Pretende-se, com a presente informação, apresentar uma síntese dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Contas – à semelhança do que fazemos em relação às decisões do Centro de Arbitragem Administrativa e, também, do Tribunal de Justiça da União Europeia –, descrevendo os factos, a apreciação do Tribunal, a respetiva decisão e analisando, ainda, qual o impacto que a mesma pode ter na determinação das condutas a adotar pela administração pública.
Mantêm-se, assim, as nossas informações periódicas, também em matéria de finanças públicas, direito financeiro e orçamental e de contabilidade pública.
N.º DO ACÓRDÃO: 24/2023
RELATOR: Sofia David
DATA: 17 de outubro de 2023
ASSUNTO: Recurso jurisdicional em processo de fiscalização prévia de contrato de concessão de serviço público de transporte rodoviário de passageiros.
ENQUADRAMENTO
A questão que se coloca no recurso ordinário aqui em causa é a de saber se uma contratualização decorrente de um contrato inicial de concessão de serviço público de transporte rodoviário de passageiros, que tem por objeto a substituição temporária e pontual de aspetos de obrigações de serviço público, decorrentes de obrigações de serviço público adicionais, relacionados com uma redução tarifária e compensações por essa redução, constitui uma modificação objetiva ao contrato inicial e não um contrato autónomo face àquele.
APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL
Começa o Tribunal por elencar as questões de direito a decidir no presente recurso, designadamente:
Relativamente à qualificação do contrato como um contrato autónomo e não como uma modificação objetiva ao contrato inicial, elucida o Tribunal que “[c]laramente, a expressão ”contratualização autónoma” é assumida como relativa a uma contratualização decorrente do contrato inicial mas titulada através de um novo acordo, que constituiu uma extensão ou modificação pontual do contrato inicial. Ou seja, o presente contrato não vive autonomamente sem o contrato anterior, mas, diversamente, vai ali encontrar o suporte essencial no que se refere às OSP (Obrigações de Serviços Públicos) que foram contratualizadas e que justificam as atuais medidas de redução tarifária.”.
Desta forma, o Tribunal concluiu no sentido de que as bases da relação contratual se mantêm no contrato inicial e de que o novo contrato visa apenas uma modificação temporária e pontual de alguns aspetos nele previstos.
Assim, “[e]stá-se, pois, frente a uma modificação contratual do contrato inicial e não a um contrato autónomo, entendido como um novo contrato, com um regime completo, que se apresenta totalmente independente do contrato anterior.”.
Quanto à aplicação da Lei n.º 30/2021, de 21/05 no tempo, relativamente a modificações de contratos concerne, manteve o Tribunal o entendimento do Acórdão recorrido, já que “aquando da celebração do contrato inicial, considerando os seus termos e o regime legal que lhe era aplicável, já era do conhecimento do Concedente e da Concessionária que o contrato poderia ser modificado e dos fundamentos ou circunstâncias que poderia dar causa a essa modificação. Os ditos fundamentos ou razões para a modificação estão expressos na cláusula 7.ª do Contrato inicial e decorriam do aí previsto e do regime legal no âmbito do qual se celebrou aquele contrato inicial.”.
Relativamente à alteração substancial do objeto do contrato e da existência de uma alteração que configura um impedimento, uma restrição ou um falseamento da concorrência, esclarece o Tribunal que, in casu, se trata de uma modificação objetiva ao contrato de concessão inicialmente celebrado e que tem em vista a concretização das ações de redução tarifária a implementar ao abrigo do Programa de Redução Tarifária nos Serviços Públicos de Transporte Rodoviário de Passageiros, que se configuram como obrigações dos serviços públicos, podendo ser impostas unilateralmente pelo concedente ao concessionário, desde que compensadas nos termos legais, tal como determinado no Regime Jurídico do Serviço Público de Transporte de Passageiros.
O que significa que, por força do contrato celebrado, o cessionário fica obrigado a cumprir uma obrigação tarifária que não vinha prevista no contrato inicial e, consequentemente, é-lhe atribuída uma compensação por essa nova obrigação.
Como salienta o Tribunal, dos factos provados resultou que a compensação atribuída visou ressarcir a perda de receita associada às obrigações de serviço público adicionais, e não alargar serviços, ampliá-los ou impor a realização de serviços adicionais.
Acrescenta, ainda, que “há também que concluir que ter-se-á apurado a compensação comparando a totalidade dos custos e das receitas do operador, num cenário de existência de obrigação de serviço público, com os decorrentes de um cenário sem existência de obrigação de serviço público e em que os serviços abrangidos são explorados em condições de mercado.”.
Deste modo, considera o Tribunal que a modificação visou manter o equilíbrio económico-financeiro do contrato, compensando o operador pela perda da receita no montante equivalente ao valor da redução tarifária que foi imposta, e “não se antevê face à prova que vem feita que a modificação contratual tenha alterado substancialmente o objeto do contrato inicial ou configure uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência.”.
Consequentemente, conclui o Tribunal que, “há que aceitar a invocação do Recorrente de que a modificação introduzida não alterou a natureza global do contrato, nem introduziu uma modificação substancial, nem configurou uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência.”.
DECISÃO
Decide, assim, o Tribunal, no sentido de que a modificação em causa não implicou uma ampliação da quantidade dos serviços ou novos trabalhos complementares, mas, tão somente, introduziu uma compensação pela redução tarifária decorrente de obrigações de serviços públicos adicionais, que foram impostas ao concessionário durante um período de vigência da própria modificação do contrato.
Desta forma, decidiu o Tribunal revogar o Acórdão recorrido; concedendo o visto ao “Contrato para a Exploração do Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros do Alentejo Central”.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
Tal como tem sido a jurisprudência adotada pelo TJUE, também o Tribunal de Contas tem considerado que ocorre uma alteração substancial ao contrato, quando, por exemplo, se introduzem novas condições que se tivessem figurado no procedimento concursal teriam, potencialmente, alargado a concorrência, ou quando se alarga o contrato de forma relevante, ou a uma medida importante, passando o mesmo a comportar uma dimensão que não se podia retirar a partir dos serviços inicialmente previstos, ou quando se altera o preço de forma relevante durante a vigência do contrato, ou ainda, quando se altera o equilíbrio económico-financeiro do contrato a favor do co-contratante, de uma forma que não prevista no contrato inicial.
Desta forma, não ocorre uma alteração substancial de um contrato de concessão de serviço público de transporte rodoviário de passageiros quando se constata que a modificação ao contrato constitui apenas a alteração – por redução - nos tarifários, diretamente decorrente da imposição de novas obrigações de serviço público e a consagração da necessária compensação, que se demonstra respeitar na sua fórmula de cálculo o instituído no Regime Jurídico do Serviço Público do Transporte de Passageiros.
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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo