Newsletters

Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1.º Trimestre de 2023)

17 Janeiro 2024
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1.º Trimestre de 2023)
Newsletters

Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1.º Trimestre de 2023)

17 Janeiro 2024

Pretende-se, com a presente Informação Fiscal, apresentar uma síntese Trimestral dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) relacionados com o domínio da Fiscalidade, analisando, caso a caso, o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, do ponto de vista nacional.

1.

NÚMERO DO PROCESSO: C‑42/22

NOME: Generali Seguros, S.A. contra Autoridade Tributária e Aduaneira

DATA: 9 de março de 2023

ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Isenção do IVA — Artigo 135.°, n.° 1, alínea a) — Isenção das operações de seguro e de resseguro — Artigo 136.°, alínea a) — Isenção das entregas de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta — Conceito de “operações de seguro” — Revenda de salvados adquiridos aos segurados — Princípio da neutralidade fiscal.

FACTOS

A Generali Seguros é uma companhia de seguros que, no âmbito das suas atividades, efetua a aquisição de salvados resultantes de sinistros ocorridos com os seus segurados e, em seguida, procede à sua revenda a terceiros, sem proceder à liquidação do IVA sobre essas vendas.

Em resultado de uma ação de inspeção respeitante ao exercício de 2007, a Administração tributária considerou que as vendas de salvados efetuadas pela Generali Seguros, por se considerarem transmissões de bens corpóreos a título oneroso, estavam sujeitas ao pagamento do IVA nos termos do Código do IVA, não podendo beneficiar de nenhuma das isenções aí previstas.

Em consequência, procedeu à liquidação (adicional) do IVA sobre as referidas vendas, no montante de 17.213,70 euros, acrescido de juros compensatórios.

Não se conformando com a decisão da Administração tributária, a Generali Seguros contestou a referida liquidação, tendo alegado, que a venda de salvados deve ser qualificada, nas circunstâncias em causa no processo principal, como uma operação isenta de IVA.
Para o efeito, invocou, por um lado, a isenção relativa às “operações de seguro e resseguro, bem como as prestações de serviços conexas, efetuadas pelos corretores e intermediários de seguros”, e, por outro, a isenção sobre “as transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, quando não tenham sido objeto do direito à dedução”.

O referido órgão jurisdicional julgou improcedente a Impugnação judicial, e, novamente por não se conformar com a decisão do Tribunal, interpôs, a Generali Seguros, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (a seguir designado por “STA”).

Nesse seguimento, foram submetidas ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

“1) O artigo 13.°, [...], [B, alínea a)], da Sexta Diretiva [...] e, por conseguinte, o atual artigo 135.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva do IVA devem ser interpretados no sentido de o conceito de “operações de seguro e de resseguro” compreender, para efeitos de isenção de IVA, atividades conexas ou complementares como a aquisição e venda de salvados?

2) O artigo 13.°, [...], [B, alínea c)], da Sexta Diretiva [...] e, por conseguinte, o posterior artigo 136.°, alínea a), da Diretiva do IVA devem ser interpretados no sentido de a aquisição e venda de salvados se considerar afeta exclusivamente a uma [atividade] isenta, desde que tais bens não tenham conferido direito à dedução do IVA?

3) É contrário ao princípio da neutralidade do IVA a não isenção de IVA sobre a venda dos salvados pelas seguradoras, nos casos em que não tenha havido direito à dedução do IVA?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUANTO À PRIMEIRA QUESTÃO

Em substância, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a aquisição e revenda de salvados, por parte da Generali Seguros, se enquadra no âmbito da norma da Diretiva IVA e, em consequência, se beneficia da isenção de imposto.

Nos termos desta disposição, os Estados‑Membros isentam as “[a]s operações de seguro e de resseguro, incluindo as prestações de serviços relacionadas com essas operações efetuadas por corretores e intermediários de seguros”.

No que respeita, em primeiro lugar, ao conceito de “operações de seguro” revisto na Diretiva IVA, estas operações caracterizam‑se pelo facto de o segurador, mediante pagamento prévio de um prémio, pelo segurado, se compromete a fornecer a este último, em caso de realização do risco coberto, a prestação acordada no momento da celebração do contrato.

Neste âmbito, a identidade do destinatário da prestação tem importância para efeitos da definição das operações de seguro, as quais implicam, pela sua própria natureza, a existência de uma relação contratual entre o prestador do serviço de seguro e a pessoa cujos riscos são cobertos pelo seguro, isto é, o segurado.

Nas operações de venda dos salvados, a celebração ocorre fora de uma relação de seguros, em específico com um terceiro que não o segurado. O próprio valor do salvado, não faz parte, por definição, do dano sofrido pelo segurado, visto constituir um valor residual derivado do sinistro ocorrido. Mormente, o preço não é considerado parte da indemnização de seguro, sendo uma prestação de um contrato de compra e venda, separável e distinto da convenção de seguro.

O Tribunal de Justiça entende, ainda, que a venda de uma salvado constitui uma “entrega de bens” ao visar a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário (não devendo ser qualificada como “prestação de serviços”).

Por conseguinte, concluiu o Tribunal que as operações de uma companhia de seguros que consistem na venda a terceiros de salvados, resultantes de sinistros cobertos por essa companhia e que esta adquiriu aos seus segurados, não são abrangidas pelo âmbito de aplicação da isenção ora em apreço.

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUANTO À SEGUNDA QUESTÃO

A Diretiva IVA prevê a isenção das entregas de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, desde que tais bens não tenham conferido o direito à dedução do IVA. O termo “afetos” refere‑se ao facto de um bem se destinar a uma determinada utilização, no caso em apreço, a ser utilizado para as necessidades de uma atividade que consiste em realizar operações de seguro.

Tal não é o caso dos bens que uma companhia de seguros adquire, resultantes dos sinistros que cobre e que destina, não à utilização no âmbito da sua atividade seguradora, mas a serem revendidos, no estado em que se encontram e sem terem sido utilizados, a terceiros.

Por conseguinte, a atividade praticada pela Generali Seguros não se enquadra nos termos da isenção prevista pela Diretiva IVA, não estando assim abrangida pelo seu âmbito de aplicação.

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUANTO À TERCEIRA QUESTÃO

Em nota de enquadramento, o princípio da neutralidade fiscal reflete‑se no regime das deduções, regime que visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas.

Considerando jurisprudência anterior, foi estabelecido que este princípio não é uma norma de direito primário que possa determinar a validade de uma isenção, mas um princípio de interpretação que deve ser aplicado paralelamente com o princípio de que as isenções são de interpretação estrita. Resulta daí que este princípio não permite alargar o âmbito de aplicação de uma isenção na falta de uma disposição inequívoca.

Por conseguinte, a exclusão de operações do âmbito de aplicação das isenções previstas na Diretiva IVA, como aquelas em análise no processo principal, não pode, por conseguinte, ser posta em causa pelo facto de ser contrária ao princípio da neutralidade fiscal.

DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal de Justiça decidiu que as isenções previstas na Diretiva IVA não abrangem as operações de uma companhia de seguros que consistam na venda a terceiros de salvados, resultantes de sinistros cobertos por essa companhia e que aquela adquiriu aos seus segurados, sendo este entendimento compatível com o princípio da neutralidade fiscal, quando as aquisições não tenham conferido direito à dedução do IVA.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para esclarecer o âmbito de aplicação das normas da Diretiva IVA e, consequentemente, das isenções previstas no Código do IVA sobre as “operações de seguro e resseguro” e “prestações de serviços conexas”, assim como “as transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta”, na revenda de salvados adquiridos aos segurados por parte de uma companhia de seguros.

2.

NÚMERO DO PROCESSO: C‑612/21

NOME: Gmina O. contra Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej

DATA: 30 de março de 2023

ASSUNTO: Reenvio prejudicial – Fiscalidade – Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c) – Entrega de bens e prestação de serviços efetuadas a título oneroso – Artigo 9.°, n.° 1 – Conceitos de “sujeito passivo” e de “atividade económica” – Município que procede ao desenvolvimento das energias renováveis no seu território em benefício dos seus residentes, proprietários de um imóvel, que tenham manifestado a intenção de nele serem instalados sistemas de energias renováveis – Contribuição própria de 25 % dos custos subvencionáveis, sem poder exceder um valor máximo acordado entre o município e o proprietário interessado – Reembolso do município através de uma subvenção do Voivodato competente de 75 % dos custos subvencionáveis – Artigo 13.°, n.° 1 – Não sujeição a imposto dos municípios pelas atividades ou operações realizadas na qualidade de autoridades públicas

FACTOS

O Município de O. (Polónia) celebrou com uma comunidade urbana e dois outros municípios, igualmente situados na Polónia, um acordo de parceria para a realização de um projeto destinado à instalação de SER (sistemas de energias renováveis) no território destas quatro coletividades territoriais (a seguir designado por “Projeto”), com o objetivo de permitir a transição para uma economia de baixo carbono.

O Projeto está integrado num programa operacional regional, o que permite ao Município de O. beneficiar, a título de líder do Projeto, de um financiamento de 75% do total dos custos subvencionáveis. Dada a liberdade de decisão sobre as modalidades de financiamento, o Município de O. decidiu obter dos proprietários dos imóveis que beneficiarão, a seu pedido, dos SER, uma contribuição de 25 % dos custos subvencionáveis, sem, no entanto, poder ultrapassar o valor máximo acordado por contrato. Ademais, a passagem de propriedade apenas ocorrerá após o período de validade do processo.

Neste contexto, o Município de O. enviou ao Diretor da Informação Nacional do Tesouro um pedido de informação vinculativa, a fim de aferir se a contribuição paga pelos proprietários interessados e a subvenção recebida do Voivodato em causa deveriam estar isentas de IVA.

A resposta conferida seguiu no sentido de que o Município O. devia ser considerado “sujeito passivo de IVA” no âmbito das operações em causa, o que deu lugar a contestação no Tribunal Administrativo do Voivodato de Varsóvia. Este último negou provimento ao recurso, considerando que o município em causa exercia uma atividade económica numa qualidade diferente da de autoridade pública, tendo sido, em consequência, interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da Polónia.

O órgão jurisdicional supramencionado, questiona-se sobre as consequências que advêm do facto de o Município O. ser parte contratual com a empresa que ganhou o concurso público quanto a um eventual exercício de uma atividade económica, assim como, caso seja admitida a realização de atividade económica, se esta é realizada no âmbito de um regime de direito público e, em virtude de resposta afirmativa, qual seria o valor tributável dessas operações.

Foi nestas circunstâncias que o Supremo Tribunal Administrativo da Polónia decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

“1) Devem as disposições da Diretiva [2006/112], em especial os seus artigos 2.°, n.° 1, 9.°, n.° 1, e 13.°, n.° 1, ser interpretadas no sentido de que o município (autoridade pública) atua na qualidade de sujeito passivo de IVA quando executa um projeto destinado a aumentar a quota das fontes de energia renováveis, comprometendo‑se, por força de um contrato de direito civil celebrado com os proprietários de um imóvel, a construir e instalar [SER] nos seus imóveis e, após um determinado período, a transferir a propriedade desses sistemas para os mesmos proprietários dos imóveis?

2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o financiamento proveniente de fundos europeus que o município (autoridade pública) recebeu para a implementação de projetos relacionados com fontes de energia renováveis ser incluído no valor tributável, na aceção do artigo 73. ° da referida diretiva?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Importa recordar que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, o único competente para a apreciar os factos, determinar a natureza das operações em causa no processo principal.

A título preliminar, de modo a serem abrangidas, as atividades realizadas por um município no âmbito da promoção das energias renováveis devem, em primeiro lugar, constituir uma entrega de bens ou uma prestação de serviços efetuada por esse município a título oneroso a favor dos seus residentes e, em segundo lugar, terem sido efetuadas no âmbito de uma atividade económica, pelo que o sobredito município agiu igualmente na qualidade de sujeito passivo.

Segundo jurisprudência constante, para que tais operações sejam efetuadas “a título oneroso” deve existir, uma relação jurídica de troca de prestações recíprocas entre a entrega de bens ou a prestação de serviços, por um lado, e a contrapartida realmente recebida pelo sujeito passivo, por outro. O Tribunal de Justiça afirma ainda que a questão de as operações serem efetuadas por um preço diferente do preço normal de mercado não tem relevância.

No caso em apreço, há que referir que a transferência da propriedade desses sistemas constitui uma entrega de bens e que a colocação à disposição da sua utilização corresponde a uma prestação de serviços, permitindo considerar que a empresa efetua sobre o município uma operação a título oneroso, pela celebração de contrato para a implementação dos SER e transferência de propriedade, como de fatura.

Se, à luz destas considerações, o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que o Município de O. efetua a título oneroso, para os seus residentes, uma entrega de bens e uma prestação de serviços, incumbe‑lhe determinar se essas operações são realizadas no âmbito de uma atividade económica, independentemente dos seus objetivos e resultados.

Uma atividade é, regra geral, qualificada de “económica” quando tem caráter permanente e é realizada mediante remuneração recebida pelo autor da operação. Porém, é através de uma apreciação casuística que o Tribunal de Justiça toma por referência o que seria o comportamento tipo de um empresário.

O Tribunal de Justiça tomou em consideração a não intenção, por parte do município, de prestar serviços de instalação da SER numa base regular, bem como a de não empregar ou não pretender empregar trabalhadores para esse fim.

O facto de se limitar a propor aos residentes o fornecimento e a instalação dos SER mediante uma contribuição de 25%, a qual corresponde uma pequena parte das despesas por ele incorridas reflete-se mais numa taxa do que numa remuneração.

O comportamento adotado pelo município não se assemelha, aos olhos do Tribunal de Justiça, à diligência eventualmente adotada por um instalador de SER, que se esforçaria por absorver os custos e obter uma margem de lucro. Deste modo, a atividade do município não se apresenta como sustentável do ponto de vista económico, o que leva à sua não consideração como uma “atividade económica”.

O Tribunal de Justiça desconsiderou as restantes questões colocadas visto que o Município de O. não exerce uma atividade enquadrada no âmbito de aplicação da Diretiva.

DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal de Justiça decidiu que não constitui uma entrega de bens nem uma prestação de serviços sujeitas a IVA, o facto de um município entregar e instalar, por intermédio de uma empresa, sistemas de energia renováveis, em benefício dos seus residentes proprietários que manifestaram a intenção de estar equipados com tais sistemas, quando essa atividade não visa a obtenção de receitas com caráter de permanência e apenas dá lugar, por parte desses residentes, a um pagamento que cobre, no máximo, um quarto dos custos suportados, sendo o saldo financiado por fundos públicos.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar o âmbito de aplicação das regras de IVA com respeito a entidades publicas.

3.

NÚMERO DO PROCESSO: C-695/20

NOME: Fenix International Ltd contra Commissioners for Her Majetsy´s Revenue and Customs

DATA: 23 de fevereiro de 2023

ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Poder de execução do Conselho da União Europeia — Artigo 291.o, n.o 2, TFUE — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 28.o e 397.o — Sujeito passivo agindo em seu nome mas por conta de outrem — Fornecedor de serviços eletrónicos — Regulamento de Execução (UE) n.o 282/2011 — Artigo 9.o‑A — Presunção — Validade.

FACTOS

A Fenix, sociedade registada para efeitos de IVA no Reino Unido, explora na Internet uma plataforma de rede social denominada “Only Fans”.

No âmbito da plataforma, criadores de conteúdo e os seus respetivos “fãs” convivem através de transações financeiras, seja no pagamento da assinatura para ter acesso ao conteúdo partilhado, ou através da figura de gratificações e donativos, sendo a Fenix igualmente responsável pela cobrança e distribuição dos pagamentos efetuados pelos fãs, através dos serviços de pagamento fornecidos por uma entidade terceira.

Nesse exercício, a Fenix cobra 20% de todos os montantes pagos a favor de um criador, aplicando o IVA à mesma taxa.

Em abril de 2020, a Administração tributária britânica remeteu avisos de liquidação do IVA à Fenix, relativamente a imposto a pagar entre os exercícios de 2017 e 2020, por considerar que a última devia pagar IVA sobre a totalidade do montante recebido por um fã e não apenas sobre os 20% desse montante que cobrava a título de remuneração.

Em 27 de julho de 2020, a Fenix interpôs recurso no First‑tier Tribunal (Tax Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção Tributária), Reino Unido], enquanto o órgão jurisdicional de reenvio. Com este recurso, a Fenix contesta, no essencial, a validade da base jurídica dos avisos de liquidação, em específico, as disposições legais do Regulamento de Execução nº 282/2011 (seguinte “Regulamento de Execução”) elaborado pelo Conselho através das suas competências de execução da Diretiva IVA, alegando que o Regulamento de Execução tem por efeito alterar e/ou completar as disposições legais da Diretiva IVA.

Nos termos do Regulamento de Execução, quando os serviços eletrónicos forem prestados através de uma rede de telecomunicações, de uma interface ou de um portal, por exemplo um mercado de aplicações, presume-se, para a aplicação da Diretiva IVA, que o sujeito passivo que participa na prestação desse serviço age em seu nome, mas por conta do fornecedor do serviço eletrónico, a menos que o fornecedor do serviço seja expressamente indicado por esse sujeito passivo como sendo o prestador e tal indicação conste dos acordos contratuais celebrados entre as partes.

Ora, com base em jurisprudência anterior, órgão jurisdicional de reenvio sublinha que uma disposição de aplicação de um ato legislativo só é lícita se essa disposição respeitar os objetivos gerais essenciais prosseguidos por esse ato e, bem assim, for necessária ou útil para a sua aplicação e não o alterar nem o completar, mesmo nos seus elementos não essenciais.

Em especial, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a presunção estabelecida nas disposições do Regulamento de Execução se pode aplicar a todos os sujeitos passivos que participam na prestação de serviços, o que não constitui uma medida técnica, mas uma alteração radical do quadro jurídico resultante das disposições da Diretiva IVA, que manifestam a obrigação de análise da situação económica e comercial do sujeito passivo.

Foi nestas condições que o First‑tier Tribunal (Tax Chamber) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

“O artigo 9º‑A do [Regulamento de Execução Nº 282/2011] é inválido, uma vez que excede a competência e o dever de execução do Conselho previstos no artigo 397º da Diretiva [IVA], na medida em que completa e/ou altera o artigo 28º [da referida diretiva]?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A título preliminar, o Tribunal de Justiça vem conferir a atribuição de competências de execução ao Conselho, com base na necessidade de estabelecer condições uniformes e evidenciar que a mesma não pode, no âmbito desse poder, estabelecer regras essenciais na matéria, devendo estas últimas ser adotadas de acordo com o processo legislativo aplicável, em específico no que concerne à Diretiva IVA.

Assim, as disposições do ato de execução devem, por um lado, respeitar os objetivos gerais essenciais prosseguidos pelo ato legislativo e, por outro, ser necessária ou úteis para a sua aplicação, sem o completar ou alterar, independentemente de incidir sobre elementos não essenciais.

Quanto ao respeito pelos objetivos gerais essenciais prosseguidos pela Diretiva IVA, o Tribunal considerou que o artigo em causa do Regulamento de Execução visa assegurar uma aplicação uniforme da presunção estabelecida no artigo correspondente da Diretiva através da especificação de quem é que presta os serviços ao destinatário quando aqueles são prestados através de redes de telecomunicações, interface ou de um portal. Daqui resulta, no entender do Tribunal de Justiça, que as disposições do Regulamento de Execução respeitam os objetivos gerais essenciais da Diretiva IVA.

O Tribunal seguiu a exposição de motivos da proposta da Comissão de regulamento do Conselho, que alterou o Regulamento de Execução no que respeita ao lugar de prestação dos serviços, na medida em que confirmou que, a fim de garantir a segurança jurídica dos prestadores de serviços e de evitar a dupla tributação ou não tributação que teria resultado de modalidades de execução divergentes entre os Estados‑Membros, tinha-se tornado essencial alterar o referido regulamento de execução para estabelecer regras de execução das disposições relevantes da referida Diretiva.

Relativamente à proibição de completar ou de alterar o conteúdo da Diretiva IVA, a apreciação do Tribunal de Justiça é tripartida, correspondente ao número de parágrafos do artigo do Regulamento de Execução.

Quanto ao primeiro parágrafo, este prevê que se “presume” que o sujeito passivo que participa na prestação de serviços eletrónicos, “age em seu nome, mas por conta do fornecedor do serviço eletrónico”, tendo constatado o Tribunal que esta disposição se limita a especificar os casos em que se considera preenchida a condição relativa ao âmbito de aplicação pessoal do artigo da Diretiva IVA, necessário à aplicação da presunção prevista neste artigo, sem completar ou alterar o conteúdo do mesmo.

Por sua vez, o segundo parágrafo limita‑se a expor os elementos que permitem apreciar de maneira concreta, à luz da necessidade de ter em conta a realidade económica e comercial das operações, as situações e as condições em que a presunção, que resulta do primeiro parágrafo, pode ser ilidida.

Por último, é sustentado pelo Tribunal que o Conselho teve em conta, ao adotar o terceiro parágrafo, a realidade económica e comercial das operações, no contexto específico da prestação de serviços eletrónicos prestados através de uma rede de telecomunicações, de uma interface ou de um portal, por exemplo um mercado de aplicações, como exige a Diretiva IVA.

Com efeito, quando um sujeito passivo, que participa na prestação de um serviço eletrónico, ao explorar, por exemplo, uma plataforma de rede social em linha, tem o poder de aprovar a prestação desse serviço, ou a cobrança do mesmo, ou ainda de fixar os termos e condições gerais dessa prestação, aquele dispõe da possibilidade de definir unilateralmente elementos essenciais relativos à prestação, a saber, a sua realização e o momento em que esta terá lugar, ou as condições segundo as quais a contraprestação será exigível, ou ainda as regras que formam o quadro geral dessa prestação. Nestas circunstâncias, e tendo em consideração a realidade económica e comercial por aquelas condições refletida, o sujeito passivo deve ser considerado o prestador de serviços, ao abrigo da Diretiva IVA.

Por conseguinte, ao adotar o artigo 9.º-A do Regulamento de Execução n.º 282/2011, a fim de assegurar uma aplicação uniforme na União do artigo 28.ºda Diretiva IVA aos serviços referidos nesta primeira disposição, o Conselho não ultrapassou as competências de execução que lhe foram conferidas pela Diretiva.

DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal decidiu no sentido de que não se verificavam elementos suscetíveis de afetar a validade do artigo do Regulamento de Execução, tendo o Conselho atuado dentro da sua competência e dever de execução.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para reforçar a validade das normas do Regulamento de Execução n.º 282/2011 aplicáveis no ordenamento jurídico português, em matéria de prestação de serviços eletrónicos e IVA aplicável.

***

Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob
Joana Fidalgo Barreiro

 

Know-How