O Registo Central de Beneficiário Efetivo (RCBE) foi criado pela Lei 89/2017, de 21 de agosto, por sua vez alterada pela Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto e regulamentada pela Portaria n.º 233/2018, de 21 de agosto, e Portaria n.º 200/2019, de 28 de junho.
O Regime Jurídico do Registo Central de Beneficiários Efetivos transpôs para o ordenamento jurídico português parte da Diretiva (UE) 2015/849, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, comummente denominada como 4ª Diretiva de Prevenção de Branqueamento de Capitais e Financiamento de Terrorismo (AMLD 4).
Perante as exigências legais do Regime em apreço, designadamente no que respeita aos prazos declarativos e consequências do seu incumprimento, merece especial atenção o seu regime sancionatório, particularmente severo, na medida em que as entidades obrigadas que incumpram tais exigências, são gravemente limitadas na sua atividade e funcionamento.
ENQUADRAMENTO
O Registo Central de Beneficiário Efetivo (RCBE) foi criado pela Lei 89/2017, de 21 de agosto, alterada pela Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto e regulamentada pela Portaria n.º 233/2018, de 21 de agosto, e Portaria n.º 200/2019, de 28 de junho.
O Regime Jurídico do Registo Central de Beneficiários Efetivos transpôs para o ordenamento jurídico português parte da Diretiva (UE) 2015/849, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, comummente denominada como 4ª Diretiva de Prevenção de Branqueamento de Capitais e Financiamento de Terrorismo (AMLD 4).
O Registo Central do Beneficiário Efetivo assenta num repositório de dados, contendo informações precisas e atualizadas sobre os beneficiários efetivos de determinadas entidades.
O RCBE enquadra-se, em primeira linha, como um instrumento, previsto na AMLD 4, destinado a prevenir e a combater o branqueamento de capitais e a o financiamento do terrorismo.
Em segunda linha, e a par da adoção da Diretiva (UE) 2016/2258 (DAC 5), permite o acesso e a troca dessa informação entre Administrações tributárias dos Estados Membros da União Europeia, aumentando o escrutínio a que estão sujeitas as atividades de planeamento e aconselhamento fiscal.
A conjugação, por um lado, do RCBE e da DAC 5 e, por outro lado, da Diretiva (UE) 2017/822 (DAC 6), que visa o combate ao planeamento fiscal abusivo, mormente através da divulgação de esquemas fiscais por parte de intermediários, resulta numa acrescida responsabilização dos intermediários que levem a cabo esses esquemas ilícitos e, por outro, no incremento da transparência em torno da identificação dos detentores do capital cada entidade.
BENEFICIÁRIO EFETIVO
A lei estabelece como primeiro critério de aferição do beneficiário efetivo, a pessoa ou pessoas singulares que detêm uma percentagem suficiente da propriedade das participações sociais de uma entidade.
Não obstante, nem sempre é possível determinar a qualidade de beneficiário efetivo com base no critério da detenção de uma percentagem suficiente da participação social. Por essa razão, a lei dispõe de vários critérios indiciadores da qualidade de beneficiário efetivo, que devem ser aplicados de forma subsidiária.
Assim, consideram-se beneficiários efetivos das entidades societárias, quando não sejam sociedades com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado sujeitas a requisitos de divulgação de informações consentâneos com o direito da União Europeia ou sujeitas a normas internacionais equivalentes que garantam suficiente transparência das informações relativas à propriedade, as seguintes pessoas:
a. A pessoa ou pessoas singulares que, em última instância, detêm a propriedade ou o controlo, direto ou indireto, de uma percentagem suficiente de ações ou dos direitos de voto ou de participação no capital de uma pessoa coletiva. Neste caso, quando o cliente for uma entidade societária, as entidades obrigadas:
i. Consideram como indício de propriedade direta, a detenção, por uma pessoa singular, de participações representativas de mais de 25 % do capital social do cliente
ii. Consideram como indício de propriedade indireta, a detenção de participações representativas de mais de 25 % do capital social do cliente por (i) entidade societária que esteja sob o controlo de uma ou várias pessoas singulares ou (ii) várias entidades societárias que estejam sob o controlo da mesma pessoa ou das mesmas pessoas singulares
b. A pessoa ou pessoas singulares que exercem controlo por outros meios sobre essa pessoa coletiva
c. A pessoa ou pessoas singulares que detêm a direção de topo, se, depois de esgotados todos os meios possíveis e na condição de não haver motivos de suspeita, (i) não tiver sido identificada nenhuma pessoa nos termos das alíneas anteriores ou (ii) subsistirem dúvidas de que a pessoa ou pessoas identificadas sejam os beneficiários efetivos.
No caso dos fundos fiduciários (trusts), consideram-se beneficiários efetivos:
a. O fundador (settlor)
b. O administrador ou administradores fiduciários (trustees) de fundos fiduciários
c. O curador, se aplicável
d. Os beneficiários ou, se os mesmos não tiverem ainda sido determinados, a categoria de pessoas em cujo interesse principal o fundo fiduciário (trust) foi constituído ou exerce a sua atividade
e. Qualquer outra pessoa singular que detenha o controlo final do fundo fiduciário (trust) através de participação direta ou indireta ou através de outros meios.
No caso de pessoas coletivas de natureza não societária, como as fundações, ou de centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica de natureza análoga a fundos fiduciários (trusts), consideram-se beneficiários efetivos a pessoa ou pessoas singulares com posições equivalentes ou similares às mencionadas relativas aos fundos fiduciários.
ENTIDADES SUJEITAS AO RCBE
Uma vez determinados os seus beneficiários efetivos, as entidades obrigadas deverão manter um registo atualizado, suficiente e exato das informações e dos dados que são obrigadas a comunicar regularmente ao registo central do beneficiário efetivo.
Neste âmbito, estão obrigadas à submissão da declaração de RCBE as seguintes entidades:
a. As associações, cooperativas, fundações, sociedades civis e comerciais, bem como quaisquer outros entes coletivos personalizados, sujeitos ao direito português ou ao direito estrangeiro, que exerçam atividade ou pratiquem ato ou negócio jurídico em território nacional que determine a obtenção de um número de identificação fiscal (NIF) em Portugal
b. As representações de pessoas coletivas internacionais ou de direito estrangeiro que exerçam atividade em Portugal
c. Outras entidades que, prosseguindo objetivos próprios e atividades diferenciadas das dos seus associados, não sejam dotadas de personalidade jurídica
d. Os instrumentos de gestão fiduciária registados na Zona Franca da Madeira (trusts)
e. As sucursais financeiras exteriores registadas na Zona Franca da Madeira
f. Os fundos fiduciários e os outros centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica com uma estrutura ou funções similares, quando não se enquadrem nas alíneas anteriores sempre que aos mesmos seja atribuído um NIF pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ou sejam entidades obrigadas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo nos termos da lei Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto.
FISCALIZAÇÃO E SANÇÕES
A comprovação do registo e das respetivas atualizações de beneficiário efetivo pelas entidades constantes no RCBE deve ser exigida em todas as circunstâncias em que a lei obrigue à comprovação da situação tributária regularizada.
Neste contexto, o não cumprimento destas obrigações por parte das entidades obrigadas está sujeito à aplicação de sanções particularmente severas.
Por um lado, pode ser aplicada uma coima num valor que se cifra entre €1.000 e €50.000, mas sobretudo, e enquanto não se verificar o cumprimento das obrigações declarativas e de retificação, as entidades obrigadas incumpridoras são gravemente limitadas na sua atividade e funcionamento.
Com efeito, sempre que se encontrar em incumprimento das exigências do regime do RCBE, a entidade obrigada ao RCBE não poderá (i) distribuir lucros ou fazer adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício, (ii) celebrar contratos de fornecimentos, empreitadas de obras públicas ou aquisição de serviços e bens com entidades públicas, (iii) renovar o prazo dos contratos já existentes, (iv) concorrer à concessão de serviços públicos, (v) beneficiar dos apoios de fundos europeus estruturais e de investimento e públicos ou, ainda, (vi) intervir como parte em qualquer negócio que tenha por objeto a transmissão da propriedade, a título oneroso ou gratuito, ou a constituição, aquisição ou alienação de quaisquer outros direitos reais de gozo ou de garantia sobre quaisquer bens imóveis.
Ademais, o incumprimento declarativo é publicitado na página eletrónica do RCBE.
Acresce, ainda, que quem prestar falsas declarações para efeitos de Registo do Beneficiário Efetivo pode ser criminal e civilmente responsabilizado.
IMPLICAÇÕES FISCAIS
Para além das implicações e sanções acima referidas, existem outras de natureza fiscal.
Através da infraestrutura de acesso e de troca de informações entre as Administrações tributárias, particularmente através das acima referidas DAC 5 e 6, existirá uma fiscalização mais incisiva que potenciará uma mais esclarecida aplicação de normas fiscais anti abuso, tal como a cláusula geral anti abuso prevista na Lei Geral Tributária, como o Principal Purpose Test, previsto na Diretiva Anti Abuso Fiscal (ATAD) e no âmbito das Convenções de Dupla Tributação, no Instrumento Multilateral.
Entre a potencial facilitação da aplicação de normas especiais anti abuso encontram-se, nomeadamente:
a. a imputação fiscal de rendimentos e o tratamento fiscal transparente (flow through) de rendimentos detidos em sociedades que se qualifiquem como Controlled Foreign Company (CFC);
b. o conceito de beneficiário efetivo para efeitos das Convenções de Dupla Tributação e, eventualmente, das Diretivas fiscais europeias, sendo, contudo, de sublinhar a histórica distinção entre beneficiário efetivo “último” de uma entidade (Ultimate Beneficial Owner ou UBO) e beneficiário efetivo de uma transação, havendo uma tradição interpretativa e jurisprudencial internacional a este respeito, que não associa, necessariamente, um conceito ao outro.
PRAZOS DECLARATIVOS
A declaração inicial relativa ao beneficiário efetivo deve ser apresentada no prazo de 30 dias após a conclusão do registo de constituição da entidade.
Por outro lado, qualquer posterior alteração/atualização da informação constante da declaração de beneficiário efetivo apresentada, deve ser efetuada no mais curto prazo possível, sem nunca exceder 30 dias, contados a partir da data do facto que determina a alteração.
Adicionalmente, existe a obrigação anual de atualização da declaração de beneficiário efetivo, cujo prazo corre até ao dia 31 de dezembro de cada ano, mesmo que não tenham ocorrido alterações aos dados declarados.
***
Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Patrícia Largueiras
Inês Dias de Pinho
Miriam Barbosa
Carolina Gomes Alves