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Proposta de nova Diretiva Europeia: a implementação do BEPS 2.0 E do imposto mínimo e suas consequências para Portugal

02 Maio 2022
Proposta de nova Diretiva Europeia:  a implementação do BEPS 2.0 E do imposto mínimo e suas consequências  para Portugal
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Proposta de nova Diretiva Europeia: a implementação do BEPS 2.0 E do imposto mínimo e suas consequências para Portugal

02 Maio 2022

SUMÁRIO

No âmbito do projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) 2.0, a esmagadora maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) acordaram em dar resposta aos desafios existentes em matéria de evasão fiscal internacional e em limitar a concorrência fiscal excessiva entre jurisdições.

Deste projeto resultou a criação de dois grandes conjuntos de medidas ou “pilares”.

O primeiro destes pilares consiste em medidas de realocação parcial dos direitos de tributação entre diferentes jurisdições, ao passo que o segundo pilar propõe a introdução de um nível de tributação efetiva mínimo sobre os grandes grupos multinacionais.

Na esteira das medidas previstas no segundo destes pilares, a Comissão Europeia apresentou, no passado dia 20 de dezembro de 2021, uma proposta de diretiva tendente à fixação, na Europa, de um nível mínimo de tributação efetiva para os grupos multinacionais (e para os grupos exclusivamente nacionais que operem no mercado único).

ENQUADRAMENTO

No âmbito do projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) 2.0, a esmagadora maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) acordaram em dar resposta aos desafios existentes em matéria de evasão fiscal internacional e em limitar a concorrência fiscal excessiva entre jurisdições.

Deste projeto resultou a criação de dois grandes conjuntos de medidas ou “pilares”.

O primeiro destes pilares consiste em medidas de realocação parcial dos direitos de tributação entre diferentes jurisdições, ao passo que o segundo pilar propõe a introdução de um nível de tributação efetiva mínimo sobre os grandes grupos multinacionais.

Na esteira das medidas previstas no segundo destes pilares, a Comissão Europeia apresentou, no passado dia 20 de dezembro de 2021, uma proposta de diretiva tendente à fixação, na Europa, de um nível mínimo de tributação efetiva para os grupos multinacionais (e para os grupos exclusivamente nacionais que operem no mercado único).

ÂMBITO DE APLICAÇÃO

No que respeita ao âmbito de aplicação da nova proposta de Diretiva, importa ter presente que as medidas por ela previstas se dirigem às entidades inseridas em grandes grupos multinacionais – ou grandes grupos nacionais que operem no mercado único – com um volume de negócios anual global mínimo de € 750.000.000, alcançado em pelo menos dois dos quatro períodos de tributação anteriores, com base em demonstrações financeiras consolidadas.

Com fundamento na preservação do princípio da neutralidade fiscal, e em conformidade com as regras da OCDE, estão excluídas do âmbito de aplicação da proposta de Diretiva as entidades públicas, a organizações internacionais, as organizações sem fins lucrativos, os fundos de pensões e, ainda, se situadas no topo de grupos multinacionais, entidades de investimento e veículos de investimento imobiliário.

Fora do âmbito de aplicação da Diretiva ficam, também, as entidades cujo capital social seja detido em, pelo menos, 95% por entidades excluídas.

CONCEITOS RELEVANTES

Para uma melhor compreensão da proposta de Diretiva em análise, importa, em primeiro lugar, conhecer alguns dos seus conceitos-chave:

  • entidade constituinte: entidade ou estabelecimento estável que integra um grupo empresarial multinacional ou um grande grupo nacional;
  • entidade-mãe final: entidade que se encontra no topo ou perto do topo da cadeia de propriedade do grupo multinacional;
  • entidade-mãe intermédia: entidade constituinte que detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital de outra entidade constituinte pertencente ao mesmo grupo multinacional, e que não possa ser considerada uma entidade-mãe final; e
  • entidade-mãe parcialmente detida: entidade-mãe intermédia detida, direta ou indiretamente, em mais de 20%, por entidade(s) terceira(s), isto é, exteriores ao grupo multinacional.

Importa ainda referir que, para efeitos desta proposta de Diretiva, uma entidade constituinte se considera localizada na jurisdição em que é residente fiscal.

Caso a localização não possa ser determinada com base nessa regra, considerar-se-á localizada na jurisdição em que foi criada.

AS NOVAS REGRAS

Conhecidos os conceitos-chave da nova proposta de Diretiva, importa ter presente que as medidas subjacentes ao segundo pilar do BEPS – que esteve na sua génese – consiste, essencialmente, em duas regras complementares que deverão ser transpostas para as legislações fiscais nacionais:

  •  a regra de inclusão de rendimentos; e
  • o seu mecanismo de proteção,  a regra dos pagamentos subtributados.

Estas regras são conhecidas, no seu conjunto, como as regras-modelo Global anti-Base Erosion (GloBE). 

A regra de inclusão de rendimentos consiste na aplicação de um imposto complementar ao nível da entidade-mãe final, quando a estrutura por esta encabeçada inclua outras entidades constituintes com rendimentos sujeitos a baixa tributação, situadas no mesmo ou noutro Estados-membro da União Europeia (UE), bem como em países terceiros.

Esta regra poderá aplicar-se, ainda, ao nível de uma entidade-mãe intermédia ou parcialmente detida, localizada na EU, que tenha a sua entidade-mãe final localizada num país terceiro onde esta não esteja sujeita a uma regra de inclusão de rendimentos.

O imposto complementar poderá ainda recair sobre uma entidade-mãe intermédia ou parcialmente detida cuja entidade-mãe final está localizada num país terceiro.

Neste caso, a lógica de aplicação da regra de inclusão de rendimento será aplicada de forma invertida, ou seja, será necessário começar pelas entidades constituintes totalmente detidas de nível mais baixo, até à primeira entidade-mãe intermédia ou parcialmente detida, que ficará sujeita ao imposto complementar.

Caso seja possível encontrar entidades-mãe intermédias ou parcialmente detidas entre aquela primeira e a entidade-mãe final (situada fora da UE), estas ficarão também sujeitas ao imposto complementar.

Contudo, uma vez encontrada a última entidade-mãe intermédia ou parcialmente detida antes da entidade-mãe final situada em país terceiro, 

 que não preveja uma regra de inclusão de rendimentos, a entidade-mãe intermédia ou parcialmente detida em causa (situada na UE) ficará sujeita ao imposto complementar no que respeita às entidades constituintes por si direta ou indiretamente detidas e que se encontrem sujeitas a baixa tributação, quer estas se situem na UE ou em países terceiros.

Conforme anteriormente referido, a regra de inclusão de rendimentos é ainda alargada, nos termos da Diretiva, aos grupos exclusivamente nacionais localizados num Estado-Membro, desde que estes operem no mercado único e atinjam, também eles, o volume de negócios mínimo anual de € 750.000.000.

Quanto à regra dos pagamentos subtributados, importa referir que esta regra funciona como um mecanismo de apoio à regra da inclusão de rendimentos, aplicando-se a situações em que a entidade-mãe final se localize fora da UE e que, embora essa jurisdição aplique uma regra de inclusão de rendimentos, essa entidade-mãe final e as suas filiais situadas na mesma jurisdição continuem sujeitas a um baixo nível de tributação.

Neste caso, quaisquer entidades constituintes localizadas na EU e pertencentes a esta estrutura ficarão sujeitas ao imposto complementar.

O cálculo e afetação do imposto complementar, calculado numa situação em que se aplique a regra dos rendimentos subtributados, tem por base o número de trabalhadores e o valor contabilístico dos ativos tangíveis das sociedades.

CÁLCULO DOS RENDIMENTOS ADMISSÍVEIS E DO IMPOSTO COMPLEMENTAR

O cálculo do imposto complementar a que ficam sujeitos os grupos multinacionais que preencham os requisitos da proposta de Diretiva é antecedido do cálculo dos rendimentos admissíveis para a determinação da taxa efetiva.

Neste âmbito, são tidos em conta, em primeiro lugar, os rendimentos ou prejuízos liquidados da contabilidade financeira do grupo multinacional, tal como determinados para efeitos de elaboração das demonstrações financeiras consolidadas.

Uma vez encontrada a taxa efetiva, a entidade-mãe final – ou a entidade-mãe intermédia ou parcialmente detida mais alta elegível – ficará sujeita ao imposto complementar, na medida da diferença entre a taxa efetiva calculada e a taxa de 15% da tributação global mínima que resulta da proposta de Diretiva, sem prejuízo da aplicação de alguns ajustes excecionais, taxativamente previstos na proposta de Diretiva.

Conforme já referido, a proposta de Diretiva de que nos ocupamos fixa a taxa mínima de tributação efetiva em 15%, na esteira dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do BEPS 2.0, sendo a percentagem do imposto complementar a aplicar em cada jurisdição calculada em função da diferença entre a taxa de imposto efetiva mínima de 15% e a taxa de imposto efetiva praticada na jurisdição em causa.

CONCLUSÕES

Embora a Diretiva de que nos ocupamos se encontre, ainda, na fase de proposta, é de referir que, em Portugal, a nossa taxa geral de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) é superior aos 15% ali previstos.

Neste sentido, as jurisdições com regimes fiscais tradicionalmente mais favoráveis, mesmo no seio da UE, poderão tornar-se menos atrativos para os grandes grupos multinacionais visados, o que se traduzirá num aumento da competitividade de Portugal no plano fiscal.

Por outro lado, importa referir que alguns dos regimes fiscais especiais que têm vindo a promover a nossa competitividade, ao atraírem investimento estrangeiro, poderão ainda existir sob a vigência da futura Diretiva.

A título de exemplo, refira-se o regime fiscal da Zona Franca da Madeira, que encontra justificação no estatuto da Região Autónoma da Madeira enquanto zona ultraperiférica, de acordo com o direito europeu aplicável, tratando-se, por isso, de um regime especial sancionado pela Comissão Europeia.

Não obstante, importa também salientar que, apesar dos eventuais benefícios que poderão resultar para Portugal da entrada e vigor e subsequente transposição da futura Diretiva, estas novas regras trarão maior complexidade ao já complexo mundo da fiscalidade internacional.

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Lisboa, 2 de maio de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Inês Tomé Carvalho

(Advisory Tax Team)

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