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O Registo Central do Beneficiário Efetivo - Novo Prazo 31 dezembro 2023

15 Dezembro 2023
O Registo Central do Beneficiário Efetivo - Novo Prazo 31 dezembro 2023
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O Registo Central do Beneficiário Efetivo - Novo Prazo 31 dezembro 2023

15 Dezembro 2023

Foi publicada a Portaria n.º 233/2018, que vem regulamentar o Regime Jurídico do Registo Central de Beneficiários Efetivos (RCBE), especificando e completando as disposições da Lei 89/2017, de 21 de agosto, que aprovou o respetivo regime, reforçando elementos constantes da Lei 83/2017, de 18 de agosto, que regulamentou o combate ao branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo. Reforçando a transposição da AMLD 4, esta Portaria vem, essencialmente, mas ainda de maneira incompleta, regulamentar a implementação prática das normas do regime do RCBE, nomeadamente quanto a prazos, formulários, obrigações declarativas e acesso à informação. Perante as especificações da Portaria, uma atenção especial deverá ser dada ao respetivo regime sancionatório, particularmente severo, e implicações fiscais.

ENQUADRAMENTO

Foi publicada a Portaria n.º 233/2018, em 21 de agosto 2018, que vem regulamentar o Regime Jurídico do Registo Central de Beneficiários Efetivos (RCBE).

Esta regulamentação foi publicada decorrido um ano após a publicação da Lei n.º 89/2017, de 21 de Agosto, que aprovou o Regime Jurídico do Registo Central de Beneficiários Efetivos (RCBE) e transpôs para o nosso ordenamento parte da Diretiva (UE) 2015/849, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, comummente denominada como 4ª Diretiva de Prevenção de Branqueamento de Capitais e Financiamento de Terrorismo (AMLD 4).

O Registo Central do Beneficiário Efetivo assenta num repositório de dados, contendo informações precisas e atualizadas sobre os beneficiários efetivos de determinadas entidades.

O RCBE enquadra-se, em primeira linha, como um instrumento, previsto na AMLD 4, destinado a prevenir e a combater o branqueamento de capitais e a o financiamento do terrorismo.

Contudo, em segunda linha e a par da adoção da Diretiva (UE) 2016/2258 (DAC 5), que vem permitir o acesso e a troca dessa informação entre Administrações tributárias dos Estados Membros da União Europeia e, com isto, aumentar o escrutínio a que estão sujeitas as atividades de planeamento, e, bem assim, o aconselhamento, fiscal, que anteriormente podiam escapar a esse controlo.

A conjugação, por um lado, do RCBE e da DAC 5 e, por outro lado, da Diretiva (UE) 2017/822 (DAC 6), que visa o combate ao planeamento fiscal abusivo, mormente através da divulgação de esquemas fiscais por parte de intermediários, resulta numa acrescida responsabilização dos intermediários, que levem a cabo esses esquemas ilícitos e, por outro, no incremento da transparência em torno da detenção de entidades.

O OBJETO DA REGULAMENTAÇÃO

Neste contexto, a Portaria n.º 233/2018, de 21 de Agosto, ora em apreço, vem regulamentar o Regime Jurídico do RCBE instituído através da referida Lei n.º 89/2017, nomeadamente, e em traços gerais:

  • o formulário para declaração sobre os beneficiários efectivos, que, embora ainda não se encontra disponível, será disponibilizado online, prevendo-se várias formas de autenticação (e.g. cartão de cidadão, chave móvel digital, certificados profissionais e de atributos profissionais);
  • as circunstâncias iniciadoras da qualidade de beneficiário efectivo, que irão ser especificadas nos formulários e que deverão ir de encontro ao previsto na Lei n.º 83/2017, que introduziu no ordenamento português outras partes da AMLD;
  • o prazo para a realização das necessárias comunicações ao RCBE por parte do Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, oficiosa e imediatamente após a inscrição da entidade ao Ficheiro, e da Administração tributária, até o dia 31 de Outubro de 2018 quanto às entidades pré-existentes e diariamente quanto às restantes, na medida em que estas entidades deverão contribuir para popular o universo inicial de entidades registadas no RCBE;
  • a forma de disponibilização pública de informações relativas aos beneficiários efectivos das entidades sujeitas e, bem assim, os procedimentos de autenticação e critérios de pesquisa;
  • os termos da extracção de informação e de certidões da base de dados;
  • o prazo para apresentação da primeira declaração para as entidades sujeitas ao RCBE já existentes; e
  • a forma e o prazo de comunicação pelas entidades obrigadas às autoridades sectoriais da identificação das entidades.

Por outro lado, a Portaria aqui analisada vem ainda especificar outros aspectos decorrentes da Lei 83/2017, de 18 de Agosto, sobre o combate ao branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo, nomeadamente, através da previsão de uma obrigação de consulta regular à informação disponibilizada no RCBE, por parte das entidades obrigadas,[1] nos termos desta Lei.

Apesar de esclarecedora quanto ao procedimento, a Portaria é incompleta no que respeita aos elementos necessários para a correcta concretização do regime, designadamente, quanto aos formulários e a troca de informações entre as autoridades locais.

[1] Um amplo leque de entidades financeiras e não financeiras previstas na Lei n.º 83/2017, que introduziu no ordenamento português outras partes da AMLD 4, as quais são obrigadas a identificar o(s) beneficiário(s) efetivo(s) dos seus clientes.

O TRABALHO PREPARATÓRIO

Com a implementação do RCBE, as entidades obrigadas, não só têm de cumprir com a própria obrigação declarativa, como têm todo um trabalho preparatório para, antes de mais, determinar quem são os beneficiários efetivos e, posteriormente, obter e organizar a informação sobre os mesmos.

Com efeito, a qualidade de beneficiário efetivo não é obvia, considerando que a percentagem de ações ou de participações no capital social podem não ser suficientes para permitir determinar quem detém a propriedade ou o controlo de uma pessoa coletiva e, consequentemente, para aferir a respetiva qualidade de beneficiário efetivo. Razão pela qual serão disponibilizados os fatores indiciadores dentro dos próprios formulários, enquanto suporte declarativo.

Uma vez determinados os seus beneficiários efetivos, as entidades obrigadas deverão manter um registo atualizado, suficiente e exato das informações e dos dados que são obrigadas a comunicar regularmente (num prazo máximo de 30 dias) para integrar o RCBE.

As entidades obrigadas são, ainda, responsabilizadas pela exatidão e atualização das informações constantes do Registo, devendo, no prazo de 10 dias, comunicar qualquer inexatidão, omissão, desconformidade ou desatualização.

AS SANÇÕES DECORRENTES DA LEI N.º 89/2017

Neste contexto, relembra-se que o não cumprimento destas obrigações por parte das entidades sujeitas beneficiários efetivos é sujeito à aplicação de sanções particularmente severas.

Por um lado, pode ser aplicada uma coima num valor entre € 1.000 e € 50.000, mas sobretudo, e enquanto não se verificar o cumprimento das obrigações declarativas e de retificação, as entidades obrigadas incumpridoras são gravemente limitadas na sua atividade e funcionamento.

Com efeito, sempre que se encontrar em incumprimento das exigências do regime do RCBE, a entidade sujeita ao RCBE não poderá, nomeadamente, distribuir lucros ou fazer adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício, celebrar contractos de fornecimentos, empreitadas de obras públicas ou aquisição de serviços e bens com entidades públicas, renovar o prazo dos contractos já existentes, nem poderá concorrer à concessão de serviços públicos, beneficiar dos apoios de fundos europeus estruturais e de investimento e públicos ou, ainda, intervir como parte em qualquer negócio que tenha por objeto a transmissão da propriedade, a título oneroso ou gratuito, ou a constituição, aquisição ou alienação de quaisquer outros direitos reais de gozo ou de garantia sobre quaisquer bens imóveis.

Ademais, o incumprimento declarativo é registado no Registo Comercial, sendo esta informação eliminada quando a situação de incumprimento cessar.

Sem esquecer, ainda, que quem prestar falsas declarações para efeitos de registo do beneficiário efetivo pode, ainda, ser criminal e civilmente responsabilizado.

Neste contexto, e perante o peso das sanções previstas no regime do RCBE, convém chamar a atenção pelos prazos e especificação das respetivas obrigações, conforme elencados na Portaria n.º 233/2018.

OUTRAS IMPLICAÇÕES FISCAIS

Para além das implicações e sanções acima referidas, existem outras eventuais de natureza fiscal.

Através da infraestrutura de acesso e de troca de informações entre as Administrações tributárias, particularmente através das acima referidas DAC 5 e 6, existirá uma fiscalização mais incisiva que potenciará uma mais esclarecida aplicação de normas fiscais anti abuso, tal como a cláusula geral anti abuso prevista na Lei Geral Tributária, como o Principal Purpose Test, previsto na Diretiva Anti Abuso Fiscal (ATAD) e no âmbito das Convenções de Dupla Tributação, no Instrumento Multilateral.

Entre a potencial facilitação da aplicação de normas especiais anti abuso encontram-se, nomeadamente:

  • a imputação fiscal de rendimentos e o tratamento fiscal transparente (flow through) de rendimentos detidos em sociedades que se qualifiquem como Controlled Foreign Company (CFC)
  • o conceito de beneficiário efetivo para efeitos das Convenções de Dupla Tributação e, eventualmente, das Diretivas fiscais europeias, sendo, contudo, de sublinhar a histórica distinção entre beneficiário efetivo “último” de uma entidade (Ultimate Beneficial Owner ou UBO) e beneficiário efetivo de uma transação, havendo uma tradição interpretativa e jurisprudencial internacional a este respeito, que não associa, necessariamente, um conceito ao outro.[3].

OS PRAZOS DECLARATIVOS

Entre os aspetos regulamentados, salientamos a determinação de que as entidades sujeitas ao RCBE[2] já constituídas à data da entrada em vigor da Portaria, dia 1 de Outubro de 2018, ficam obrigadas a efetuar a declaração inicial relativa ao beneficiário efetivo no prazo de 30 dias após a conclusão do registo de constituição da sociedade.

Adicionalmente, e nos termos da obrigação legal de atualizar anualmente a declaração de beneficiário efetivo, informamos que o prazo para cumprimento de tal obrigação junto do RCBE corre até ao dia 31 de dezembro de 2023.

[2] a) As associações, cooperativas, fundações, sociedades civis e comerciais, bem como quaisquer outros entes coletivos personalizados, sujeitos ao direito português ou ao direito estrangeiro, que exerçam atividade ou pratiquem ato ou negócio jurídico em território nacional que determine a obtenção de um número
de identificação fiscal (NIF) em Portugal; b) As representações de pessoas coletivas internacionais ou de direito estrangeiro que exerçam atividade em Portugal; c) Outras entidades que, prosseguindo objetivos próprios e atividades diferenciadas das dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica; d) Os instrumentos de gestão fiduciária registados na Zona Franca da Madeira (trusts); e) As sucursais financeiras exteriores registadas na Zona Franca da Madeira; e f) Os fundos fiduciários e os outros centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica, com uma estrutura ou funções similares, quando não se enquadrem nas entidades anteriores, sempre que se verifiquem determinadas circunstâncias.
[3] Conferir, a este respeito, nomeadamente, o parágrafo 12.6 e respetiva nota de rodapé do Comentário ao Artigo 10.º da Convenção Modelo da OCDE, aditado em 2014 e mantido na mais recente versão de 2017, pós-BEPS (Base Erosion and Profit Shifting, em especial a Ação 6).

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Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Patrícia Largueiras
Luís Almeida Brito
Inês Dias de Pinho

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