Newsletters

Programa Mais Habitação (3/4): Medidas relativas à Tributação sobre o Rendimento - update

12 Outubro 2023
Programa Mais Habitação (3/4): Medidas relativas à Tributação sobre o Rendimento - update
Newsletters

Programa Mais Habitação (3/4): Medidas relativas à Tributação sobre o Rendimento - update

12 Outubro 2023

No âmbito do programa “Mais Habitação”, foi publicada no passado dia 6 de outubro, com entrada em vigor no dia seguinte, a Lei nº 56/2023, onde constam um conjunto de medidas com impacto, entre outras matérias, nos regimes atualmente vigentes e com referência à tributação sobre o rendimento.

A TRIBUTAÇÃO DAS MAIS VALIAS IMOBILIÁRIAS E O REINVESTIMENTO

A nova Lei vem modificar o regime de exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias provenientes de habitação própria e permanente (“HPP”) e que sejam, também, reinvestidas em HPP.

Assim, acrescem os seguintes requisitos aos já atualmente previstos para efeitos da referida exclusão de tributação:

  • o imóvel alienado ser destinado à HPP do sujeito passivo ou do seu agregado familiar pelo menos nos 24 meses anteriores à data da transmissão; e
  • o sujeito passivo não ter beneficiado anteriormente do regime de exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias, no ano da obtenção dos ganhos, nem nos três anos anteriores, sem prejuízo do sujeito passivo poder comprovar que a não observância deste requisito se deveu a situação excecional.

Adicionalmente, foi aditado ainda um outro requisito para efeitos da não aplicação do regime de exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias e que se traduz na não fixação do domicílio fiscal do sujeito passivo ou do seu agregado familiar no imóvel.

A NORMA TRANSITÓRIA NA TRIBUTAÇÃO DAS MAIS VALIAS IMOBILIÁRIAS

A nova Lei consagra uma norma transitória, em matéria de exclusão de tributação de mais-valias imobiliárias, a vigorar para as transmissões onerosas realizadas entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2024. Nos termos da mesma, são excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de terrenos para construção ou de imóveis habitacionais quando, cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições:

  • o imóvel não seja destinado a HPP do sujeito passivo ou do seu agregado familiar; e
  • o valor de realização, deduzido da amortização de empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja aplicado na amortização do capital em dívida em crédito à habitação destinado a HPP do sujeito passivo ou dos seus descendentes; e
  • a referida amortização seja concretizada no prazo de três meses contados da data da alienação.

Tratando-se de transmissões realizadas durante o ano de 2022 em momento anterior ao da entrada em vigor da nova Lei, a exclusão aplica-se desde que a amortização de empréstimo contraído para a aquisição do imóvel ocorra até três meses apos a entrada em vigor desta nova Lei.

Nos termos da mesma norma transitória, sempre que o saldo apurado, em resultado da alienação, for superior ao capital em dívida no crédito à habitação destinado a HPP do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, o valor remanescente será sujeito a tributação de acordo com as disposições gerais previstas no Código do IRS.

Adicionalmente, pode a Administração tributária exigir a apresentação de documentos, após a entrega da declaração modelo 3 de IRS, que sejam comprovativos da amortização do capital em dívida em crédito à habitação destinado à HPP.

A TRIBUTAÇÃO DAS MAIS VALIAS IMOBILIÁRIAS E A ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS AO ESTADO

É ainda estabelecida na nova Lei uma isenção de tributação, em sede do IRS, aplicável às mais-valias decorrentes da alienação ao Estado, às Regiões Autónomas, ou às autarquias locais, de imóveis para habitação, com exceção das mais-valias auferidas por residentes com domicílio fiscal em país, território ou região sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças e das mais-valias geradas em resultado do exercício do direito de preferência.

Sem prejuízo, a mais-valia apurada, ainda que isenta, será sujeita a englobamento para efeito de consideração para a determinação da taxa aplicável.

A TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS PREDIAIS

A nova Lei publicada consagra ainda outras alterações ao Código do IRS, em concreto, em matéria de tributação dos rendimentos prediais decorrentes de arrendamento habitacional, verificando-se uma diminuição da taxa autónoma e liberatória aplicável a este tipo de rendimentos, em concreto, de 28% para 25%. A taxa autónoma de 28% será, ainda assim, mantida, mas para os rendimentos provenientes de arrendamento não habitacional.

As taxas reduzidas que atualmente se aplicam aos rendimentos provenientes de contratos de arrendamento para habitação de longa duração serão, também, alvo de alteração, passando a ser elegíveis a tal redução os contratos cuja duração seja igual ou superior a cinco anos (ao invés do regime atual, aplicável a contratos de arrendamento com uma duração de, pelo menos, dois anos).

Assim, estabelece a nova Lei (i) uma diminuição da taxa autónoma (agora de 25%) em 10 pontos percentuais para contratos com duração entre 5 e 10 anos, e uma redução de 2 pontos percentuais por cada renovação de igual duração, com o limite máximo global de redução em renovações de 10 pontos percentuais (ii) uma diminuição de 15 pontos percentuais quando o contrato tenha duração entre 10 a 20 anos e, por último, (iii) uma redução de 20 pontos percentuais para contratos de duração igual ou superior a 20 anos e para os contratos de direito real de habitação duradoura (DHD).

É de notar que as referidas reduções se aplicam apenas aos novos contratos, isto é, celebrados após a entrada em vigor desta nova Lei, ou a renovações de contratos anteriores, mas desde que ocorridas após a entrada em vigor da nova Lei.

Em matéria de deduções admissíveis aos rendimentos prediais e, bem assim, ao coeficiente aplicável para efeitos de apuramento do valor tributável, a nova Lei estabelece também algumas alterações.

Em concreto, é alterada a norma referente às deduções, no sentido de aí passar a estar incluído como uma dedução admissível o custo suportado com seguros de renda.

Quanto ao coeficiente a aplicar durante o ano de 2023, este passará de 0,91 para 0,90, podendo ser ainda reduzido no âmbito dos contratos de arrendamento de longa duração que beneficiem já da redução da taxa aplicável.

Ainda em sede de contratos de arrendamento, a nova Lei determina uma isenção de Imposto do Selo para os contratos celebrados ao abrigo do Programa de Apoio ao Arrendamento.

A TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS PREDIAIS NOS CONTRATOS ANTERIORES A 1990

Em matéria de contratos de arrendamento, encontramos consagrada uma isenção, em sede do IRS, aplicável durante o período de duração dos respetivos contratos, com referência aos rendimentos prediais obtidos no âmbito de contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU em 1990.

A TRIBUTAÇÃO DOS RENDIMENTOS PREDIAIS NA TRANSFERÊNCIA DE ALOJAMENTO LOCAL PARA ARRENDAMENTO

Em ligação ao tema do alojamento local, estabelece a nova Lei a consagração de uma isenção, em sede de IRS e de IRC, aplicável aos rendimentos prediais decorrentes de contratos de arrendamento afe-tos a HPP, desde que verificadas as seguintes condições cumulativas:

  • o contrato de arrendamento resulte da transferência de imóveis anteriormente afetos à exploração de estabelecimentos de Alojamento Local para arrendamento para habitação permanente;
  • o registo do estabelecimento de Alojamento Local tenha ocorrido até 31 de dezembro de 2022;
  • a celebração do contrato de arrendamento e respetivo registo junto da Administração tributária ocorra até 31 de dezembro de 2024.

Note-se, todavia, que a isenção irá operar, apenas, até 31 de dezembro de 2029.

A NOVA CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE OS ESTABELECIMENTOS DE ALOJAMENTO LOCAL

No âmbito das medidas pensadas para efeitos do combate à crise na habitação, aprova-se a criação de uma nova contribuição extraordinária, agora sobre os estabelecimentos de alojamento local (CEAL), da qual será responsável o titular da exploração do imóvel habitacional afeto a alojamento local.

Em concreto, passará a ser aplicada uma taxa de 15% (ao invés de 20%, conforme previa a Proposta de Lei), a uma base tributável que será determinada pela aplicação de dois coeficientes: o “coeficiente económico” e o “coeficiente de pressão urbanística”.

Estes coeficientes, por sua vez, assentam em valores de referência e em médias publicadas anualmente, em função da localização do imóvel e área do mesmo (ao invés de dependerem do rendimento efetivamente obtido no âmbito do Alojamento Local).

Esta CEAL será, assim, devida, mesmo numa situação em que, num determinado ano, as despesas suportadas pelo sujeito passivo, neste tipo de atividade, sejam superiores ao rendimento obtido, ou mesmo num ano em que não exista rendimento.

Por sua vez, e caso distintos, o proprietário do imóvel habitacional será subsidiariamente responsável com o titular da exploração do Alojamento Local pelo pagamento desta contribuição extraordinária.

Tal significa que os proprietários de imóveis nos quais se desenvolva a atividade de Alojamento Local, ainda que não sejam os titulares da licença para exploração dessa atividade, serão também subsidiariamente responsáveis pela liquidação e pelo pagamento desta CEAL relativamente aos mesmos, o que levantará problemas jurídicos e litigiosidade acrescida.

A nova CEAL, por sua vez, aplicar-se-á em relação aos imóveis habitacionais localizados em zona de pressão urbanística, aferidos a 31 de dezembro de cada ano civil, sendo, conforme referido, a sua base tributável definida pela aplicação do coefi-ciente económico e de um coeficiente de pressão urbanística, os quais serão publicados anualmente em Portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

Tal como sucede com a maioria das contribuições sobre outros sectores económicos específicos, às quais geralmente são apontadas críticas relacionadas com o desrespeito pela reserva de lei ou da igualdade, ou de outras regras legais, financeiras e orçamentais que lhes pode ser associada, a CEAL não foge a alguns desses vícios.

Por outro lado, não existe uma delimitação temporal concreta para a aplicação desta contribuição extraordinária, presumindo-se que a sua vigência perdure até que o objetivo final seja alcançado e, porventura mais relevante, suscita desde já problemas de natureza vária à luz da nossa Constituição, nomeadamente quanto à existência de rendimentos presumidos, ao princípio da capacidade contributiva e quanto à existência de dois impostos sobre o rendimento pessoal, o que a Constituição não admite.

Dá-se nota ainda de que os coeficientes indicados para o cálculo desta CEAL por referência ao ano de 2023, e a ser liquidada em 2024, deverão seguir médias e critérios por referência ao ano de 2019, ou seja, um ano de pré-pandemia e que pouco ou nada reflete o atual estado do mercado habitacional, o que, por si só, pode também suscitar questões de retroatividade da lei fiscal, ou, pelo menos, de violação do princípio da confiança, o que a nossa Constituição poderá também não admitir.

CONCLUSÕES

Atendendo ao acima exposto, verifica-se que a Lei aprovada no âmbito do Programa “Mais Habitação” estabelece significativas alterações legislativas, que certamente causarão um impacto notório na esfera dos contribuintes abrangidos pelas mesmas.

***

Rogério Fernandes Ferreira
Duarte Ornelas Monteiro
Joana Marques Alves
Ricardo Miguel Martins
Raquel Silva Simões
Ana Sofia Gariso
Catarina Amélia Carvela
Nicolas Corrêa Simonini

Know-How