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O estabelecimento estável para efeitos de IVA: Desenvolvimentos recentes

14 Julho 2023
O estabelecimento estável para efeitos de IVA: Desenvolvimentos recentes
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O estabelecimento estável para efeitos de IVA: Desenvolvimentos recentes

14 Julho 2023

SUMÁRIO

O Tribunal de Justiça da União Europeia (Tribunal de Justiça) tem vindo a pronunciar-se ativamente, em sede de IVA, sobre a localização das prestações de serviços e, bem assim, sobre o conceito de estabelecimento estável.

INTRODUÇÃO

1. As questões associadas à localização de prestações de serviços em sede de IVA têm, desde logo, um impacto significativo na atividade económica das empresas, porquanto têm implicações na sua tributação em determinado Estado.

A regra geral, prevista na Diretiva 2006/112 (Diretiva IVA), consiste em atribuir o lugar da prestação de serviços como o lugar onde o prestador tem a sede da sua atividade económica, no caso da prestação ser efetuada a pessoa que não seja sujeito passivo, e no lugar onde o sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica, no caso de prestação de serviços entre sujeitos passivos de IVA.

Não obstante o exposto, a Diretiva IVA prevê um conjunto de exceções que condicionam, assim, a localização das prestações de serviços para efeitos de IVA, nomeadamente a respeito dos estabelecimentos estáveis.

De facto, e no que concerne às prestações de serviços entre sujeitos passivos, prevê-se ainda que os serviços que forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica são localizados no lugar onde está situado o estabelecimento estável.

Nestes termos, o Regulamento de Execução n.º 282/2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva IVA (Regulamento de Execução), apresenta como definição de “estabelecimento estável” qualquer estabelecimento, diferente da sede da atividade, caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitam receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento.

2. Atento o exposto, o impacto tributário decorrente da exceção relativa a estabelecimentos estáveis foi, desde logo, analisada no Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no âmbito do Processo C-547/18, de 7 de maio de 2020.

Naquele Processo, a Sociedade de Direito Polaco Dong Yang Electronics sp. z o.o. (“Dong Yang”) celebrou um contrato de prestação de serviços de montagem de placas de circuitos impressos (“PCB”) com uma Sociedade de Direito coreano (“LG Coreia”), estabelecida em Seul, cujos materiais e componentes eram propriedade desta última.

Nesta medida, aqueles materiais e componentes eram fornecidos à Dong Yang por uma filial da LG Coreia, a LG Display Polska sp. z o.o. (“LG Polónia”), que possuía meios de produção próprios e, bem assim, um número de IVA distinto da sociedade-mãe (LG Coreia), tendo a Dong Yang faturado os serviços à entidade sul-coreana sem IVA.

Não obstante, e no âmbito de um aviso de liquidação de IVA, a Administração tributária polaca considerou que a Dong Yang executara as prestações de serviços de montagem das PCB a um estabelecimento estável (a filial) da sociedade sul-coreana na Polónia, tendo indicado que recaia sobre a Dong Yang a responsabilidade de averiguar quem era o beneficiário real dos serviços que prestara, o que lhe permitiria concluir, na aceção do Fisco, que o beneficiário era, na realidade, a LG Polónia.

3. Neste âmbito, após a impugnação judicial da decisão da Administração tributária apresentada pela Dong Yang e, bem assim, da suspensão da instância e reenvio prejudicial apresentado pelo Tribunal Administrativo da província de Wrocław, Polónia, para o Tribunal de Justiça da União Europeia, este último concluiu que o Regulamento de Execução não obriga o prestador de serviços a analisar as relações contratuais entre a sociedade estabelecida num Estado terceiro e a sua filial estabelecida num Estado-Membro, para determinar se esta última constitui um estabelecimento estável naquele Estado.

Em paralelo, e como salientou a Advogada-Geral nas suas conclusões, não podem ser impostas ao prestador de serviços obrigações que incumbem às autoridades tributárias, exigindo‑lhe que averigue as relações contratuais existentes entre uma sociedade‑mãe e a sua filial, quando tais elementos não lhe são, em princípio, acessíveis.

4. Em face do exposto, o Tribunal de Justiça concluiu que a Diretiva IVA e o Regulamento de Execução devem ser interpretados no sentido de que a existência de um estabelecimento estável num Estado-Membro de uma sociedade estabelecida num Estado terceiro não pode ser inferida por um prestador de serviços pelo simples facto de essa sociedade aí possuir uma filial, por um lado, e que esse prestador de serviços não é obrigado a averiguar as relações contratuais existentes entre duas outras entidades, por outro, para efeitos de aferir quem é a sua contraparte negocial.

5. Atento o exposto, importa referir que este tem sido um tema relevante e discutido em sede jurisprudencial de forma recorrente, tendo resultado no recente Acórdão Cabot Plastics Belgium, que se analisa seguidamente.

DO TEOR DO ACÓRDÃO CABOT PLASTICS BELGIUM

6. No âmbito do Processo C-232/22, de 29 de junho de 2023, o Tribunal de Justiça voltou a pronunciar-se sobre a existência de estabelecimento estável, para efeitos de IVA.

Atendendo ao enquadramento societário do Grupo, aquelas entidades estavam apenas unidas por um vínculo financeiro, uma vez que 99,99 % do capital da Cabot Plastics era detido pela sociedade luxemburguesa Cabot Holding I GmbH (Cabot Holding I), cujo capital era detido a 100 % pela Cabot Lux Holdings Sari (Cabot Lux Holdings), que, por sua vez, detinha a totalidade das participações da Cabot Switzerland.

No âmbito do Acórdão em análise, a Cabot Switzerland GmbH (Cabot Switzerland), com sede na Suíça e registada, para efeitos de IVA, na Bélgica, celebrou, em fevereiro de 2012, contrato de “trabalho por encomenda” com a sociedade comercial belga Cabot Plastics Belgium SA (Cabot Plastics).

De acordo com este contrato, a Cabot Plastics utilizava exclusivamente os seus próprios equipamentos para transformar, em benefício da sociedade Cabot Switzerland e sob a sua direção, matérias‑primas em produtos que entram no fabrico de plásticos.

Em paralelo, a Cabot Plastics prestava igualmente um conjunto de prestações acessórias em benefício da Cabot Switzerland, em específico a armazenagem de produtos, incluindo a gestão daqueles guardados em armazéns de terceiros, os controlos e as avaliações técnicas internas e externas, entre outros.

7. Ora, de acordo com a regra geral, a prestação de serviços seria tributável no Estado do adquirente (Suíça). Porém, verificando-se a existência de estabelecimento estável na Bélgica, a tributação seria localizada neste Estado-Membro.

Assim, e na sequência de um controlo fiscal realizado em 2017, a Administração tributária viria a considerar que a Cabot Switzerland dispunha de um estabelecimento estável na Bélgica, para efeitos de IVA, e que, por este motivo, se devia concluir que as prestações de serviços realizadas pela Cabot Plastics para aquela sociedade, entre 2014 e 2016, tinham ocorrido na Bélgica e, neste pressuposto, estavam sujeitas a IVA nesse Estado.

8. Notificada para pagamento de IVA, coima e juros legais, a Cabot Plastics impugnou judicialmente a Decisão da Administração tributária, em 30 de março de 2018, perante o Tribunal de Primeira Instância de Liège, Bélgica.

Por Sentença de 14 de janeiro de 2020, aquele julgou o pedido parcialmente procedente, declarando, ainda assim, que a Cabot Switzerland dispunha de um estabelecimento estável na Bélgica.

Não se conformando com essa decisão, a Cabot Plastics interpôs recurso, junto do Tribunal de Recurso de Liège, Bélgica (Tribunal de reenvio), tendo alegado, para o efeito, que as prestações de serviços que faturou à Cabot Switzerland se localizaram na Suíça, onde esta última sociedade dispunha da sede da sua atividade económica, não dispondo esta de estabelecimento estável, para efeitos de IVA, na Bélgica.

9. Atento o exposto, o Tribunal de reenvio suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais que, em suma, solicitavam esclarecimentos quanto às disposições aplicáveis da Diretiva IVA e o Regulamento de Execução, nos quais se pretendia saber se aquelas devem ser interpretadas no sentido de que um sujeito passivo destinatário de serviços, que tem a sede da sua atividade económica fora da União Europeia, dispõe de um estabelecimento estável no Estado-Membro em que está estabelecido o prestador dos serviços, juridicamente distinto desse destinatário, quando o sujeito passivo prestador de serviços realiza em benefício desse sujeito passivo destinatário, em execução de um compromisso contratual exclusivo, essas prestações e uma série de prestações acessórias ou suplementares, que contribuem para a atividade económica do sujeito passivo destinatário nesse Estado-Membro, pertencendo os recursos humanos e técnicos do eventual estabelecimento estável ao prestador de serviços.

10. Em conformidade com a jurisprudência comunitária anterior, o Tribunal de Justiça salientou que a questão de saber se existe um estabelecimento estável, na aceção conferida pela Diretiva IVA, deve ser analisada em função do sujeito passivo destinatário dos serviços prestados.

Em paralelo, o Tribunal considerou igualmente que a qualificação de um estabelecimento estável deve ser apreciada atendendo à realidade económica e comercial e, bem assim, que o facto de uma sociedade possuir uma filial num Estado Membro não significa, em si, que possui também aí um estabelecimento estável, em linha com o decidido no Acórdão Dong Yong Electronics.

11. Alinhado com as observações escritas da Comissão Europeia, o Tribunal de Justiça considerou que o prestador dos serviços em causa continuou responsável pelos seus próprios recursos e efetuou as prestações por sua própria conta e risco, salientando que o contrato de prestações de serviços em apreço não tem por efeito que os recursos do prestador se tornassem os do seu cliente.

Em paralelo, o Tribunal concluiu que as prestações de serviços de “trabalho por encomenda” foram recebidas e utilizadas pela Cabot Switzerland na Suíça, reconhecendo que esta sociedade não dispunha, na Bélgica, de uma estrutura adequada para tal efeito.

12. À luz do que precede, o Tribunal de Justiça decidiu que a Diretiva IVA e o Regulamento de Execução devem ser interpretados no sentido de que um sujeito passivo destinatário de serviços, que tem a sede da sua atividade económica fora da União Europeia, não dispõe de um estabelecimento estável no Estado‑Membro em que está estabelecido o prestador dos serviços em causa, juridicamente distinto desse destinatário, quando não dispõe aí de uma estrutura com recursos humanos e técnicos que possa constituir um estabelecimento estável, mesmo na circunstância de contribuir, com prestações de “trabalho por encomenda” e uma série de prestações acessórias ou suplementares, para a atividade económica do sujeito passivo destinatário nesse Estado-Membro.

CONCLUSÃO

13. A jurisprudência do Tribunal de Justiça tem apontado no sentido de que deverá existir racionalidade, sob o ponto de vista económico e comercial, para afastar o critério da sede da atividade económica quanto à localização de uma prestação de serviços.

Com efeito, o Tribunal de Justiça já havia decidido que apenas em casos muito restritos se poderá entender que uma filial será um estabelecimento estável da sociedade-mãe (não residente na União Europeia) e, agora, decidiu que uma sociedade num Estado-Membro de um Grupo de sociedades, também não poderá, pelo menos de modo automático, ser considerada estabelecimento estável de uma sociedade não residente que pertença ao mesmo grupo.

Em face do exposto, e atendendo à jurisprudência analisada, é possível concluir que o Tribunal de Justiça deu mais um passo importante para conceder maior segurança jurídica às empresas e sociedades multinacionais no âmbito da prossecução das suas operações internacionais com Estados terceiros.

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Lisboa, 14 de julho de 2023

Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro de Silveira Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob

(Tax Litigation Team)

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