novos postos de trabalho, através da contratação por tempo indeterminado de jovens e desempregados de longa duração (…) é de concluir que uma empresa não pode celebrar com o mesmo trabalhador dois contratos de trabalho por tempo indeterminado cuja finalidade pretendido é o de usufruir do benefício fiscal num determinado período de tributação, alegando que no período de tributação em que ocorreu o primeiro contrato trabalho, não foi apurada criação líquida de posto de trabalho. Concluindo que o referido benefício fiscal não se poderia aplicar aos colaboradores B, C, D e E, uma vez que, quanto a estes, “Trata-se de uma criação de emprego fictícia e, portanto, afastada dos requisitos imposto no art.º 19.º do EBF, para a usufruição do benefício.”

Neste sentido, o Tribunal começou a sua análise pela transcrição do artigo 19.º do EBF, o qual considera que nos presentes autos tendo a REQUERENTE provado a celebração dos contrato de trabalho por tempo indeterminado com os trabalhadores nos períodos tributários em causa nos autos e não existindo no artigo 19.º do EBF, nem qualquer norma que preveja a exclusão do benefício fiscal nos casos em que os trabalhadores contratados tenham tido, no passado, relação laboral com a mesma empresa, não se vislumbra haver fundamentos legais para considerar que a REQUERENTE, quanto a estes trabalhadores, não tem direito ao benefício fiscal.

Já, relativamente à alegação de que “(…) uma empresa não pode celebrar com o mesmo trabalhador dois contratos de trabalho por tempo indeterminado cuja finalidade pretendida é o de usufruir do benefício fiscal num determinado período de tributação” e que “Trata-se de uma criação de emprego fictícia”, referiu o Tribunal que a Administração tributária não provou a alegada “finalidade” e nem sequer concretizou em que medida se teria tratado de uma criação de emprego “fictícia”.
Com efeito, referiu que “(..)para que a tese da Requerida tivesse um mínimo de sustentação, seria necessário alegar e demonstrar o fingimento ou a intenção fraudulenta dos contraentes na cessação dos primeiros contratos de trabalho e na futura celebração dos novos contratos de trabalho. Ora, a AT, não demonstrou e, em rigor, nem sequer concretizou suficientemente a sua alegação a este respeito, não tendo, ademais, lançado mão do artigo 38.º, n.º 2 da LGT e do procedimento previsto no art. 63.º do CPPT.”
Por último, acrescentou ainda o Tribunal que “(…) não obstante se possa admitir não ser tipicamente frequente que as partes num contrato de trabalho façam cessar o mesmo e que passado um período de tempo não muito longo, ou até relativamente curto, venha a celebrar um novo contrato de trabalho, tal não pode ser considerado, só por si, anormal ou eivado de finalidade abusiva, sobretudo, no caso dum sujeito passivo que, conforme documentado nos autos, procede a um elevado número de contratações de trabalhadores por conta de outrem.”

Quanto ao pedido dos juros indemnizatórios considerou o Tribunal que “(…) acompanhando o acórdão em causa, os juros indemnizatórios referentes ao pagamento indevido respeitante ao período tributário do exercício de 2016 são devidos a partir de 26 de fevereiro de 2020, uma vez que o indeferimento tácito ocorreu no dia anterior.”

Por outro lado, referente ao exercício de 2015 refere o Tribunal que “(…) tem a Requerente, também, direito a juros indemnizatórios referentes ao pagamento indevido referente ao período tributário do ano de 2015. Porém, a contagem dos mesmos apenas se inicia após o decurso de um ano subsequente à apresentação do pedido de revisão oficiosa. Tendo este pedido sido apresentado em 25.10.2019 e sendo o dia 25.10.2020 um domingo, o prazo de um ano terminou em 26.10.2020, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios contados a partir de 27.10.2020.”

Deste modo, conclui o Tribunal pela procedência do pedido de anulação do ato tributário acrescido dos juros indemnizatórios.

2.
NÚMERO DO PROCESSO: 298/2022-T
DATA: 6 de março de 2023
ASSUNTO: IMT – Violação dos princípios da proibição da retroatividade fiscal e da proteção da confiança.

 O REQUERENTE apresentou Pedido de Pronúncia de Arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas e Imóveis (“IMT”) e, bem assim, à condenação da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

FACTOS

O Fundo, ora REQUERENTE, foi constituído, em 19 de novembro de 2009, como Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH), ao abrigo do Regime Especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional.
No âmbito da sua atividade, o REQUERENTE adquiriu em 31 de dezembro de 2012 o prédio urbano sito no Concelho de Viana do Castelo, declarando ser destinado a arrendamento para habitação permanente, tendo beneficiado da isenção de IMT consagrada no REFIIAH para aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.

O prédio em causa foi alienado pelo REQUERENTE em 18 de novembro de 2014.

Neste âmbito, foi o REQUERENTE notificado da liquidação de IMT para, no prazo de 30 dias, efetuar o pagamento do imposto mediante a solicitação da corresponde guia para pagamento.

Em 17 de novembro de 2017, o REQUERENTE apresentou um pedido de revisão oficiosa do referido ato de liquidação de IMT, tendo sido indeferido, o REQUERENTE apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão central saber se à luz do artigo 236.º, n.º 2 da lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro e dos artigos 14.º, 15.º e 16.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, na redação conferida por aquele diploma, a aquisição do imóvel em causa, ocorrida antes de 1 de janeiro de 2014, podia ser tributada por o imóvel ter sido vendido antes de decorrido o prazo de três anos contados a partir de 1 de janeiro de 2014 e, por outro lado, em caso afirmativo, se tal solução legal é conforme com o artigo 103.º, n.º 3 da CRP.

No entender do REQUERENTE existe “(…) uma inconstitucionalidade por violação do artigo 103.º, n.º 3 da CRP, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, bem como do princípio da confiança dos cidadãos, sustentando que a retroatividade em causa é autêntica, dada a natureza de imposto de natureza única, em que se enquadra o IMT. Sustenta ainda a violação do princípio constitucional da proteção da confiança dos cidadãos.

Por outro lado, considera a Administração tributária que “(…) não se verificou a introdução de um regime de caducidade do benefício ou violação do princípio da não retroatividade fiscal. No seu entendimento a Lei nova não determinou que os prédios adquiridos anteriormente a 1.1.2014 fossem objeto de tributação em sede de IMT, mas veio apenas densificar o conceito de afetação a arrendamento para habitação permanente e as situações em que a alienação não faz caducar a isenção.

Em face destas posições, considerou o Tribunal que “(…) parece evidente que, num fundo de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, como aquele que se apresenta nos presentes autos, a partir de 1.1.2014, a venda de um imóvel adquirido em ano anterior, que tenha beneficiado de isenção por o imóvel ter como destino o arrendamento para habitação permanente e que o venda antes de decorridos 3 anos após 1.1.2014, fica sujeito a imposto.

No entendimento deste Tribunal arbitral, (…) o facto tributário em causa, corresponde à aquisição da propriedade por parte do Requerente, verificou-se inteiramente ao abrigo da lei antiga. Na mesma linha de entendimento, é patente que o facto tributário em causa é sujeito a tributação face à lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, mas não o era face à Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, na sua redação originária.

Com efeito, entendeu o Tribunal que sendo o imposto aqui em causa, um imposto de obrigação única, é entendimento da doutrina que “nos casos dos impostos de obrigação única a proibição da retroatividade implica o respeito pelos factos tributários passados, ou seja, a não aplicação da lei nova a estes factos, pois a obrigação tributária nasceu e está concluída.”

Assim, considerou o Tribunal que atento as normas aqui em causa (artigo 236.º, n.º 2 da Lei n.º 83-C/2013, em conjugação com o art. 8.º/16 da Lei 64-A/2008, na redação da Lei n.º 83-C/2013) estabelecesse uma tributação retroativa (retroatividade autêntica), violadora do princípio da não retroatividade da lei fiscal, pelo que não podia o tribunal deixar de desaplicar as mesmas, em obediência à norma consagrada no art. 204.º da CRP.

Com efeito, entendeu o Tribunal que “(…) ao adicionar ao pressuposto originariamente previsto para a isenção – destinação do imóvel adquirido exclusivamente a arrendamento para habitação permanente – os novos pressupostos resultantes do aditamento ao art. 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH dos seus atuais n.º 14 a 16 – a exigência de celebração efetiva de contrato de arrendamento para habitação e de não alienação do mesmo dentro de certo prazo -, a norma do n.º 2 do art. 236.º da Lei n.º 83-C/2013 alcança e agrava a condição resolutiva aposta ao benefício, que vinha do passado, originado, com isso, um caso de retroatividade inautêntica.

Mais referiu o Tribunal que “apesar (…) e de não ser, por isso, sancionável de forma automática, nos termos em que o são as situações de retroatividade autêntica, a norma constante do art. 236.º, n.º 2 da Lei n.º 83-C/2013 apenas poderá ser considerada constitucionalmente conforme se, em face dos elementos que integram a relação jurídica a factos iniciados sob a vigência da lei antiga é compatível com as exigências que, em caso de mutação da ordem jurídica, o legislador ordinário é obrigado a respeitar por força do princípio da proteção da confiança.

Neste sentido, entendeu o Tribunal que “a lesão da confiança constitucionalmente censurável pressupõe, por força daquele primeiro critério, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos destinatários expectativas de continuidade, que essas expectativas sejam legítimas, justificadas e fundadas em boas razões e, por último, que os particulares tenham feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do comportamento estadual, que possam sair frustrados por mutações normativas do ordenamento com que os destinatários das normas não pudessem razoavelmente contar.

Em face do exposto, considerou o Tribunal que a confiança depositada pelos fundos, neste caso pela REQUERENTE, na constância do regime fiscal contemporâneo dos investimentos que decidiram realizar, para além de digna de tutela, não pode deixar de considerar-se atingida pelas consequências da aplicação retroativa dos novos pressupostos da isenção.

Pelo que, com a introdução das novas normas, independentemente das razões que possam ter inviabilizado a efetiva celebração do contrato de arrendamento sobre o imóvel, o benefício fiscal caduca pelo mero facto de tal contrato não chegar a ser efetivamente celebrado e/ou de o imóvel adquirido não ter permanecido na propriedade do REQUERENTE por determinado prazo, apesar da ausência de qualquer alternativa financeiramente sustentável para a sua detenção.

Deste modo, conclui o Tribunal que “ao originar a caducidade das isenções fiscais previstas no âmbito do IMT e do Imposto de selo por via do aditamento dos novos pressupostos, não contemplados na lei vigente à data da adquisição dos imóveis, a aplicação retroactiva das alterações introduzidas pela L83- C/2013 frustra as expectativas legitimamente incutidas nos fundos investidores pelo regime fiscal em vista (e sob incentivo) do qual tais aquisições foram decididas realizar, violando aquele mínimo de certeza e de segurança que todos os intervenientes no tráfego jurídico, ao planearem a sua acção e ao realizarem as suas escolhas, devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito.”

Em face do exposto, entendeu o Tribunal julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, determinando a anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do despacho de liquidação de IMT, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

 3.
NÚMERO DO PROCESSO: 24/2022-T
DATA: 23 de dezembro de 2022
ASSUNTO: Personalidade jurídica tributária – Sociedade Comercial extinta – Caducidade do direito de liquidação – Fundamentação do ato de liquidação – Exercício do direito de participação procedimental.

A REQUERENTE apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (“IRC”).

FACTOS

Em 21 de abril de 2016, foi registado no registo comercial da sociedade B, Unipessoal, Lda. a sua dissolução e encerramento da liquidação.

Nessa data foi designado como representante para fins fiscais da referida Sociedade, a Requerente.

Posteriormente, em 12 de maio de 2016, foi a Sociedade B, notificada da instauração de uma ação inspetiva externa à sociedade requerente tendo âmbito geral e extensão correspondente ao exercício de 2014.

Em 10 de setembro de 2018, foi o Requente notificado pessoalmente da ação inspetiva externa à sociedade, tendo em 25 de janeiro de 2019, a sociedade B, por intermédio do seu representante fiscal, exerceu o direito de audição no procedimento de inspeção.

Posteriormente, em 7 de fevereiro de 2019, foi a REQUERENTE notificada do Relatório Final do procedimento inspetivo, tendo nessa sequência, a Administração tributária procedido à emissão do ato de liquidação de IRC.

Não se conformando com o ato de liquidação, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra o referido ato de liquidação, o qual veio a ser indeferido.

Da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, a REQUERENTE interpôs Recurso Hierárquico contra a Decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa e, bem assim, contra o ato de liquidação de IRC.

Posteriormente, foi a REQUERENTE, em 29 de novembro de 2021, notificada da Decisão de Indeferimento do Recurso Hierárquico.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão central averiguar (i) a existência de ilegitimidade procedimental, na medida em que a Sociedade Requerente já se encontra definitivamente extinta em 2016, (ii) a caducidade do ato de liquidação, (iii) a violação do direito de audição prévia em sede de Reclamação Graciosa e (iv) a falta de fundamentação.

Relativamente à questão da ilegitimidade processual, considerou o Tribunal que “sem embargo da argumentação invocada suscitar uma importante reflexão acerca da delimitação da personalidade tributária e se afigurar como pertinente e não desprovida de acerto, a verdade é que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativa é, hoje em dia, praticamente unanime em rechaçá-la.”

Neste sentido, tem sido entendimento da jurisprudência que “I- Uma sociedade extinta continua a ser sujeito da relação jurídica tributária relativamente aos factos tributários ocorridos no período temporal anterior á respetiva extinção, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo pagamento dos tributos que se venham a liquidar relativamente àquele período. II – Nada na lei impede a AT de efetuar um ato tributário de liquidação de imposto já depois extinto o sujeito passivo da obrigação jurídica tributária, ainda que o seu pagamento haja de ser exigido a outrem, que a lei designe como responsável pelo pagamento.

Neste sentido, o Tribunal entendeu que “(…) à luz deste enquadramento jurisprudencial torna-se inevitável a conclusão de que, não obstante a sua extinção e carência de personalidade jurídica, as sociedades extintas mantêm ainda personalidade tributária quanto aos factos tributários ocorridos anteriormente à sua extinção, sem embargo de a responsabilidade de pagamento dos correspondentes tributos poder vir a recair sobre terceiros.

Quanto à questão da caducidade para o exercício do poder tributário, entendeu o Tribunal que “uma vez que está em causa o IRC relativo ao exercício de 2014, cujo termo ocorreu em 31-12-2014, o prazo de caducidade a que se refere o n.º 1 do art. 45.º da LGT [ou seja, quatro anos] terminaria a 31-12-2018.” Porém, salienta o Tribunal que existe causas suspensivas ao prazo de caducidade.

Assim, no caso em apreço foi possível verificar “a ação inspetiva externa iniciou-se a 10-09-2018 e terminou a 11-02-2019, período durante o qual se suspendeu a contagem do prazo de caducidade que, como se viu, terminaria normalmente a 31-12-2018. Dito de outro modo, a contagem do referido prazo de caducidade esteve suspensa durante um período de 154 dias. Assim, tendo em conta o já referido período de suspensão da sua contagem, o prazo de caducidade aqui em crise teve o seu dies a quo em 31-12-2014 e teria o seu dies ad quem a 03-06-2019.”

Deste modo, concluiu o Tribunal que “do probatório resulta que o ato de liquidação impugnado na presente arbitragem foi notificado à requerente, na pessoa do seu representante fiscal de cessação de atividade, em 04-03-2019 (facto S. do probatório), portanto bastante tempo antes de terminado o correspondente prazo de caducidade.”, improcedendo deste modo a alegada caducidade do direito.

Quanto à violação do princípio da participação procedimental, na Reclamação Graciosa, entendeu o Tribunal que “Compulsada a factualidade dada como provada, é manifesto que foi facultado à requerente o exercício do direito de participação procedimental no decurso da ação inspetiva e que esta veio efetivamente a exercê-lo. Esta circunstância permite assim dispensar a renovação do exercício do direito de participação procedimental em fase anterior à prolação do ato de liquidação.

Por fim, quanto à falta de fundamentação, considerou o Tribunal que “compulsado o ato de liquidação impugnado verifica-se que dele não consta qualquer fundamentação. Tratando-se de um ato de liquidação adicional, na sequência de iniciativa oficiosa da própria administração fiscal, dele não consta um único motivo ou fundamento que justifique ou motive a decisão de tributação nele adotada e, em especial, a aparente decisão de desconsiderar os valores declarados pelo próprio sujeito passivo e constantes da autoliquidação que ele realizou com relação ao mesmo imposto e exercício.”

Todavia, entendeu o Tribunal que “o vício em questão foi sanado pelas decisões supervenientemente proferidas nos procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico que tiveram o mencionado ato tributário por objeto.”.

Deste modo, concluiu o Tribunal que, “ como se deixou dito, o ato (primário) de liquidação não contém qualquer fundamentação — nem direta, nem mediante remissão para anteriores peças procedimentais — que permita alcançar as razões de facto e de direito que determinaram a que nele se tivesse fixado, para o exercício de 2014, uma matéria coletável de EUR 54.968,85. Essa motivação, a partir das decisões quer da reclamação graciosa, quer do recurso hierárquico, a requerente passou então a poder aceder a todo itinerário cognoscitivo percorrido pela requerida no apuramento daquele valor, circunstância que permite assim convalidar o ato tributário primário que, manifestamente, carecia de qualquer fundamentação válida.”, julgando, também, improcedente este vício.

Em face do exposto, entende o Tribunal julgar improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral e, em consequência, absolveu a Administração tributária do pedido.

***

Lisboa, 2 de outubro de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Inês Braga Reigoto

(Tax litigation team)

 

Know-How