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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (3º Trimestre de 2022)

13 Janeiro 2023
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (3º Trimestre de 2022)
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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (3º Trimestre de 2022)

13 Janeiro 2023

SUMÁRIO

Pretende-se, com a presente informação, apresentar uma síntese dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Contas – à semelhança do que fazemos em relação às decisões do Centro de Arbitragem Administrativa e, também, do Tribunal de Justiça da União Europeia – descrevendo os factos, a apreciação do Tribunal, a respetiva decisão e analisando, ainda, qual o impacto que a mesma pode ter na determinação das condutas a adotar pela Administração Pública.

Mantêm-se, assim, as nossas Informações periódicas, também em matéria de Finanças Públicas, Direito Financeiro e Orçamental e de Contabilidade Pública.

1.
N.º DO ACÓRDÃO: 25/2022
RELATOR:Conselheiro Miguel Pestana de Vasconcelos
DATA: 6 de setembro de 2022
ASSUNTO: Recusa de visto ao 3.º aditamento ao contrato de concessão de serviço público

ENQUADRAMENTO

O presente processo decorreu do recurso interposto pelo Município de Amarante (MA), de uma decisão de não concessão de visto ao terceiro aditamento ao contrato de concessão de serviço público de transporte rodoviário de passageiros, celebrado com a Rodoamarantes, Lda., com um valor adicional de compensações por obrigações de serviço público de €376.523,72. 

O contrato de prestação de serviços em apreço, outorgado em 6 de janeiro de 2021, teve como objeto o “concessão de serviço público de transporte rodoviário de passageiros, com a duração de cinco anos e o valor total de €1.480.000,00.”

O contrato em causa teve como critério único de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa pela modalidade melhor relação qualidade-preço.

Ora, relativamente a este contrato foi sujeito a aditamentos. Sendo que no primeiro aditamento as partes acordaram que o contrato apenas iria vigorar a partir de 20 de abril de 2021.

Neste sentido, o contrato e o primeiro aditamento foram analisados e visados em sessão Diária de Visto.

Quanto ao segundo aditamento as partes acordaram, novamente, que o contrato apenas iria vigorar a partir de 1 de setembro de 2021 até 31 de dezembro de 2021, implicando um aumento de despesas no valor de € 213.377,87 e procedeu à alteração do tarifário aplicável, bem como, acrescentou uma linha de circulação às inicialmente previstas. 

Porém, relativamente a este aditamento foi aposto visto, nos seguintes termos “Em Sessão Diária de Visto, no pressuposto, não infirmado pelos elementos constantes do processo, nem pelo teor do ato submetido, de que, como o município informa, as alterações são temporárias e terão o seu termo a 31-12-2021, concede-se o visto ao aditamento submetido a fiscalização prévia.”

Posteriormente, e na sequência da deliberação da Câmara Municipal de Amarante, datada de 10 de dezembro de 2021, as partes outorgaram o contrato submetido a fiscalização, denominado “Terceiro Aditamento ao Contrato de Concessão de Serviço Público de Transporte Rodoviário de Passageiros.”  (objeto aqui em discussão), no qual destinava-se a vigorar no período de 1 de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2022, implicando um aumento de despesas no valor de €376.523,72.

Com a celebração do contrato o Município de Amarante pretendeu proceder a uma contratação plurianual, que seria modificada anualmente para se introduzirem as reduções tarifárias que resultassem anualmente dos PART e PROTransP.

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL

Tendo em consideração a situação fática exposta, o Tribunal centra a sua análise nas seguintes questões:

i)                Do caso julgado;

ii)               Da necessidade de autorização prévia da Assembleia Municipal para a celebração do contrato;

iii)             Da ausência de parecer prévio da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes.

Relativamente à exceção dilatória de “caso julgado” invocada pelo Município de Amarante, entendeu o Município de Amarante que “não poderia o Tribunal ter recusado o visto ao contrato submetido a fiscalização, na medida em que este constitui um mero aditamento ao contrato visado em 19 de abril de 2021, sendo totalmente idêntico ao 2.º aditamento posteriormente elaborado, ao qual foi também aposto visto sem qualquer recomendação, em sessão diária de visto de 12/11/2021.”

Porém, no entender do Tribunal o Município de Amarante não tinha razão.

Para o efeito, refere o Tribunal que “(…) não são permitidas pelo nosso ordenamento jurídico sentenças condicionais (sentenças em que o próprio sentido da decisão é incerto), ao contrário das sentenças de condenação condicional (aquelas em que é declarado o direito, mas sujeita à verificação de determinada condição).”

In casu, o Tribunal considerou, ao contrário do Município de Amarante, que a decisão proferida no âmbito do segundo aditamento era uma decisão clara, apesar de ter deixado claro que a concessão tinha como pressuposto o caracter limitado no termo do aditamento visado.

Assim, concluiu o Tribunal que não existiu qualquer suspensão da eficácia do visto concedido nem a sua sujeição à verificação de um evento futuro, ou seja, o pressuposto na decisão do segundo aditamento visa reforçar a decisão e não sujeita-la a uma condição.

Pelo que, não tendo o Tribunal a quo definido de forma estável a relação material controvertida que é trazida a juízo pelo Município de Amarante, mas sim limitando-se a apreciar um aditamento em concreto e a limitado no tempo, não se verifica a exceção dilatória invocada pelo Município de Amarante.

Por fim, referiu ainda o Tribunal que apesar de o teor do clausulado ser em grande parte idênticos em ambos os aditamentos, os pressupostos fácticos e financeiros são bastante diferentes, pelo que os fundamentos da decisão do segundo aditamento não poderiam ser automaticamente transpostos para o terceiro aditamento. 

Relativamente à necessidade de autorização prévia da Assembleia Municipal para modificação do contrato, entendeu o Tribunal que compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal: Autorizar a câmara municipal a celebrar contratos de concessão e fixar as respetivas condições gerais.

Assim, considerou o Tribunal que as “condições gerais” que a Assembleia tem de aprovar referem-se a um determinado equilíbrio económico-financeiro que integra a concessão.

Neste sentido, aquando da aprovação por parte da Assembleia, teria de haver desde o início uma previsibilidade por parte da Assembleia quanto às eventuais alterações que possam, por ato unilateral da Câmara Municipal, vir a ser introduzido, sendo que nunca essas alterações poderiam alterar aquele equilíbrio económico-financeiro, que é estrutural à concessão.

Assim, entendeu o Tribunal que o terceiro aditamento ao contrato juntamento com os outros dois aditamentos reconfiguraram completamente o equilíbrio económico-financeiro, dado que o montante por obrigações de serviços públicos (OSP) para os anos de 2021 e 2022 passaria de €394.666,00 para €688.864,29 o que significa um acréscimo de 174,5%.

E, para o ano de 2022, a compensação prevista passaria do valor inicialmente previsto de €296.000,00 para €672.532,32 o que significa um aumento de 227,2%.

Assim, concluiu o Tribunal que “(…) uma alteração desta magnitude não era previsível aquando da aprovação das condições gerais da concessão, o equilíbrio-financeiro do contrato e retira à Assembleia competências em matéria financeira que lhes estão reservadas.” 

Já quanto à necessidade de autorização prévia da Assembleia Municipal para repartição de encargos referiu o Tribunal que “(…) as despesas que deem lugar a encargos orçamental em mais de um ano económico ou em ano que não seja o da sua realização não pode ser efetivado sem prévia autorização conferida em portaria conjunta do Ministério das Finanças e do respetivo ministro, que é substituído pelo órgão deliberativo, nos casos das autarquias.”

Porém, a autorização do órgão é dispensada, se as despesas plurianuais decorrerem de “planos ou programas plurianuais legalmente aprovados”.

Assim, in casu, concluiu o Tribunal que o Município de Amarante demonstra efetivamente no anexo IV remetido ao Tribunal que os Encargos orçamentais para 2023, no valor de €106.093,89, afetos ao serviço público de transporte de passageiros se inserem no Plano Plurianual de Investimento (PPI), pelo que não foi incumprido o disposto na lei, podendo a Câmara Municipal autorizar a despesa.

Por fim, relativamente à ausência do parecer prévio da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, considerou o Tribunal que o Município de Amarante não tem razão pois “o que é dito (n.º 172) é que a existência da nulidade decorrente do art. 284.º, n.º 1, al. a) do CCP, em articulação com o art. 58.º, n.º 1 CPTA, preclude a análise das demais questões de invalidade, soba forma de anulabilidade, como é aqui o caso, que poderiam conduzir, também, enquadradas no art. 44.º, n.º 3 LOPTC, uma recusa de visto.”  

DECISÃO

Em face da argumentação exposta, o Tribunal de Contas decidiu julgar improcedente, em parte, o presente recurso e pela manutenção da recusa de concessão de visto ao contrato sub judice.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS 

Do teor da decisão analisada é possível retirar o entendimento de que, aquando da aprovação da concessão pela Assembleia municipal, não se encontrar previstas já possíveis alterações à concessão, as alterações ao contrato que alterem o equilíbrio financeiro inicial, ou seja, as alterações que resultem em um aumento de encargos para a entidade pública, terão de ser sujeitas a uma nova autorização por parte da Assembleia, uma vez que não era previsível tais alterações.

Por outro lado, relativamente à necessidade de autorização prévia da Assembleia municipal para a repartição de encargos é possível retirar o entendimento de que tal autorização fica dispensada sempre que as despesas plurianuais decorram de “planos ou programas plurianuais legalmente aprovados”.

2.
N.º DO ACÓRDÃO: 26/2022
RELATOR:Conselheiro António Martins
DATA: 27 de setembro de 2022
ASSUNTO:  Recusa de visto ao contrato objeto de fiscalização prévia

ENQUADRAMENTO 

O presente processo decorreu do recurso interposto Instituto de Informática, I.P., - Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social de uma decisão de não concessão de visto ao contrato celebrado com a Sociedade Claranet Talent, S.A.

O contrato de prestação de serviços em apreço, outorgado em 6 de dezembro de 2021, teve como objeto o a aquisição de serviços de “suporte para iniciativas planeadas do Departamento de Administração de Sistemas (DAS)”, no valor de €829.792,00.

O contrato em causa teve como critério único de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa, de acordo com os seguintes critérios: a) preço: 40%; b) Mérito Técnico: 40%; c) Competências e Experiencia: 20%.

Foram apresentadas 3 propostas de: PrimelT Consulting, S.A., Aubay Portugal, S.A.; IDW – Consultadoria e Serviços de Informação, Lda. e Claranet Talent, S.A., tendo a proposta apresentada pela PrimelT Consulting, S.A. sido excluída para todos os lotes, uma vez que não continha todos os elementos necessários.

Já em sede de audiência prévia, a sociedade Claranet Talent, S.A. apresentou pronuncia, invocando que a proposta apresentada pela IDW – Consultadoria e Serviços de Informação, Lda deveria ser excluída uma vez que a mesma não apresentou os certificados em português e por existirem certificados sem data de validade.

Neste sentido, o júri deu razão à sociedade Claranet Talent, S.A., excluindo a proposta da IDW – Consultadoria e Serviços de Informação, Lda relativamente aos Lotes 4 e 5.

A IDW – Consultadoria e Serviços de Informação, Lda. veio a pronunciar-se sobre a declaração do júri, porém, o júri decidiu manter a proposta de exclusão da IDW – Consultadoria e Serviços de Informação, Lda.

Tal decisão levou a que o Conselho Diretivo do Instituto da Informática, I.P. aprovasse a adjudicação dos Lotes 1, 2, 3, 4 e 6 à empresa Claranet Talent, S.A. pelo preço global de €829.792,00.

Levado o referido contrato a fiscalização prévia, o Tribunal não concedeu visto ao contrato celebrado com a empresa Claranet Talent, S.A..

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL

O Tribunal de Contas, ao apreciar o recurso, estruturou a sua análise nas seguintes questões a analisar:

i)                Da admissibilidade de junção de documentos nesta fase processual de recurso e do fundamento de aditamento de factos que vem requerido, com base nessa prova documental;

ii)               Aferir se o instituto deveria ou não ter lançado mão do mecanismo de suprimento de irregularidades.

Relativamente à primeira questão referiu o Tribunal que “não estamos perante a situação excecional a que se refere o art. 425.º do CPC, porquanto não vem alegado nem demonstrado que sejam “documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”, ou seja, até ao momento do encerramento da discussão.”

Porém, in casu, o Tribunal entendeu que, tendo em consideração o sentido da decisão proferida em 1.º instância, de recusa do visto e os fundamentos invocados nas alegações com vista à reponderação daquela decisão, admitiu a junção aos autos dos documentos por entender que estejamos perante o caso de “junção se ter necessária em virtude do julgamento proferido em 1.º instância”.

Já quanto ao aditamento dos factos, considerou o Tribunal, desde logo, que os factos C) e D) não são considerados “factos”, mas antes valorização, conclusões ou alegações da recorrente.

Já quanto aos factos A), B) e E) julgou parcialmente procedente a pretensão da conclusão, determinando o aditamento à matéria de facto provada.

Por fim, relativamente à questão de mérito, designadamente quanto à falta de junção pela IDW – Consultadoria e Serviços de Informação, Lda da tradução dos documentos, considerou o Tribunal que são situações distintas as de um concorrente que não apresenta qualquer documento no qual deve estar corporizado um atributo não submetido à concorrência e a de um concorrente que apresente tal documento, mas o faz de modo formalmente incorreto.

Deste modo, entendeu o Tribunal que no caso em apreço não havia falta de um atributo (pois foi junto um documento apesar de não estar junta a sua tradução) mas apenas uma violação de formalidade passível de sanação.

Neste sentido, entendeu o Tribunal que não se reconduzindo o caso a uma total omissão da apresentação dos documentos, mas apenas à falta de junção da sua tradução, se deveria ter lançado mão do mecanismo de suprimento da irregularidade.

Tal mecanismo previsto no artigo 72.º, n.º 3 do CCP tem como objetivo a simplificação, desburocratização e flexibilização” e evitar “exclusões desproporcionadas e prejudiciais para o interesse público.

Assim, a correta interpretação do referido artigo deveria, pois, a de que impõe à entidade adjudicante o dever de convidar o proponente a suprir irregularidades não essenciais da sua proposta, mas que careçam de suprimento por poderem conduzir à exclusão da proposta, não existindo qualquer contradição entre esse convite à regularização e a previsão de exclusão da proposta, pois é a “própria lei que expressamente prevê o mecanismo de regularização nesse caso.”

Por fim, concluindo o Tribunal que a entidade adjudicante poderia ter lançado mão este mecanismo, o mesmo prossegue a sua análise no sentido de aferir se o convite à junção da tradução poderia afetar o núcleo essencial ou levar a uma alteração dos elementos essenciais da proposta.

Para o efeito, referiu o Tribunal que estávamos perante uma formalidade não essencial cujo suprimento não violaria os princípios da concorrência, da igualdade ou da intangibilidade das propostas.

Pelo que, a decisão tomada pelo júri do concurso, de exclusão do concorrente IDW – Consultadoria e Serviços de Informação, Lda. fundada na falta da indicação dos prazos de validade das certificações é uma decisão ilegal.

Em suma, concluiu o Tribunal que “(…) foram cometidas ilegalidade que tiveram inegável influência no resultado financeiro do contrato, atendendo ao valor mais baixo da proposta do concorrente excluído, sendo que é jurisprudência unanime deste tribunal que a alteração do resultado financeiro do contrato pode ser meramente potencial e que este ocorre quando no âmbito de procedimento regulado pelo CCP se violam regras fundamentais sobre o imperativo de um procedimento concorrencial.

Mais acrescentou o Tribunal que não se pode proceder o alegado pelo Instituto de Informática, I.P., - Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social quanto à suposta irrelevância da diferença de preço das propostas da IDW – Consultadoria e Serviços de Informação, Lda. e da Claranet, uma vez que na ponderação de todos os fatores a IDW – Consultadoria e Serviços de Informação, Lda. obteve uma pontuação superior, tendo por isso ficado ordenada em 1.º lugar no lote 4. Ou seja, apesar de a proposta da Claranet ter uma melhor classificação no “mérito técnico” a pontuação superior obtida pela IDW – Consultadoria e Serviços de Informação, Lda. no facto preço levou a que esta tivesse a melhor classificação.

DECISÃO

Em face da argumentação exposta, o Tribunal de Contas decidiu julgar improcedente, o presente recurso e pela manutenção da recusa de concessão de visto ao contrato sub judice.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS 

Do teor da decisão analisada é possível retirar o entendimento de que são situações distintas a omissão total de documentos e a irregularidade.

Pois nos casos em que haja apenas irregularidades formais a entidade adjudicante poderá lançar mão do mecanismo de regularização da proposta, uma vez que se trata apenas de um convite à junção da tradução de documentos apresentados, o que consubstancia uma formalidade não essencial, e, portanto, não interfere com o princípio da concorrência e com o princípio da igualdade.

Estando junto o original desde o início é sempre possível controlar se a tradução posteriormente apresentada corresponde efetivamente ao que na proposta inicial foi apresentada.

***

Lisboa, 13 de janeiro de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Reigoto

Tax litigation team

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