Newsletters

Os benefícios fiscais da Zona Franca da Madeira e a decisão da comissão europeia (desenvolvimentos recentes)

29 Julho 2022
Os benefícios fiscais da Zona Franca da Madeira e a decisão da comissão europeia (desenvolvimentos recentes)
Newsletters

Os benefícios fiscais da Zona Franca da Madeira e a decisão da comissão europeia (desenvolvimentos recentes)

29 Julho 2022

SUMÁRIO

Foi conhecida a decisão integral da Comissão Europeia referente ao regime de auxílios concedidos a empresas na Zona Franca da Ma-deira (ZFM) - Regime III, que considera que foram concedidos auxílios ilegalmente, por falta de preenchimento dos pressupostos inerentes aos benefícios fiscais em causa, demandando no Estado Português a obrigação de proceder à recuperação dos valores concedidos indevidamente e consequentes juros. O Estado Portu-guês iniciou o procedimento de notificação dos auxílios tidos por indevidamente concedidos e a serem reembolsados.

O ENQUADRAMENTO

A Zona Franca da Madeira foi criada pelo Decreto-Lei n.º 500/80 de 20 de outubro, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento económico e social da Região Autónoma da Madeira, oferecendo, para o efeito, diversos benefícios fiscais às empresas que ali se instalassem.

Ao longo dos anos foram constituídos quatro regimes fiscais aplicáveis às entidades licenciadas para operar na Zona Franca da Madeira, encontrando-se atualmente em vigor os regimes III e IV.

Em ambos os regimes, os plafonds máximos à matéria coletável - a que é aplicável a taxa reduzida - são apurados em função do número de postos de trabalho que as entidades beneficiárias mantêm em cada exercício.

OS REQUISITOS

Dois dos requisitos para que as entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira possam aceder aos benefícios fiscais previstos na lei, assim beneficiando de uma taxa reduzida de tributação são (i) a criação de postos de trabalho, e (ii) os lucros que beneficiam da redução fiscal estarem relacionados com atividades efetivas e materialmente realizadas na Madeira.

De referir que é o número de postos de trabalho criados/mantidos em cada ano que configura o elemento essencial para aferir os plafonds máximos da matéria coletável a que é aplicável a taxa reduzida.

OS PLAFONDS MÁXIMOS

Os rendimentos das entidades licenciadas para operar na Zona Franca da Madeira podem ser tributados em IRC a uma taxa reduzida, tendo tal taxa sido fixada, nos anos de 2013 a 2027, em 5 %.

O benefício é, porém, limitado, através da aplicação de plafonds máximos à matéria coletável a que é aplicável uma taxa reduzida, em função do número de postos de trabalho que as entidades beneficiárias mantêm em cada exercício, nos termos seguintes:

  • 2,73 milhões de euros pela criação/manutenção de um a dois postos de trabalho;
  • 3,55 milhões de euros pela criação/manutenção de três a cinco postos de trabalho;
  • 21,87 milhões de euros pela criação/manutenção de seis a 30 postos de trabalho;
  • 35,54 milhões de euros pela criação/manutenção de 31 a 50 postos de trabalho;
  • 54,68 milhões de euros pela criação/manutenção de 51 a 100 postos de trabalho; e
  • 205,50 milhões de euros pela criação/manutenção de mais de 100 postos de trabalho.

A INVESTIGAÇÃO DA COMISSÃO EUROPEIA

Atentos os requisitos de que dependem o acesso aos benefícios fiscais e, para controlo dos mesmos, a Comissão Europeia desenvolveu uma investigação na qual concluiu:

  • que o número de postos de trabalho tidos em conta por Portugal para o cálculo do montante do auxílio ao abrigo do regime incluía postos de trabalho criados fora da Zona Franca da Madeira e mesmo fora da EU;
  • que os pontos de trabalho a tempo parcial foram incluídos nos postos de trabalho a tempo integral e os membros do conselho de administração foram contados como trabalhadores em mais do que uma empresa beneficiária do regime; e
  • que os lucros que beneficiaram da redução fiscal não se limitaram aos lucros relacionados com atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira.

Neste âmbito, e na sequência da decisão da Comissão Europeia, de 04 de dezembro de 2020, mas apenas publicada em maio de 2022, o Estado Português – mediante a Autoridade Tributária e Aduaneira – tem de proceder à notificação de todas as empresas que que beneficiaram, alegadamente de forma indevida, dos referidos auxílios estatais.

Assim, se notificadas para o efeito, as pessoas coletivas que não logrem demonstrar que os seus rendimentos tributáveis ou postos de trabalho criados estão ligados a atividades efetivamente realizadas na região, isto é, que não contribuíram verdadeiramente para o desenvolvimento da região, poderão ter, em tese, de restituir os montantes referentes ao benefício fiscal concedido.

ALGUNS DESENVOLVIMENTOS

A Autoridade Tributária e Aduaneira deu início ao processo de cumprimento da decisão da Comissão Europeia, procedendo à notificação das entidades identificadas como beneficiárias desses auxílios estatais, alegadamente de forma indevida ou ilegal.

Num primeiro momento, os referidos contribuintes poderão (deverão) exercer o direito de audição que lhes é legalmente concedido e, naturalmente, contestarem os valores imputados à correção da matéria coletável decorrente da decisão da Comissão Europeia, isto no seguimento da consideração de que preenchem os pressupostos necessários à concessão dos benefícios em causa.

De seguida, e em caso de improcedência, poderão vir a ser emitidos atos de liquidação referentes a IRC, os quais serão, igualmente, suscetíveis de impugnação.

É de notar que os valores em causa serão constituídos pela correção em sede de IRC (capital) e dos respetivos juros a contar desde a data em que os auxílios foram colocados à disposição até à data da sua recuperação efetiva.

De ressalvar, é também, que apesar de o Estado Português (mediante a Autoridade Tributária e Aduaneira) estar a dar cumprimento à decisão da Comissão Europeia, o mesmo recorreu da referida decisão junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, alegando, no essencial, que:

  • o regime da ZFM faz parte da economia geral do regime fiscal português, devendo estas medidas ser vistas como medidas gerais e não como medidas de auxílio estatal;
  • este regime não é seletivo, uma vez que a medida não favorece certas empresas ou certas produções;
  • se o regime da ZFM implicasse um auxílio teria de ser considerado um auxílio existente;
  • realizar as suas atividades na Madeira deve apenas significar que a atividade é exercida na Madeira através de uma sede, direção e centro de decisão, sem ser necessário que exista capital humano;
  • não pode existir uma limitação geográfica às atividades, não podendo significar que se tenham de limitar ao território da Madeira, não sendo esta interpretação restritiva coerente com a jurisprudência constante da União sobre o centro dos interesses principais;
  • o direito da União não adota um conceito uniforme de «contrato de trabalho» ou de «relação de trabalho» ou de «trabalhador» ou, consequentemente, de «posto de trabalho»;
  • o espírito do direito da União e da jurisprudência da União consiste em aceitar e proteger os vários tipos de relação de trabalho;
  • a ZFM não é um regime de auxílio ao emprego, mas antes um regime de auxílio à diversificação e à modernização da Madeira. O objetivo do regime da ZFM consiste principalmente em contribuir para o produto interno bruto («PIB») regional.

CONCLUSÃO

Em face do exposto, e na pendência da referida ação, cujo desfecho não é ainda conhecido, é importante que os Contribuintes notificados, ou a serem notificados, de correções de matéria coletável decorrente da decisão da Comissão Europeia exerçam os meios de defesa que têm ao seu dispor, com vista à contestação dos correspondentes valores (de imposto e juros), comprovando, quer a verificação dos pressupostos necessários, quer discutindo a interpretação da Comissão Europeia, preconizada na sua decisão, agora pública.

***

Lisboa, 29 de julho de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira

Marta Machado de Almeida

Miriam Campos Dionísio

João Freitas Jacob

Know-How