Pretende-se, com a presente informação, apresentar uma síntese dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Contas – à semelhança do que fazemos em relação às decisões do Centro de Arbitragem Administrativa e, também, do Tribunal de Justiça da União Europeia –, descrevendo os factos, a apreciação do Tribunal, a respetiva decisão e analisando, ainda, qual o impacto que a mesma pode ter na determinação das condutas a adotar pela administração pública.
Mantêm-se, assim, as nossas informações periódicas, também em matéria de finanças públicas, direito financeiro e orçamental e de contabilidade pública.
N.º DO ACÓRDÃO: 6/2024
RELATOR: Conselheiro António Martins
DATA: 28 de fevereiro de 2024
ASSUNTO: Recurso extraordinário de revisão com fundamento em “documento novo ou superveniente”.
ENQUADRAMENTO
A questão que se coloca no recurso extraordinário aqui em causa é a de saber se o legislador ao estabelecer que “o recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever” e que o requerimento de interposição “é autuado por apenso”, consagra que o juiz natural para julgar o recurso extraordinário de revisão é o juiz do processo onde foi proferida a decisão recorrida ou se, ao invés, pode ser julgado por um juiz que não tenha tido intervenção na decisão recorrida transitada em julgado, sendo o fundamento do recurso de revisão a existência de um documento novo ou superveniente.
APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL
Começa o Tribunal por referir que cumpre analisar os fundamentos invocados nomeadamente, a alegada violação das exigências de um processo equitativo e, em particular, a garantia de apreciação da sua pretensão por um tribunal independente e imparcial.
Considera o Tribunal, antes de mais, que a única dimensão da imparcialidade que poderia estar em causa seria no sentido objetivo, i.e., a forma de composição do mesmo não oferecer garantias suficientes, a uma pessoa razoável, bem informada, objetiva e de boa-fé, sobre essa imparcialidade, sendo antes tal forma de composição do Tribunal suscetível de gerar dúvidas legítimas quanto a tal imparcialidade.
E, a este respeito, elucida o Tribunal que, “as garantias do “processo equitativo” e do direito a um “tribunal imparcial”, não só não impõem a apreciação do recurso extraordinário de revisão por juiz diferente do que prolatou a decisão recorrida, como a própria estrutura do recurso extraordinário de revisão exige mesmo que assim seja.”.
Acrescenta que, “não estamos perante um recurso ordinário de impugnação de uma decisão, não transitada, com vista a ser reapreciada por um tribunal superior”, pelo que, o recurso extraordinário de revisão só encontra fundamento dogmático ou justificação no facto de, em determinadas circunstâncias, as exigências de justiça deverem sobrelevar em relação às exigências de segurança e de certeza que são inerentes ao caso julgado.
Ora, essas circunstâncias prendem-se não com qualquer erro na valoração da prova, ou na aplicação do direito, que tenha sido cometido na decisão objeto de recurso de revisão e para o qual se procure uma solução pelo recurso ordinário, mas antes em causas ou circunstâncias exógenas àquela decisão.
Deste modo, na circunstância de existir um documento novo ou superveniente, que não foi tomado em consideração no acórdão objeto do recurso de revisão, porque aí não foi apresentado, tratar-se-á de uma prova que não foi anteriormente objeto de qualquer valoração e/ou decisão, por parte do Tribunal.
Motivo pelo qual, entende o Tribunal não se vislumbrar qualquer preconceito, que prejudique a sua imparcialidade e independência, por parte do juiz relator do Acórdão recorrido, já que o mesmo não conheceu nem teve oportunidade de valorar aquele documento que é novo e superveniente.
Mais: “as garantias do “processo equitativo” e do direito a um “tribunal imparcial” foram asseguradas ao longo de todo o processo em que foi proferida a decisão final, transitada em julgado, tendo os ora reclamantes podido recorrer da decisão proferida em primeira instância por juiz singular, como recorreram, com reapreciação daquela decisão por um coletivo composto por três juízes e, ainda, tiveram possibilidade de recorrer, com fundamento em inconstitucionalidade, para o Tribunal Constitucional, que julgou improcedente tal recurso, na sequência do que transitou em julgado a decisão que ora se pretende rever.”.
Assim, o que está em causa no presente recurso extraordinário de revisão é a circunstância excecional, de se colocar em causa a estabilidade e segurança jurídica próprias do caso julgado, possibilitando ao tribunal que proferiu a decisão transitada, uma reapreciação da sua decisão, à luz de um novo elemento de prova que não esteve disponível anteriormente e que, por si só, implica uma decisão diferente da que foi proferida.
Porém, esclarece o Tribunal que “(…) a jurisprudência do TEDH, efetuando precisamente os “dois testes” invocados pelos reclamantes, teve oportunidade de afirmar, no que respeita ao “teste objetivo” que os requisitos de um julgamento justo, garantidos pelo artigo 6.º, n.º 1, da Convenção, não impedem automaticamente que o mesmo juiz desempenhe sucessivamente diferentes funções no âmbito do mesmo caso (estava em causa um processo civil), considerando que não é prima facie incompatível com os requisitos desta disposição se o mesmo juiz estiver envolvido, primeiro, numa decisão sobre o mérito de um caso e, posteriormente, numa decisão em que é decidida a admissibilidade de um recurso contra aquela decisão (Case of Warsicka v. Poland, §§ 38 a 47).”.
Crê, ainda, o Tribunal que um documento permite o recurso de revisão extraordinário, quando novo ou superveniente, “(…) é um documento que já existia, mas de que a parte não teve dele conhecimento no decurso do processo ou, não obstante soubesse da possibilidade da sua existência, não pode anteriormente aceder ao mesmo ou utilizá-lo como prova.”.
Quanto ao teor do documento agora apresentado, esclarece o Tribunal que a declaração constante do ofício subscrito pelo Inspetor-Geral da IGF, não constitui mais do que uma mera declaração pessoal e, em bom rigor, legalmente inadmissível, já que se trata de um testemunho por depoimento escrito, sem que a pessoa tenha sequer a possibilidade legal de depor dessa forma, e tratando-se de uma declaração pessoal é irrelevante, por falta de indicação de razão de ciência.
Por todo o exposto, considerou o Tribunal ser de “concluir que não ocorre qualquer invalidade do despacho reclamado, que justifique a sua revogação e substituição por outro a ordenar a prossecução do recurso de revisão interposto.”.
DECISÃO
Decidiu, assim, o Tribunal, julgar improcedente a presente reclamação e manter o despacho reclamado, que rejeitou liminarmente o recurso extraordinário de revisão.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
O recurso extraordinário de revisão só encontra fundamento dogmático ou justificação no facto de, em determinadas circunstâncias, as exigências de justiça deverem sobrelevar em relação às exigências de segurança e de certeza que são inerentes ao caso julgado.
O recurso de revisão com fundamento em documento novo ou superveniente tem por base o entendimento por parte do legislador de que esse documento seja, por si só, suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida e de que o mesmo tribunal faça uma reponderação da decisão anteriormente proferida.
Deste modo, o legislador ao prever que “o recurso é interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever” e que o requerimento de interposição “é autuado por apenso”, consagra que o juiz natural para julgar o recurso extraordinário de revisão é o juiz do processo onde foi proferida a decisão recorrida.
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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo