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O Relatório Intercalar do Grupo de Trabalho para a Justiça Administrativa e Fiscal

11 Março 2022
O Relatório Intercalar do Grupo de Trabalho para a Justiça Administrativa e Fiscal
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O Relatório Intercalar do Grupo de Trabalho para a Justiça Administrativa e Fiscal

11 Março 2022

SUMÁRIO

Foi publicado o 2.º Relatório Intercalar do Grupo de Trabalho dos Tribunais Administrativos e Fiscais, de fevereiro de 2022, que apresenta um pacote de objetivos estratégicos e das medidas adequadas a atingi-los, passíveis de serem implementados no curto prazo nos tribunais administrativos e fiscais e com o propósito de melhorar a capacidade de resposta destes à comunidade.

I. INTRODUÇÃO 

1. Foi apresentado o 2.º Relatório Intercalar do Grupo de Trabalho dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o qual vem propor uma estratégia para superar os estrangulamentos do funcionamento do sistema de justiça administrativa e fiscal e, deste modo, aumentar a eficácia e eficiência dos Tribunais Administrativos e Fiscais. O presente Relatório Intercalar surge na sequência da publicação, em 2021, do 1.º Relatório Intercalar do Grupo de Trabalho dos Tribunais Administrativos e Fiscais, sendo que ambas as publicações tiverem como precursor o Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do Sistema Fiscal, de 2009, designadamente aprovinda do sub grupo responsável pela Parte do “Procedimento, Processo e Relações entre a Administração Tributária e os Contribuintes”, em que tivemos o gosto de participar e presidir.

2. O Relatório agora publicado assenta na apresentação de um pacote de objetivos estratégicos e das medidas adequadas a atingi-los. Tais objetivos visam ser implementados, no curto prazo e de forma cirúrgica, nos Tribunais Administrativos e Fiscais por forma a que estes desenvolvam a capacidade de resposta que devem oferecer à comunidade.

Constituem o “Plano de Ação Estratégica” do presente Relatório Intercalar as seguintes medidas:

II. A ADOÇÃO DE ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS TENDENTES À AGILIZAÇÃO DA TRAMITAÇÃO PROCESSUAL

3. A implementação da especialização em matéria administrativa nos tribunais administrativos de círculo criou conflitos negativos de competência, em razão da matéria. Tais conflitos originaram o retardamento da prolação das decisões de mérito e ameaçam a eficácia e eficiência dos tribunais administrativos de círculo. Por forma a obviar a este tipo de conflitos, propõe-se uma alteração do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no sentido da clarificação da competência material dos juízos administrativos sociais e dos juízos de contratos públicos dos tribunais administrativos de círculo.

4. Tendo em conta que, em 31.12.2021, encontravam-se pendentes de decisão, nos Tribunais Administrativos e Fiscais, 13.369 ações de matéria tributária e 2.876 ações de matéria administrativa, em ambos os casos, de valor inferior a € 5.000 e com vista à resolução eficaz e eficiente das chamadas “bagatelas administrativas e tributárias” (ações administrativas e tributárias cujo valor não exceda € 5.000,00), propõe-se a criação de um regime processual simplificado para a sua tramitação.

5. Outra medida proposta prende-se com os prazos legais para a prática de atos pelo Ministério Público em matéria tributária. Atualmente, são de 20 dias, para os tribunais de primeira instância, e de 30 dias, para os tribunais superiores. Já no Código de Processo dos Tribunais Administrativos, os referidos prazos são, para a primeira instância, de 30 dias e, para os tribunais superiores, de 10 dias. Refere o Relatório em análise, por um lado, que esta divergência de prazos carece de fundamento e, por outro lado, que a exiguidade do prazo de 10 dias acima referido não se compadece com uma intervenção qualificada do Ministério Público em processo administrativo. Tendo como propósito aumentar a eficácia e a eficiência da intervenção do Ministério Público em processo tributário e em processo administrativo, propõe-se que todos os prazos legais previstos no Código de Processo e de Procedimento Tributário e no Código de Processo dos Tribunais Administrativos para a intervenção do Ministério Público em processo tributário e em processo administrativo passem a ser de 20 dias.

A OTIMIZAÇÃO DO DESEMPENHO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E FISCAL

6. Uma das medidas propostas, tendo em vista a otimização do desempenho dos tribunais superiores, prende-se com o facto de os recursos de decisões proferidas em processos contraordenacionais tributários pelos tribunais tributários de primeira instância, que tenham, exclusivamente, por fundamento matéria de direito, serem interpostos diretamente para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. A situação atual não só conduz a que este Tribunal reaprecie decisões proferidas por tribunais de primeira instância – contrariando o seu estatuto de órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal –, como ainda o sobrecarrega, atribuindo-lhe decisões para cujo recurso seriam competentes os tribunais centrais administrativos.Assim, por forma a aumentar a eficácia e a eficiência dos tribunais superiores da ordem administrativa e fiscal, é proposta a revogação da norma que atribui ao Supremo Tribunal Administrativo competência para julgar os recursos de decisões proferidas em processos contraordenacionais tributários que tenham por fundamento exclusivo matéria de direito.

7. Entende-se, também, no Relatório em análise que as soluções vertidas no Código de Processo e de Procedimento Tributário e na Lei de Organização do Sistema Judiciário a propósito da alçada dos tribunais tributários de primeira instância no caso de recursos per saltum para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo são díspares. Assumindo-se a já referida posição do Supremo Tribunal Administrativo como órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal, impõe-se a racionalização da distribuição de competências entre os Tribunais Centrais Administrativos e a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Propõe-se, deste modo, a alteração da redação da norma que estabelece a competência daquela Secção e, bem assim, da norma que estabelece a alçada dos recursos das decisões dos tribunais tributários de primeira instância no sentido de se prever que, sempre que a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente, em exclusivo, em matéria de direito, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo apenas conhece dos recursos das decisões proferidas pelos tribunais tributários de primeira instância quando o valor do processo seja superior a € 30.000.

8. Outra medida proposta relaciona-se, por um lado, com a atual elevada pendência judicial nos Tribunais Centrais Administrativos e, por outro, com a crescente amplificação e sofisticação dos diversos ramos do Direito, em particular do Direito Administrativo Especial, que temos vindo a assistir.  Tendo como meta o reforço da eficácia e eficiência destes tribunais, propõe-se o aditamento de uma nova norma que estatua que, por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, podem ser criadas, nos Tribunais Centrais Administrativos, subsecções especializadas em função da matéria.

9. Em face do já mencionado elevado volume processual pendente nos Tribunais Centrais Administrativos e, bem assim, do número de juízes em funções naqueles tribunais se afastar do fixado nos respetivos quadros, estes ainda não se encontram em condições de oferecer uma resposta judiciária adaptada às necessidades dos cidadãos. Propõe-se, assim, a alteração da Portaria n.º 290/2017, de 28 de setembro, que fixa os quadros dos magistrados dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido do aumento dos números mínimos e máximos de lugares dos juízes dos Tribunal Central Administrativo a serem preenchidos por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

10. Sempre com o claro objetivo de aumentar, urgente e consideravelmente, a eficácia e eficiência dos tribunais superiores, propõe-se, para que o trabalho dos magistrados que exercem funções nestes tribunais seja rentabilizado, a dinamização do recrutamento de assessores judiciários.

11. Outro facto notado é o de que, no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não é fixada a quota de juristas de reconhecido mérito que podem aceder à carreira de juiz do Supremo Tribunal Administrativo, ao contrário do que sucede no Estatuto dos Magistrados Judiciais, que prevê que o número daqueles juízes não poderá exceder um quinto do quadro legal. Propõe-se, assim, o aditamento de uma norma ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de características idênticas, limitando o número de juízes providos naqueles termos, assim se assegurando o equilíbrio entre as fontes de recrutamento de juízes para o Supremo Tribunal Administrativo.

12. Finalmente, nota o Relatório, nesta parte, de acordo com o estatuído no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, os concursos de acesso à carreira de juiz do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos têm a validade de um ano, prorrogável até 6 meses, prazo que se afigura exíguo em face da complexidade e da duração do processo de avaliação curricular dos candidatos a estes tribunais superiores. Propõe-se a alteração do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no sentido de se prever que os concursos de acesso ao cargo de juiz do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos têm a validade de dois anos, prorrogável por seis meses.

IV. A EFETIVA IMPLEMENTAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA ADMINISTRATIVA E FISCAL LEGALMENTE PREVISTOS

13. Uma vez que a base de dados da jurisprudência atualmente disponibilizada pelo Ministério da Justiça não divulga a totalidade dos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores dos Tribunais Administrativos e Fiscais e não publicita as sentenças proferidas pelos tribunais de primeira instância, facto que não se coaduna com as exigências de publicidade e transparência que devem presidir à administração da justiça não se mostram cumpridas, propõe-se a criação de uma única base de dados de jurisprudência anonimizada, dotada de ferramentas avançadas de pesquisa, através da qual sejam colocadas à disposição do público, sem exceção, todas as decisões proferidas pelos Tribunais Administrativos e Fiscais.

14. Uma última medida a destacar é a criação de novas espécies e subespécies processuais nos Tribunais Administrativos e Fiscais, designadamente quanto aos processos de asilo e de responsabilidade civil do Estado por atraso na administração da justiça, por forma a facilitar o agrupamento de processos em torno de espécies processuais, indispensável para a criação de repositórios de dados estatísticos desagregados e para a potenciação de uma mais fina monitorização da atividade dos tribunais, contribuindo ainda para o aumento da qualidade da gestão estratégica e da gestão processual dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

CONCLUSÕES

15. O presente Relatório Intercalar veio aprofundar as reflexões do 1.º Relatório Intercalar, de modo a superar as diversas patologias com que os operadores judiciários e os contribuintes se deparam ainda na jurisdição administrativa e fiscal.

A adoção das medidas propostas neste Relatório assume-se como um contributo imprescindível para a diminuição do volume processual dos Tribunais Administrativos e Fiscais e na subsequente aproximação da justiça dos cidadãos e dinamização da economia.  

Por este motivo, a publicação deste presente Relatório Intercalar é muito de saudar, aguardando-se com expetativa a adoção das medidas nele propostas. De facto, a urgência de melhoria da justiça administrativa e fiscal não se compadece com a mera previsão das medidas, antes exigindo a sua efetiva concretização.

Esperamos também que as Jornadas da Justiça Administrativa e Fiscal, organizadas pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, nas quais temos a honra de participar, enquanto advogados – e que decorrerão hoje e amanhã em Coimbra –, possam trazer mais novidades para a nossa justiça tributária.

Lisboa, 11 de março de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Rita Sousa
Carolina Mendes

(Tax Litigation Team)

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