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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (2º Trimestre de 2022)

13 Janeiro 2023
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (2º Trimestre de 2022)
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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (2º Trimestre de 2022)

13 Janeiro 2023

SUMÁRIO

Pretende-se, com a presente informação, apresentar uma síntese dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Contas – à semelhança do que fazemos em relação às decisões do Centro de Arbitragem Administrativa e, também, do Tribunal de Justiça da União Europeia – descrevendo os factos, a apreciação do Tribunal, a respetiva decisão e analisando, ainda, qual o impacto que a mesma pode ter na determinação das condutas a adotar pela Administração Pública.

Mantêm-se, assim, as nossas Informações periódicas, também em matéria de Finanças Públicas, Direito Financeiro e Orçamental e de Contabilidade Pública.

1.
N.º do acórdão: 12/2022
RELATOR:Conselheiro António Martins
DATA: 5 de abril de 2022
ASSUNTO:Regime de endividamento dos municípios

ENQUADRAMENTO

Em causa no presente processo está a decisão de não concessão de visto aos contratos celebrados entre o Município de Paredes e a Caixa Geral de Depósitos, S.A., no valor de € 10.506.961,50 e o Município de Paredes e o Banco BPI, S.A., no mesmo valor.

O contrato celebrado entre o Município de Paredes e a Caixa Geral de Depósitos, S.A., outorgado em 28 de julho de 2021, teve como objeto o empréstimo até € 10.506.961,50, com vista ao pagamento do resgate da concessão da exploração e gestão dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho de Paredes.

O contrato celebrado entre o Município de Paredes e o Banco BPI, S.A., outorgado em 28 de julho de 2021, teve, igualmente, como objeto o empréstimo até € 10.506.961,50, com vista ao pagamento do resgate da concessão da exploração e gestão dos sistemas de abastecimento de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho de Paredes.

Os contratos em causa foram outorgados na sequência de procedimento no qual foram feitos 8 convites pelo Município de Paredes para apresentação de crédito até € 21.013.923,00 e no qual só cinco das instituições de crédito convidadas apresentaram proposta.

O Banco BPI, S.A. apresentou a proposta mais favorável, com o spread mais baixo de 0,623%, para apenas €10.506.961,50, pelo que o restante montante foi adjudicado à proposta da CGD, que apresentou a segunda proposta mais vantajosa, com um spread de 0,83%.

Em 19 de janeiro de 2021, o Município de Paredes celebrou com a AP – Água de Paredes, S.A. um contrato de concessão da exploração e gestão dos sistemas de abastecimentos de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho de Paredes.

Após estudo contratos pelo Município de Paredes, com vista a aferir o modelo mais adequado para a exploração dos serviços em causa, concluiu o Município de Paredes que o modelo mais adequado para a exploração dos serviços em causa seria a gestão direta, através dos seus serviços municipais.

E, neste sentido, a Câmara Municipal de Paredes deliberou, em 16 de setembro de 2020, exercer o direito de resgate da concessão da exploração e gestão dos sistemas de abastecimentos de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho de Paredes, retomando ao Município de Paredes a gestão direta do serviço atualmente concedida à AP – Água de Paredes, S.A.. e, bem assim, fixar o valor do resgate a pagar à concessionária no montante de €21.013,924, correspondente a: €4.618.822, relativos a lucros cessantes: €469.713, relativos a contadores e outras aquisições.

Posteriormente, após sessão extraordinária, a Assembleia Municipal de Paredes deliberou autorizar a Câmara Municipal, nos termos da lei e da proposta apresentada pela Câmara Municipal, a exercer o direito de resgate da concessão da exploração e gestão dos sistemas de abastecimentos de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho de paredes e, consequentemente, aprovou a proposta para a contratação de empréstimo de médio e longo prazo para “pagamento do preço do resgate da concessão da exploração e gestão dos sistemas de abastecimentos de água para consumo público e de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do concelho de paredes”.

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL

Tendo em consideração a situação fática o Tribunal centra a sua análise nas seguintes questões:

  1. Saber se o valor do resgate fixado pelo Município de Paredes é suficiente para extinguir todas as responsabilidades para com o concessionário; e
  2. Saber se estão reunidos todos os requisitos legais para que o Município de Paredes possa ultrapassar o limite do endividamento autárquico.

Relativamente à primeira questão refere o Tribunal que, o regime de crédito e de endividamento municipal se encontra consagrado no Capítulo V, do Titulo II, artigo 48.º e seguintes do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais e no qual estabelece que os municípios só podem contrair empréstimos, de médio e longo prazo para: (i) aplicação em investimentos; (ii) substituição de divida em condições especificas e (iii) proceder de acordo com os mecanismos de recuperação financeira municipal.

Neste sentido, entendeu o Tribunal que estando em causa dois contratos de empréstimos de longo prazo e não se destinando para qualquer uma das finalidades acima identificadas, não poderá o Município de Paredes proceder à contratação de tais empréstimos.

Porém, na Lei do Orçamento de Estado para 2015 veio a consagrar uma exceção ao limite de endividamento, permitindo que quando os municípios sejam condenados a pagar à concessionária de serviços municipais de abastecimento público de água ou de saneamento de água residuais urbanas certos montantes relativos ao respetivo contrato de concessão, possam contrair empréstimos destinados exclusivamente ao pagamento do resgate da concessão, mediante das condições fixadas.

Posteriormente, as Leis do Orçamento do Estado para 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 vieram consagrar novas exceções ao limite de endividamento, quer quanto às finalidades dos empréstimos a contrair, quer quanto às suas condições e prazos.

Neste sentido, considerou o Tribunal que o legislador ao consagrar esta exceção teve como objetivo “encontrar um ténue equilíbrio, mediante a possibilidade de satisfação dessas dívidas e o que isso possibilita em termos de alívio da gestão autárquica, mas sem que com isso se comprometam, em absoluto, os princípios e os objetivos orientadores do regime de crédito e endividamento municipal, entre os quais sobressaem os já assinalados, da “estabilidade orçamental”, da “solidariedade recíproca”, “da equidade intergeracional”, “do rigor e eficiência” e da “não exposição a riscos excessivos.”

Assim, o legislador pretendeu acautelar, sem um total rigor na terminologia jurídica, um denominador comum, ou seja, o de que esta ultrapassagem excecional do limite da dívida exequível, por ser exigível e líquida, se deve destinar, apenas e tão só, a permitir que os municípios possam contrair empréstimos com vista ao cumprimento das obrigações decorrentes de situações perfeitamente definidas e estabilizadas, quer por força de decisões transitadas em julgado (judiciais ou arbitrais), seja por força do resgate, mas com “extinção de todas as responsabilidades do município para com o concessionário”, seja na sequência de “acordos homologados por sentença judicial, decisão arbitral ou acordo extrajudicial” e, neste último caso, com “situações jurídicas constituídas” e “refletidas na cota do município”.

Assim, concluiu o Tribunal que a decisão de resgate e a determinação do valor de uma indemnização desse resgate é um ato unilateral da entidade concedente, suscetível de impugnação.

E, com efeito, sendo um ato administrativo impugnável entendeu o Tribunal que o ato não é um ato definitivo em si e, portanto, a dívida não é certa e definitiva com a mera decisão de resgate por parte do Município, mas antes seria se fosse aceite, expressa ou tacitamente, pela concessionária ou viesse a ser fixada por decisão judicial, caso houver impugnação.

Por fim, o referido regime previu, ainda, que do resgate de contrato de concessão se determine a extinção de todas as responsabilidades do município para com o concessionário.

Relativamente a esta questão, o Tribunal entendeu que a posição adotada pelo Município de Paredes de que da figura jurídica do “resgate de contrato de concessão” resulta de uma mera decisão unilateral, a extinção de todas as responsabilidades do município para com o concessionário, não tem cabimento, uma vez que tendo o concessionário impugnado o cálculo da indemnização levada a cabo pelo município, a dívida só se torna exequível e certa após decisão judicial.

Mais acrescentou o Tribunal que mesmo que fosse concedido visto e fossem concretizados esses dois empréstimos, tais valores acabariam por não serem utilizados para o pagamento da indemnização do resgate da concessão e, por outro lado, também não poderia ser utilizado para outra finalidade, dado que tais empréstimos não teriam sido contraídos para uma das finalidades previstas no RFALEI.

Deste modo, conclui o Tribunal que “não se verificam os pressupostos previstos no artigo 113.º, n.º 1, alínea b) da LOE2021, para poder ser ultrapassado, excecionalmente, o limite de endividamento previsto no n.º 1 do artigo 52.º do RFALEI, porquanto o requerente/recorrido não fez prova de que, do ato administrativo de resgate da concessão que adotou, resultou a extinção de todas as responsabilidades para com o concessionário.”

DECISÃO

Em face da argumentação exposta, o Tribunal de Contas decidiu pela improcedência do recurso e pela manutenção da recusa de concessão de visto ao contrato sub judice.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Do teor da decisão analisada é possível retirar o entendimento de que a exceção ao limite de endividamento apenas é permitida nos casos de contratação de empréstimos destinados exclusivamente ao pagamento do resgate de concessão de serviços públicos de água ou de saneamento de água residuais, verificadas determinadas condições.

***

Lisboa, 13 de janeiro de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Reigoto

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