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Os efeitos da anulação das correções da AT nos prejuízos fiscais dos períodos tributários subsequentes (Update 2023)

28 Março 2023
Os efeitos da anulação das correções da AT nos prejuízos fiscais dos períodos tributários subsequentes (Update 2023)
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Os efeitos da anulação das correções da AT nos prejuízos fiscais dos períodos tributários subsequentes (Update 2023)

28 Março 2023

O PROBLEMA

Imagine-se a seguinte situação: a Administração tributária procedeu a uma inspeção tributária a um sujeito passivo, em resultado da qual foram realizadas correções meramente aritméticas à matéria coletável de IRC do exercício do ano x. Em consequência dessas correções, o (avultado) prejuízo fiscal apurado pelo sujeito passivo passa a lucro tributável, procedendo, consequentemente, a Administração tributária à emissão de uma liquidação adicional de IRC relativa ao dito exercício do ano x.

Adicionalmente, tendo o prejuízo fiscal apurado pelo contribuinte no ano x passado a lucro, a Administração tributária procedeu, também, a inspeções tributárias aos exercícios seguintes, desconsiderando os prejuízos que haviam sido reportados e deduzidos pelo contribuinte, emitindo, consequentemente, liquidações adicionais de IRC referentes aos exercícios x+1 e x+2.

Acontece que, inconformado com as correções aritméticas operadas pela Administração tributária à matéria coletável de IRC do ano x, o contribuinte decide contestá-las pela via arbitral, obtendo uma decisão final favorável que condena a Administração tributária na anulação da liquidação adicional de IRC emitida com referência a esse exercício, com as necessárias consequências legais.

Em face deste cenário, surge a seguinte questão: bastará à Administração tributária, para efeitos de cumprimento da referida decisão arbitral, a anulação da liquidação de IRC relativa ao ano x, com a consequente devolução do montante indevidamente pago pelo contribuinte, acrescido de juros indemnizatórios? Ou deverá a Administração tributária, em cumprimento de tal decisão arbitral, reconhecer, também, a existência dos prejuízos fiscais que haviam sido reportados e deduzidos pelo contribuinte nos exercícios seguintes e anular, também, as liquidações adicionais de IRC emitidas relativamente a x+1 e x+2?

E A SOLUÇÃO

Poderá defender-se que, partindo do pressuposto que o contencioso de anulação se destina a sindicar atos ilegais, e não a condenar diretamente a Administração à prática de outros atos, a primeira hipótese satisfaz, integralmente, a decisão arbitral proferida relativa à liquidação adicional de IRC referente ao ano x. Nesta perspetiva, da referida decisão arbitral não resulta nenhuma injunção especial para a Administração tributária alheia ao objeto do processo, que consistia, apenas, na anulação da liquidação de IRC do ano x: a Admi-nistração tributária fê-lo e reembolsou os montantes indevidamente pagos pelo contribuinte acrescidos de juros indemnizatórios, pelo que caberá, posteriormente, ao sujeito passivo, a prerrogativa do exercício dos direitos que em abstrato lhe são conferidos e, de entre eles, o direito à dedução dos prejuízos fiscais previsto no CIRC.

Esta solução parece, no entanto, insuficiente, na medida em que a desconsideração, pela Administração tributária, da dedução de prejuízos fiscais reportáveis nos exercícios x+1 e x+2, que resultou na emissão de novas liquidações adicionais, não é mais que uma consequência (direta) das correções (ilegais) levadas a cabo à matéria tributável apurada em x, deixando de ter qualquer fundamento a partir do momento em que a liquidação referente ao ano x é anulada pelo tribunal arbitral.

Com efeito, estabelece a LGT que, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, a Administração tributária fica obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Ora, na hipótese em análise, resulta evidente que a anulação da liquidação adicional referente ao ano x implica o reconhecimento, por parte da Administração tributária, da existência do prejuízo fiscal que havia apurado pelo sujeito passivo ab início, facto que, por si só, inquina as liquidações dos anos x+1 e x+2, na medida em que a desconsideração da dedução dos prejuízos fiscais reportados pelo contribuinte para os exercícios x+1 e x+2 passa a assentar em factos e pressupostos errados.

Assim, parece que a única forma de a Administração tributária retirar (todas) as consequências da decisão arbitral – reconstituindo, plenamente, a situação que existia caso não houvesse sido cometida a ilegalidade (i.e. as correções levadas a cabo à matéria tributável em x) – irá além da anulação da liquidação adicional do ano x, implicando, necessariamente, a revisão oficiosa das liquidações adicionais dos anos x+1 e x+2, uma vez que os efeitos de tal anulação se repercute, indubitavelmente, nos exercícios posteriores.

Não deveriam restar, portanto, dúvidas, que sempre deverá a Administração Tributária fazer refletir os efeitos da anulação do ato de liquidação adicional do ano x nas liquidações dos anos x+1 e x+2, anulando-as tout court, ou substituindo-as por novas liquidações que incorporem os efeitos do caso julgado, ou seja, aceitando a dedução de prejuízos fiscais reportáveis originalmente efetuada pelo contribuinte.

Nota-se, ainda, que, caso o contribuinte tenha procedido, também, à contestação arbitral das liquidações adicionais de IRC referentes aos anos x+1 e x+2, as leis processuais aplicáveis preveem mecanismos que permitem salvaguardar a ocorrência de vicissitudes (supervenientes) que se repercutem nos atos concretamente contestados.

Com efeito, o RJAT dispõe que a substituição, na pendência do processo arbitral, dos atos objeto de pedido de decisão arbitral com fundamento em factos novos, implica uma modificação objetiva da instância, devendo o dirigente máximo do serviço da Administração tributária notificar o tribunal arbitral da emissão do novo ato, para que o processo possa prosseguir contra o mesmo, com fundamento na reincidência nas mesmas ilegalidades, sendo aproveitada a prova produzida e dispondo o requerente da faculdade de oferecer novos meios de prova.

E só assim se assegura a tutela jurisdicional efetiva, podendo o tribunal arbitral pronunciar-se sobre as questões realmente controvertidas no momento atual, após esta modificação objetiva da instância.

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Lisboa, 28 de março de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Braga Reigoto
Álvaro Pinto Marques

(Tax litigation team)

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