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Rendimentos de criptomoedas em IRS (UPDATE 2022)

04 Março 2022
Rendimentos de criptomoedas em IRS (UPDATE 2022)
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Rendimentos de criptomoedas em IRS (UPDATE 2022)

04 Março 2022

SUMÁRIO

As criptomoedas têm um impacto significativo no plano financeiro internacional, mas continuam a não dispor de regulamentação específica, em Portugal, e o enquadramento fiscal dos rendimentos delas derivados está, ainda, por definir.

Atualmente, a Administração tributária mantém a sua interpretação da lei e do tratamento fiscal dos rendimentos decorrentes de investimentos em criptomoedas, em sede de IRS. No entanto, face à inexistência de normas específicas de tributação e, bem assim, de qualquer exclusão juridicamente expressa, permanece alguma incerteza quanto ao quadro fiscal aplicável.

INTRODUÇÃO

A natureza das moedas tem evoluído ao longo do tempo, passando pela moeda escritural – notas de banco, passíveis de troca por ouro ou prata –, até à moeda fiduciária – a qual não tem valor intrínseco, mas que é declarada como tendo curso legal e emitida por um Banco Central, o qual mantém o seu valor estável.

A moeda atual pode também existir sem ter uma representação física: numa conta bancária sob a forma de um registo informático ou estar depositada numa conta-poupança.

Esta moeda, digital ou eletrónica, consiste num valor monetário registado, por exemplo, num cartão pré-pago ou num smartphone.

Contudo, outras moedas digitais não são regulamentadas e permanecem à margem do controlo de uma autoridade reguladora centralizada, como um Banco Central e, deste modo, do ponto de vista jurídico, essas moedas não são consideradas dinheiro, pois carecem de curso legal, sendo esse, precisamente, o caso das criptomoedas.

As criptomoedas correspondem, na prática, a linhas de código informático, às quais é atribuído determinado valor. Sendo estes ativos transacionados mediante validação num sistema descentralizado de bases de dados (peer-to-peer network) que armazena permanentemente o registo de todas as transações efetuadas (blockchain), em regra, a criptomoeda permanece protegida de falsificações ou roubos e, bem assim, a identidade do seu titular fica preservada.

O legislador português define ativo virtual como “uma representação digital de valor que não esteja necessariamente ligada a uma moeda legalmente estabelecida e que não possua o estatuto jurídico de moeda fiduciária, mas que é aceite por pessoas singulares ou coletivas como meio de troca ou de investimento e que pode ser transferida, armazenada e comercializada por via eletrónica”.

Todavia, esta definição está longe de solucionar os problemas relacionados com a qualificação e, consequentemente, com o enquadramento jurídico-tributário das criptomoedas em Portugal.

A PROBLEMÁTICA

bitcoin, uma de entre as várias criptomoedas cuja popularidade tem crescido em todo o mundo, mantem-se em destaque como a moeda que mais valorizou nos últimos anos, continuando a valer mais do que o ouro. De facto, as criptomoedas ganharam relevo no plano financeiro internacional, sendo usadas como investimento de elevado retorno financeiro e sendo também utilizadas como refúgio dos investidores para proteção dos seus ativos financeiros.

Contudo, o motivo para a sua escolha consubstancia, também, o seu maior problema: sendo um valor digital não sujeito aos constrangimentos das políticas monetárias e cambiais definidas e controladas pelos Bancos Centrais, tal ausência de controlo regulatório potencia a sua volatilidade e manipulação.

Atentas estas características, e por não haver enquadramento legal concreto relativamente às criptomoedas, levantam-se dúvidas quanto ao seu enquadramento legal, em particular, quanto à sua tributação em Portugal.

O ENQUADRAMENTO FISCAL

No quadro da lei fiscal portuguesa, as pessoas singulares são tributadas em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), o qual compreende várias categorias de rendimentos.

No que respeita, em concreto, aos incrementos patrimoniais, estes são tributados no âmbito da categoria G do IRS. Contudo, esta categoria de rendimentos é uma categoria fechada, onde não cabe todo o tipo de incrementos patrimoniais, mas, essencialmente, apenas mais-valias mobiliárias (realizadas através da venda de valores mobiliários) e imobiliárias (realizadas através da venda de bens imóveis).

Ora, sendo uma categoria fechada, e não se encontrando nela especificamente previstos os ganhos com a venda de ativos como as criptomoedas, poderia, à partida, dizer-se que os incrementos patrimoniais derivados do investimento em criptomoedas não estariam sujeitos a IRS.

Contudo, existem outras categorias do IRS nas quais este rendimento – os ganhos derivados da compra e venda de criptomoedas – poderá cair: a categoria E (rendimentos de capitais) e a categoria B (rendimentos empresariais e profissionais).

De facto, tanto uma como outra são categorias de rendimentos abertas (a última apenas na medida em que exista uma atividade empresarial ou profissional associada).

Com efeito, e atendendo à letra da lei, é sustentável que os rendimentos derivados do investimento em criptomoedas representem um ganho do investimento de capital e sejam tributados no âmbito da categoria E.

Por outro lado, e sempre que a atividade de investimento em criptomoedas seja realizada de forma profissional – o que implica uma análise concertada de toda a situação pessoal e fiscal do investidor e a verificação de certas características e pressupostos –, os respetivos ganhos deverão ser tributados no âmbito da categoria B.

A INTERPRETAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

Sem prejuízo deste quadro legal, na ausência de menção expressa ao tipo de ativos que as criptomoedas consubstanciam, podem, efetivamente, ser feitas várias interpretações da lei.

Ora, segundo uma primeira informação vinculativa proferida pela Administração tributária quanto a este tema, os ganhos obtidos com a compra e venda de criptomoedas não são tributados em Portugal, conquanto não esteja em causa uma atividade profissional ou empresarial do contribuinte. Com efeito, a Administração tributária indicou considerar que o rendimento decorrente da venda de criptomoedas não será tributável em sede de IRS, designadamente no âmbito da categoria E (rendimentos de capitais) ou G (mais-valias), independente do valor dos ganhos alcançados. Assim, a não ser que o contribuinte exerça a atividade de compra e venda de criptomoedas de forma profissional, não será tributado em sede de IRS por ganhos relativos á compra e venda de moedas virtuais. Apenas haverá lugar a tributação de mais-valias “quando, pela sua habitualidade, constitua uma atividade profissional ou empresarial do contribuinte, caso em que será tributado na categoria B”.

Com efeito, a “habitualidade” é um dos vários critérios utilizados para se aferir se determinada atividade é levada a cabo de forma profissional ou com características empresariais, critérios estes que terão, sempre, de ser aferidos em conjugação com a restante vida pessoal e profissional do sujeito passivo.

Noutro sentido, através de e-mail de resposta a uma questão colocada por um contribuinte através do e-balcão, a Administração tributária avançou que “pese embora a atual legislação fiscal portuguesa não contemple especificamente esse tipo de atividade, somos do entendimento que tais rendimentos configuram uma distribuição de lucros, na proporção da sua participação (investimento)”, concluindo que “nesses termos, estar-se-á perante rendimentos de capitais, conforme previsto no artigo 5.º do código do IRS”. Contudo, tal informação não foi divulgada de forma genérica nem oficial pela Administração tributária pelo que não deverá ser entendida como a respetiva posição oficial. Em qualquer caso, fica clara a falta de consenso sobre a matéria, mesmo no seio da Administração tributária, continuando o tema a ser controvertido.

Numa outra informação vinculativa proferida pela Administração tributária quanto a este tema, versando não sobre IRS, mas sim sobre Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), veiculou-se o entendimento já assumindo pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual já esclareceu que “a bitcoin, tal como as divisas tradicionais que têm valor liberatório, não tem outra finalidade que não servir como meio de pagamento”. Isto significa que “tratando-se de meios de pagamento cuja função se esgota em si mesmo, a sua simples transferência não constituir um facto gerador do [IVA]”.

Por outro lado, operações que consistam no câmbio desta divisa virtual por divisas tradicionais, ou vice-versa, efetuadas a título oneroso, que sejam tributáveis em Portugal por via das regras de localização previstas no Código do IVA, consideram-se isentas de imposto ao abrigo do artigo 9.º, alínea 27), subalínea d) do Código do IVA.

CONCLUSÕES

A inexistência de regulamentação e enquadramento específico para este tipo de rendimentos mantém-se até hoje.

Assim, a falta de um quadro legal permanece, tal como a respetiva interpretação por parte da Administração tributária, a qual, até à data, e tanto quanto sabemos, não promoveu a tributação dos ganhos derivados do investimento em criptomoedas por investidores individuais,

Note-se que nos referimos, aqui, apenas ao investimento em criptomoedas, através da sua compra e venda, e não da sua mineração ou do seu recebimento enquanto pagamento de bens ou de serviços. Com efeito, esses fluxos são distintos e terão o seu próprio enquadramento.

Ademais, a perspetiva acima explanada é, de facto, a do investidor individual, seja a título esporádico ou profissional, e não do investidor-empresa. De facto, as empresas são tributadas em Portugal em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), o qual incide sobre o respetivo lucro. Com efeito, na medida em que os ganhos realizados com criptomoedas sejam registados na contabilidade da empresa, concorrerão para o lucro tributável da mesma.

Dito isto, o enquadramento tributário das criptomoedas, em Portugal, em 2022, mantém-se: em princípio, os ganhos realizados, por investidores individuais, através da compra e venda de criptomoedas estará excluído de tributação em sede de IRS (a não ser na ótica de atividade profissional ou empresarial, o que implica uma análise global da situação concreta do sujeito passivo).

Sem prejuízo, é aconselhável que os contribuintes mantenham um registo capaz de justificar a origem dos seus rendimentos, especialmente caso efetuem certas despesas, potencialmente vistas, pelo legislador fiscal, como manifestações de fortuna.

Em face ao exposto, concluímos que a atual carência de enquadramento tributário das criptomoedas mantem Portugal na (cada vez mais curta) lista de países que ainda não tributam, como regra, os rendimentos com origem neste tipo de ativos, podendo consolidar-se como um destino atrativo para os investidores.

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Lisboa, 04 de março de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Duarte Ornelas Monteiro
Joana Marques Alves
Ricardo Miguel Martins
Vanessa Lopes Rodrigues
Teresa Verdasca Salgueiro
Gonçalo Brites Silva
Marta Cabugueira Leal
João Rebelo Maltez

 (Private Clients Team)

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