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O regime fiscal de Incentivo à Capitalização de Empresas (alterações recentes)

30 Maio 2023
O regime fiscal de Incentivo à Capitalização de Empresas (alterações recentes)
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O regime fiscal de Incentivo à Capitalização de Empresas (alterações recentes)

30 Maio 2023

SUMÁRIO

O regime fiscal de Incentivo à Capitalização de Empresas foi consagrado através da aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2023 tendo sido, recentemente, alterado em virtude da Lei n.º 20/2023, de 17 de maio.

ENQUADRAMENTO

A Lei do Orçamento do Estado para 2023 revolucionou o regime fiscal de Incentivo à Capitalização de Empresas (Regime ICE), com a revogação da Remuneração Convencional do Capital social (RCCS) e da Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos (DLRR).

Inspirado na proposta de Diretiva referente ao debt-equity bias reduction allowance (DEBRA), este novo Regime ICE é concretizado enquanto incentivo à capitalização das empresas e para vigorar a partir de 2023, pese embora não fosse claro o momento a partir do qual as empresas poderiam contar com os efeitos do regime.

Neste sentido, a Lei n.º 20/2023, de 17 de maio veio, agora, esclarecer o âmbito temporal de aplicação do referido Regime, cumprindo, agora também, analisá-lo com pormenor e, bem assim, compreender as suas recentes alterações.

OS BENEFICIÁRIOS ELEGÍVEIS

Mediante a aplicação do Regime ICE, as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas de Direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português.

Por outro lado, o Regime ICE apenas é aplicável aos sujeitos passivos que, no exercício em causa, exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que (i) não sejam entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, nem sucursais em Portugal de instituições de crédito, de outras instituições financeiras ou de empresas de seguros; (ii) disponham de contabilidade regularmente organizada; (iii) o seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos; e (iv) tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.

O BENEFÍCIO

Nesta medida, podem beneficiar, na determinação do seu lucro tributável, de uma dedução da importância correspondente à aplicação da taxa de 4,5 % ao montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis.

Em paralelo, é igualmente prevista a majoração da dedução em 0,5% caso o sujeito passivo se qualifique como uma micro, pequena ou média empresa ou, ainda, uma empresa de pequena-média capitalização (Small Mid Caps).

Aquela majoração representa, assim, uma discriminação positiva destas entidades, que representam o grosso do tecido empresarial português, permitindo-lhes uma dedução de 5% dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis.

A dedução acima não pode exceder, em cada período de tributação, o maior dos seguintes limites: (i) 2 000 000 €; ou (ii) 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos.

Porém, na eventualidade de a dedução exceder o limite de 30% do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos, a parte excedentária é dedutível na determinação do lucro tributável de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, após a dedução relativa a esse mesmo período.

OS AUMENTOS LÍQUIDOS DOS CAPITAIS PRÓPRIOS ELEGÍVEIS

Como referido, o benefício é aplicável sobre os aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis.

A lei define que são considerados aumentos dos capitais próprios elegíveis (i) as entradas realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital social da sociedade beneficiária, (ii) As entradas em espécie por conversão de créditos em capital, (iii) os prémios de emissão, e (iv) a aplicação dos lucros contabilísticos passíveis de distribuição, de acordo com a legislação comercial, em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital.

Caso a variação apurada seja negativa, o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis corresponde a zero.

Visando combater eventuais práticas abusivas, o legislador estabeleceu a exclusão de determinadas operações de realização de entradas em dinheiro que possam permitir situações de “double dipping” — nomeadamente no âmbito de entradas para a constituição ou aumento de capital de sociedades, quando aquelas sejam financiadas por aumentos de capitais próprios elegíveis na esfera de outra entidade — ou de difícil controlo, como no caso de entradas em dinheiro por uma entidade que não seja residente para efeitos fiscais num Estado-Membro da União Europeia, ou no Espaço Económico Europeu ou noutro Estado com o qual esteja em vigor uma convenção para evitar a dupla tributação internacional, acordo bilateral ou multilateral que preveja a troca de informações para fins fiscais.

A APLICAÇÃO TEMPORAL DO NOVO REGIME ICE

De forma introdutória, salienta-se que a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2023 havia já sugerido a aplicação da dedução no apuramento do lucro tributável relativo ao próprio período de tributação em que se verifiquem os aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis e aos nove períodos de tributação seguintes.

Em paralelo, nos termos da Lei do Orçamento do Estado para 2023 aprovada e, bem assim, para efeitos de contabilização dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis, o legislador viria a considerar apenas a soma algébrica dos aumentos verificados em nada um dos nove períodos de tributação anteriores.

Nestes termos, o Regime ICE, na redação da Lei do Orçamento do Estado para 2023, apenas previa que se considerassem os aumentos verificados nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2023.

Tal era, aliás, uma questão relevante do lado dos contribuintes, porquanto, de uma interpretação literal, a dedução tinha por referência os exercícios anteriores, sendo apenas possível usufruir, pela primeira vez, do benefício fiscal previsto no Regime ICE no exercício de 2024.

Não obstante o exposto, a questão relacionada com o âmbito temporal do Regime ICE foi recentemente resolvida pelo legislador português.

A NOVA LEI N.º 20/2023

A Lei n.º 20/2023, de 17 de maio, promoveu a alteração de um conjunto de regimes, entre os quais o Regime ICE.

De facto, a referida Lei concretizou, entre outros aspetos, que o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis deve ser apurado por referência ao somatório dos valores apurados no próprio exercício e em cada um dos nove períodos de tributação anteriores, colocando assim um ponto final na discussão sobre o âmbito temporal da produção de efeitos do Regime ICE.

Em paralelo, e para efeitos do aumento de capitais próprios elegíveis, o legislador consagrou igualmente um regime transitório segundo o qual se considera o primeiro lucro contabilístico de 2022, cuja deliberação e correspondente aplicação, em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital, ocorra no período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2023, pese embora aquele regime transitório coíba a aplicação do benefício fiscal aos aumentos de capital efetuados com recurso aos lucros gerados no período de tributação com início em 2022 que tenham beneficiado da RCCS.

Neste sentido, poderá salientar-se as principais diferenças entre o Regime ICE e a RCCS através da seguinte tabela ilustrada infra:

CONCLUSÕES

O Regime ICE deve ser contextualizado num conjunto de medidas que pretende que a fiscalidade seja neutra na decisão de financiamento das empresas, aproximando-se o regime fiscal do financiamento por dívida ou por capita.

Comparando o Regime ICE com o anterior regime RCCS, notamos que este previa uma taxa de dedução superior, apesar de utilizável em menos exercícios.

Todavia, o Regime ICE, sendo aplicável a aumentos líquidos, poderá ter uma base mais lata de aumentos de capital exigíveis.

A comparação entre ambos não é, assim, evidente, restando aguardar para se apurar, junto das empresas, a evolução do Regime ICE e, na prática, se avaliar o seu sucesso ou insucesso.

Em face do exposto, entendemos que será, por isso, um benefício relevante a acompanhar de perto pelos contribuintes.

***

Lisboa, 30 de maio de 2023

Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob

(Advisory Tax Team)

 

 

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