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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (2º Trimestre de 2024)

23 Agosto 2024
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (2º Trimestre de 2024)
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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (2º Trimestre de 2024)

23 Agosto 2024

Pretende-se, com a presente informação, apresentar uma síntese dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Contas – à semelhança do que fazemos em relação às decisões do Centro de Arbitragem Administrativa e, também, do Tribunal de Justiça da União Europeia, descrevendo os factos, a apreciação do Tribunal, a respetiva decisão e analisando, ainda, qual o impacto que a mesma pode ter na determinação das condutas a adotar pela Administração Pública.

Mantêm-se, assim, as nossas informações periódicas, também em matéria de Finanças Públicas, Direito Financeiro e Orçamental e de Contabilidade Pública.

N.º DO ACÓRDÃO: 16/2024
RELATOR: Conselheiro António Francisco Martins
DATA: 24 de abril de 2024
ASSUNTO: Recurso ordinário relativo a elementos essenciais do contrato e infrações financeiras sancionatórias

ENQUADRAMENTO

A questão que se coloca no recurso ordinário aqui em causa é a de saber se se aplica a infração financeira sancionatória prevista e punível pelo facto de os contratos em procedimentos de aquisição de serviços não conterem os elementos obrigatórios– omissão de exigência de caução e a indicação dos atos de adjudicação e dos atos de aprovação das respetivas minutas, bem como, se tal origina a nulidade dos contratos nos termos do artigo 96.º do Código dos Contratos Públicos (CCP).

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL

No que respeita ao preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo das infrações imputadas ao demandado, começa o Tribunal por relembrar que “(…) para que possamos concluir pelo cometimento de uma infração financeira sancionatória exige-se o preenchimento do elemento objetivo, ou seja, uma conduta que viole qualquer dos tipos legais previstos nas várias alíneas do referido art. 65.º da LOPTC, mas também a verificação do elemento subjetivo, consubstanciado numa atuação culposa do agente, pelo que o não preenchimento de qualquer destes elementos tem como consequência não se poder concluir pela prática de infração financeira (…)”, sendo certo que a conduta pode consistir numa ação, contrária aos deveres funcionais do agente ou agentes da ação ou numa omissão, que era devida em função daqueles deveres funcionais e não foi levada a cabo e, nessa medida, tal agente poder ser considerado responsável.

 Porém, “(…) não basta uma conduta objetivamente tipificada como infração financeira sancionatória, por parte duma concreta pessoa, que tenha a qualidade de agente da ação. Com efeito, a responsabilidade financeira sancionatória exige a culpa do agente, na realização ou omissão da ação, nas modalidades de dolo ou negligência, pelo que só com o preenchimento, também deste elemento subjetivo, poderemos estar perante uma infração financeira (…). A culpa, na modalidade de negligência, implica uma censura à conduta do agente, porquanto, em função da qualidade e responsabilidade de que estava investido, tinha o dever de observar e cumprir regras e procedimentos e na medida em que não tenha tido o cuidado e zelo devidos no cumprimento dos seus deveres funcionais é de concluir que agiu com culpa.”.

Deste modo, e de acordo com o entendimento sufragado pelo Tribunal, se o agente ao atuar, representa como possível a realização de um facto ilícito, mas atua sem se conformar com essa realização, haverá negligência consciente (alínea a) do artigo 15.º do Código Penal), já se nem sequer chega a representar essa possibilidade, haverá negligência inconsciente, (alínea b) do artigo 15.º do Código Penal).

Neste ínterim, e tendo em conta a improcedência da impugnação da matéria de facto, considera o Tribunal que não se mostra provado que o agente tenha agido com culpa, a qualquer título, nem negligentemente, pelo que não se mostra preenchido o elemento subjetivo das infrações em causa.

No que aos elementos essenciais concerne, considera o Tribunal, “ressalvada melhor opinião naturalmente, que assiste razão ao recorrente quando refere que o “ato de adjudicação” e o “ato de aprovação da minuta do contrato” não constam dos documentos referenciados no n.º 2 do artigo 96.º citado, pois no momento em que estes documentos são produzidos e que fazem parte integrante do contrato por força daquele n.º 2, ainda não houve o “ato de adjudicação” nem o “ato de aprovação da minuta do contrato” e, consequentemente, não podem aí ser mencionados. A menos, quanto ao “ato de adjudicação”, que este tenha sido aposto na própria proposta e, nessa medida, constando da mesma, nesses termos, faria parte integrante do contrato, o que não se mostra comprovado ser o caso dos autos.”.

Acrescenta o Tribunal que, “(…) o facto de os atos de aprovação das minutas e de adjudicação dos contratos estarem arquivados no “sistema de gestão documental da entidade adjudicante por referência aos respetivos procedimentos” (…), não tem a virtualidade de afastar a consequência da nulidade dos contratos, nos termos estabelecidos no n.º 7 do artigo 96.º, porquanto só é de afastar essa nulidade se tais atos “constarem dos documentos indicados no n.º 2”, o que não é o caso (…). Compreende-se que assim seja, porquanto a inclusão do ato de adjudicação e do ato de aprovação da minuta do contrato, no clausulado do contrato, visa concretizar a possibilidade de se conhecer publicamente (cf. artigo 465.º do CCP, onde se prevê a publicação obrigatória dos contratos públicos no portal) quem, na entidade adjudicante, tomou tais decisões, da sua legitimidade/competência para o efeito e aferir de eventuais conflitos de interesses, pelo que não é irrelevante que tais atos sejam acessíveis publicamente ou fiquem apenas acessíveis à entidade adjudicante, no seu arquivo documental.”.

Assim, e uma vez que o Tribunal considera que, ainda que seja possível concluir pela violação da obrigação de indicação do ato de adjudicação e do ato de aprovação da minuta do contrato (alínea b) do n.º 1 do artigo 96.º do CCP), estando como tal preenchido o elemento objetivo da infração (alínea l) do n.º 1 do artigo 65.º da LOPTC), não se mostrou provada factualidade que permita afirmar que o demandado agiu com culpa e não estando verificado o elemento subjetivo da infração, não se pode concluir pelo cometimento das infrações que lhe vêm imputadas, pelo que é de julgar improcedente o recurso.

DECISÃO

Conclui o Tribunal que não se mostrando preenchidos ambos os pressupostos, objetivo e subjetivo, de cada uma das infrações imputada ao demandado, é de responder negativamente à questão dos elementos objetivo e subjetivo das infrações imputadas ao demandado e, consequentemente, é de manter a decisão recorrida.

Decide, assim, o Tribunal julgar improcedente o recurso “e, em consequência, manter a decisão recorrida que julgou improcedente a ação e absolveu o demandado.”.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Sendo objetivamente cometida uma infração sancionatória, se não for comprovado o elemento subjetivo de culpa no cometimento dessa mesma infração, não haverá responsabilização pela prática daquela.

O que significa que, não especificado o concreto meio probatório que levaria à conclusão de que houve culpa, não se poderá valorar a prova de forma distinta da valoração na decisão recorrida, e não existindo, desse modo, o elemento subjetivo da culpa, não será o agente responsabilizado pela infração sancionatória cometida.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo

 

Know-How