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O caso do nosso Selecionador Nacional de Futebol à luz da Cláusula Geral Anti-Abuso

13 Outubro 2022
O caso do nosso Selecionador Nacional de Futebol à luz da Cláusula Geral Anti-Abuso
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O caso do nosso Selecionador Nacional de Futebol à luz da Cláusula Geral Anti-Abuso

13 Outubro 2022

SUMÁRIO

O litígio que opõe, atualmente, o atual selecionador nacional de futebol e a Administração tributária foi, recentemente, objeto de decisão arbitral proferida pelo CAAD, lançando indicadores sobre a aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso e para sua mais precisa aplicação e contestação.

1. A relação entre a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Equipa Técnica da Seleção Nacional de Futebol foi questionada pela Administração tributária, que entendeu aplicável, ao caso, a Cláusula Geral Anti-Abuso (CGAA) e, bem assim, que as prestações de serviço pagas pela FPF à sociedade de que é sócio maioritário o Selecionador Nacional se devem considerar como prestadas, direta e pessoalmente, pelo próprio Selecionador Nacional. Pelo que é em sede de IRS, e não do IRC da sociedade, que a tributação deve ocorrer.

O Selecionador Nacional submeteu, entretanto, a questão ao Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária (CAAD) (vd. www.caad.org.pt), que deu razão à Administração tributária e manteve, portanto, a aplicação da CGAA.

O que está, concretamente, em causa parece poder vir a tornar-se um exemplo académico de aplicação da CGAA.

O ENQUADRAMENTO

2. Foi apurado pela Administração tributária que os serviços assegurados pela quase totalidade da Equipa Técnica da Seleção Nacional de Futebol, incluindo os de Selecionador Nacional, foram contratados pela FPF a uma sociedade de que é sócio o Selecionador Nacional, a qual, por sua vez, veio a contratar os serviços dos restantes membros da Equipa Técnica (alegadamente, com exceção de um).

Perante esta factualidade, a Administração tributária considerou, porém, que não se verificaram razões económicas válidas para interpor a sociedade nesta relação.

A Administração tributária considerou, aliás, que a interposição da sociedade, como parte nos contratos celebrados com a FPF, em lugar do Selecionador Nacional, constituiu um mero instrumento para, em abuso da forma jurídica adotada, alcançar resultado fiscal mais favorável.

Neste âmbito, e ainda no entender da Administração tributária, tal negócio permitiu que a FPF não pagasse contribuições à Segurança Social, ao contrário do que sucedera com as equipas técnicas anteriores, bem como o diferimento da tributação do selecionador nacional e da restante equipa técnica, em sede de IRS, dos rendimentos derivados do exercício da atividade profissional e que são tributados, em IRC e na esfera societária, a taxas mais reduzidas, além de dispensa de retenção na fonte e, ainda, da possibilidade mais ampla de dedução de despesa.

A Administração tributária fez, assim, operar a, designada, Cláusula Geral Anti-Abuso ou CGAA.

Fundamentalmente, a CGAA parte do princípio da prevalência da substância sob a forma e, na redação em vigor à data dos factos (entretanto alterada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de maio). e aplicável ao caso, estabelecia que são ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.

Em consequência, a Administração tributária procedeu à liquidação, adicional, de IRS e de juros, por referência aos anos de 2016 e de 2017, dos quais resultou um valor a pagar no total de € 4.492.494,20 e que veio, entretanto, a ser suportado, a título de sub-rogação, pela FPF.

Deste entendimento, dissentiu o selecionador nacional, nomeadamente no âmbito de um Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado junto do CAAD e procurando a anulação das correções e das liquidações de que foi objeto.

3. Muito recentemente, este Pedido foi objeto de Decisão pelo CAAD e deu razão à Administração tributária, mantendo, portanto, a aplicação da CGAA e as liquidações de imposto e de juros que lhe sucederam.

A POSIÇÃO DO SELECIONADOR NACIONAL 

4. Tendo por referência a Decisão proferida sobre o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo nosso selecionador nacional junto do CAAD, o mesmo invoca, fundamentalmente, que foi a FPF que propôs a contratação dos serviços técnicos das seleções nacionais através de uma sociedade, em função das preocupações, que, então, manifestou, de não querer assumir a contratação dos demais elementos da equipa técnica, nomeadamente porque não pretendia mais que um interlocutor e porque uma eventual cessação do contrato seria mais simples, remetendo para as vicissitudes na cessação dos contratos com a anterior equipa técnica.

Mais adiantou o nosso selecionador nacional que, em função desta preocupação da FPF, não seria adequado e convencional que semelhante obrigação fosse assegurada pessoalmente e que o comum seria fazê-lo através de uma sociedade, «que tem uma estrutura adequada, que contrata os serviços e as pessoas que tiver a contratar».

Isto porque, argumentou o Selecionador Nacional, o objetivo não era, apenas, o de assegurar que o mesmo seria o novo responsável pelos serviços técnicos de supervisão e de coordenação de todas as seleções nacionais da FPF e pela orientação e preparação da Seleção Nacional, mas, também, que caberia à sociedade do Selecionador Nacional a contratação de todos os elementos que viessem a integrar a equipa técnica.

Partindo daqui, invoca, ainda, o selecionador nacional que poderia prestar os seus serviços individualmente ou através de uma sociedade, sendo que – como acontece com a generalidade dos profissionais –, a sua escolha «é eminentemente livre e insindicável, à luz do direito de iniciativa privada e da liberdade de conformação dos negócios ou atividades profissionais».

5. Neste contexto, o selecionador nacional conclui que a estrutura implementada era uma opção perfeitamente legítima e racional do ponto de vista económico e da gestão dos interesses das partes envolvidas e que não foi para obter uma vantagem fiscal comparativa que a FPF celebrou o contrato de prestação de serviços com sociedade detida pelo Selecionador Nacional.

A POSIÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA 

6. Tomando por referência a resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral conforme exposta na correspondente Decisão, a Administração tributária contestou, por seu lado, a argumentação apresentada pelo Selecionador Nacional.

Designadamente, avança a Administração tributária que os contratos celebrados dispõem que as prestações de serviços deveriam ser realizadas através das pessoas neles designadas e não por qualquer outro profissional escolhido pela sociedade contratada, o que determinaria que os técnicos nomeados não poderiam ser substituídos por outros no desempenho das suas funções (sem o consentimento prévio, por escrito, da FPF).

Considera, também, que os contratos entre a FPF e a sociedade mais não são do que contratos que vinculam o selecionador nacional perante a FPF, mediante uma retribuição, tratando-se, por isso, de contratos de prestação de serviços em que o prestador é uma e única pessoa singular.

E, assim sendo, a Administração tributária considera, ainda, que a factualidade reunida permitiu confirmar que a interposição da sociedade, como parte nos contratos celebrados com a FPF, em lugar do selecionador nacional, constituiu um mero instrumento para, em abuso da forma jurídica adotada, alcançar um resultado fiscal mais favorável, legitimando a aplicação da citada CGAA, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT).

7. Partindo daqui, sustenta a Administração tributária que é por se tratar de um caso de abuso de personalidade jurídica e que não é defensável em casos como este, a tese de que o contribuinte é colocado perante duas vias que lhe são propostas pelo legislador e que, nessa medida, não pode ser obrigado a escolher a que lhe for fiscalmente mais penalizadora, avançando que a interposição de sociedades é justamente um dos exemplos clássicos de aplicação de normas anti-abuso, entre eles estando as sociedades de sócio único ou que o gerente/administrador coincide com o sócio.

A Administração tributária expõe, ainda, o seu entendimento de que, nestes casos, «o critério determinante é que a sociedade interposta exerça uma genuína atividade económica», sendo que, na sua ausência, a interposição da sociedade é considerada um “wholly artificial arrangement”, legitimando a desconsideração da personalidade jurídica para efeitos fiscais. E assim é quando a intervenção da sociedade no negócio «é de todo artificial e tem um evidente intuito elisivo».

8. Para a formação da convicção e sustentação da ausência de substância económica real da operação, a Administração tributária elenca, designadamente, que:

  • a sociedade tem como sócios a pessoa que presta os serviços objeto do contrato e pessoas pertencentes ao seu núcleo familiar;
  • os serviços profissionais objeto do contrato foram desempenhados exclusivamente por um sócio, à data da celebração do primeiro contrato, sócio único;
  • a sociedade não dispunha de estrutura material e humana adequada para o desempenho dos serviços prestados;
  • a FPF suportava a maioria dos custos com os estágios e deslocações da Seleção Nacional, incluindo os da equipa técnica;
  • cerca de 90% dos gastos da sociedade resultam das transferências para os restantes elementos da equipa técnica, no âmbito do contrato com a FPF;
  • os restantes gastos não apresentam relação aparente com a prestação de serviços objeto do contrato com a FPF;
  • a FPF apresenta características de uma sociedade familiar, que tem como único propósito concentrar património e investimentos dos Requerentes e familiares, não apresentado uma estrutura que a habilite a prosseguir uma atividade económica real como a natureza da que foi contratualizada;
  • a sede da sociedade coincide com o domicílio fiscal dos Requerentes;
  • os funcionários da sociedade trabalhavam, na verdade, pessoalmente para os Requerentes e não estão afetos a qualquer atividade económica real alegadamente prosseguida pela sociedade;
  • nenhuma diferença material haveria entre os contratos efetivamente celebrados com a sociedade e contratos que fossem realizados diretamente com os elementos da equipa técnica, as cláusulas seriam as mesmas, mudaria a designação dos intervenientes, pelo que a única diferença resultaria da interposição formal de sociedades;
  • há uma dependência total entre os contratos base celebrados pela sociedade com a FPF e os contratos celebrados por aquela com as empresas detidas pelos elementos da restante equipa técnica, sem que haja qualquer evidência do valor acrescentado aportado por aquela, tão-pouco quaisquer compensações ou riscos associados; e
  • a intervenção da sociedade no contrato circunscreveu-se (ou foi-o predominantemente) a um centro emissor de faturação e recetor de faturação de terceiros, designadamente das sociedades controladas pela restante equipa técnica.

9. A Administração tributária aponta, ainda, que o modelo contratual utilizado possibilitou que os rendimentos atribuídos pela FPF fossem sujeitos a uma taxa de tributação inferior à que resultaria da tributação em IRS dos mesmos rendimentos, enquadrados na categoria B do Código do IRS e, como tal, sujeitos a englobamento, com a aplicação das taxas progressivas, e, em simultâneo, permitiu a ambas as partes, a diminuição do nível das contribuições para a segurança social.

Aponta, igualmente, que outro benefício associado à opção por esta solução contratual traduziu-se na aplicação do regime de dedutibilidade de gastos consagrado no Código do IRC que, relativamente a certos tipos de despesas, é mais amplo do que o previsto no quadro do IRS para os rendimentos da categoria B, em particular no tocante a encargos.

A DECISÃO DO CAAD

10. Nesta fase, portanto, e tendo por base o que foi alegado no processo, o Tribunal Arbitral acolheu, genericamente, a posição da Administração tributária.

Porém, a Decisão Arbitral proferida pelo CAAD aqui em apreço não se trata, ainda, de uma decisão definitiva, sendo suscetível de Recurso e de Impugnação.

Nomeadamente, o Tribunal Arbitral não acolheu que a motivação da opção contratual estabelecida foi a de permitir à FPF ter um único interlocutor, e isto porque a sociedade está contratualmente impedida de executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, para além das individualmente indicadas, salvo com o consentimento prévio por escrito da FPF, que poderá concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável. E, para esta convicção contribuiu o facto de a FPF ter ao seu serviço uma outra pessoa “que era um elemento complementar da equipa A...”, e que nada tem a ver com a sociedade.

11. Enquanto ponto de partida, o Tribunal Arbitral reconhece, também, que aos contribuintes assiste o direito constitucional ao livre desenvolvimento de uma catividade económica, que pode ser exercida através do modelo de organização empresarial que aqueles entendam ser mais adequado para o efeito, e que inclui a liberdade de gestão fiscal.

Contudo, o Tribunal Arbitral considera que o direito ao planeamento e gestão fiscal não é absoluto e que o planeamento fiscal levado a cabo pelos contribuintes nem sempre será legitimo e admissível, particularmente se se esgota em si mesmo por não envolver quaisquer operações ou atividades dotadas de substância económica ou assentes em válidas razões comerciais.

O Tribunal Arbitral subscreve, assim, o entendimento de que «serão casos de elisão fiscal aqueles em que os contribuintes utilizam expedientes anómalos, impróprios ou artificiais, que são desprovidos de racionalidade económica e comercial e cuja utilização se explica pelo intuito proeminente de contornar ou instrumentalizar as normas jurídico-tributarias tendo em vista a obtenção de uma poupança. fiscal. Na medida em que são abusivos e contrários ao espírito e propósito do sistema jurídico-tributário, estes mecanismos apenas se poderão considerar aparentemente legais, isto é, de um ponto de vista estritamente formal.»

12. Para a integração da aplicação da CGAA, o Tribunal Arbitral adota o método, clássico, de verificação de cinco elementos cumulativos e que «decompõe a aplicação da CGAA na apreciação dos elementos resultado, meio, intelectual, normativo e sancionatório».

Quanto ao elemento resultado, o Tribunal propôs-se aferir se a estrutura utilizada «teve ou não como consequência a “redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios”.»

Neste âmbito, e tendo por referência a prestação dos serviços e a cedência dos direitos de imagem direta e pessoalmente pelo Selecionador Nacional, o Tribunal Arbitral concluiu que «a mesma prestação de serviços teria sido sujeita a uma carga tributária manifestamente mais elevada se o imposto, ao invés de ter sido apurado (…) com base nas regras do IRC, tivesse sido determinado direta e pessoalmente (…) com base nas regras do IRS.», ou seja, que foi apurada uma vantagem fiscal e que sempre haveria, pelo menos, um “diferimento temporal de impostos”.

Quanto ao elemento meio, o Tribunal Arbitral propõe-se aferir se a prestação dos serviços de selecionador nacional, bem como a cedência de direitos de imagem, através de uma sociedade, consistiu ou não na utilização de um meio artificioso e abusivo.

Neste, outro, âmbito, o Tribunal Arbitral considerou que, apesar de os referidos contratos terem sido celebrados, formalmente, com a sociedade, o que deles resulta, em substância, é a contratação de prestações de serviços pessoais e intransmissíveis e que aquelas eram as pessoas que a FPF queria que prestassem os serviços em causa, e foram essas pessoas, que desenvolveram, diretamente com a FPF e «sem a interferência da sociedade», os serviços em questão.

E considerou, ainda, que a estrutura dos negócios jurídicos celebrados evidencia «uma nítida confusão e indissociação entre a esfera pessoal e societária, isto é, entre o prestador efetivo dos serviços e o prestador cuja intervenção é meramente formal e desprovida de substância económica».

Também neste âmbito, o Tribunal Arbitral concluiu que a interposição de um ente societário não foi necessária, nem indispensável para mitigar o risco de futuros litígios.

E o Tribunal Arbitral considera, ainda, que bastaria substituir a sociedade, pela pessoa física, nos contratos celebrados com as sociedades dos demais elementos da equipa técnica, mantendo todo o clausulado e a dependência funcional, para assegurar a vinculação perante uma só entidade, para concluir que a sociedade não desempenhou qualquer função real e efetiva.

A este respeito, o Tribunal Arbitral conclui que a intervenção da sociedade nos contratos com a FPF «é meramente formal e desprovida de substância económica, não se revelando a mesma coerente e racional segundo um padrão de razoabilidade económico-comercial, mas antes como anómala, supérflua e artificial tendo em vista os serviços a prestar», ou seja, «consistiu na utilização de um expediente abusivo».

Quanto ao elemento intelectual, o Tribunal Arbitral propõe-se aferir se as escolhas e as formas adotadas pelos contribuintes foram fiscalmente dirigidas (tax driven), e se o resultado fiscal prevalece sobre o resultado não fiscal.

Para este efeito, o Tribunal Arbitral ressalva, porém, estar-se no terreno das intenções, pelo que «a AT [e o Tribunal, dizemos nós] é obrigada a recorrer a elementos indiciários e presuntivos, num contexto de razoabilidade e normalidade».

A este respeito, o Tribunal Arbitral começa por referir que «de acordo com as regras da lógica e da experiência comum não se afigura verosímil que na estruturação jurídica da operação […] não tenham ponderado nem pesado por qualquer forma a conveniência e favorabilidade fiscal resultante do modelo contratual adotado».

Simultaneamente, «Conforme se desenvolveu anteriormente na apreciação do elemento meio, os Requerentes não lograram demonstrar um ganho económico-empresarial efetivo que tivesse resultado da contratação dos serviços de selecionador nacional através da D.... [sociedade]».

Conclui, assim, o Tribunal Arbitral que «a falta de motivação e razoabilidade económico-empresarial da interposição de um ente societário na operação evidencia, por si só, que o seu fator determinante foi a obtenção de um ganho fiscal» e, portanto, «que o conjunto encadeado de negócios jurídicos celebrados com a intervenção da sociedade (…) foi essencial ou principalmente dirigido à obtenção de uma vantagem fiscal».

Finalmente, o Tribunal Arbitral aprecia, ainda, o denominado elemento normativo, ou seja, «a validação de que a conduta, apesar de ser civil ou comercialmente lícita, foi orientada para a obtenção abusiva de um ganho fiscal em sentido contrário ao visado pelo sistema jurídico-tributário globalmente considerado, razão pela qual é objeto de reprovação normativo-sistemática».

E aqui, o Tribunal Arbitral considera que o facto de ter sido «utilizado um meio desprovido de razões económico-empresariais válidas, isto é, um meio artificial e abusivo, com o objectivo proeminente de obter uma vantagem fiscal, implica que o comportamento em causa é anti-jurídico e merecedor de reprovação normativo-sistemática».

12. O Tribunal Arbitral considerou, assim, verificados todos os elementos de que dependia a aplicação da CGAA, devendo, portanto, e não obstante a manutenção dos efeitos civis, serem desconsideradas, apenas no âmbito tributário, as vantagens fiscais que tiverem sido indevidamente obtidas pelos contribuintes.

O VOTO VENCIDO

13. O Tribunal Arbitral funcionou, neste caso, através de um coletivo de três juízes, sendo um nomeado pelo contribuinte, outro pela Administração tributária e outro, ainda, pelo CAAD.

Ora, o regime arbitral admite a possibilidade de os três juízes não se encontrarem de acordo quanto à Decisão Arbitral, como se verifica ter sido, precisamente, o que sucedeu no presente caso, em que um dos árbitros discordou da Decisão Arbitral.

Nesta circunstância, o Árbitro que se encontra em desacordo deve redigir um ‘voto de vencido’, onde expõe as razões da sua discordância.

Na concreta situação, o ‘voto de vencido’, para o efeito redigido, elenca sete importantes pontos principais de discordância com a Decisão Arbitral.

O primeiro ponto de discordância assenta na circunstância de que o Tribunal apenas pode acolher a fundamentação atempadamente invocada pela Administração tributária (neste caso) no Relatório de Inspeção Tributária «sob pena de ilegal fundamentação a posteriori». E, aqui, o voto de vencido indica, a título exemplificativo, diversos factos que só terão sido invocados pela Administração tributária posteriormente e que não constam do Relatório de Inspeção Tributária e que, portanto, constituem fundamentação à posteriori ilegal.

O segundo ponto prende-se com a desvalorização do depoimento da única testemunha ouvida pelo tribunal e com intervenção direta nos factos.

O terceiro ponto está relacionado com a ponderação da prova, por entender que (i) «não ocorreu mera substituição de prestação de serviços de selecionador, por prestação homóloga, via D... (sociedade por si controlada)», (ii) a FPF «não teve qualquer poupança tributária. Paga os mesmos impostos, quer tivesse contratado os serviços dos selecionadores via D..., quer o fizesse diretamente com as pessoas singulares (na categoria B do CIRS)», (iii) não se identifica «qualquer desvalor no tema da cedência dos direitos de imagem» e (iv) a vantagem fiscal e o putativo abuso deveria ser visto por referência ao ano do primeiro contrato (2014) quando «os valores das prestações de serviços eram menores – e inferior a poupança fiscal face à indicada nos autos».

O quarto ponto elencado no ‘voto de vencido’ é de que, no balanceamento consolidado entre as razões fiscais e não fiscais, não se pode concluir que «a razão fiscal tenha sido a principal; existem razões não fiscais relevantes e principais; quanto muito, a razão fiscal (como parametrizada supra) foi uma das principais, ao mesmo nível das razões não fiscais relevantes – e por isso, perante a lei antiga (aplicável ao caso dos autos) não se verifica este elemento da CGAA».

O quinto ponto é o de que a intervenção da sociedade não é artificiosa ou fraudulenta e que se justifica.

O sexto ponto é o de que não existiu abuso de formas jurídicas, especialmente porque, «por opção e desejo do legislador» a sociedade em apreço não foi submetida ao regime de transparência fiscal, não foi extravasado o elemento finalístico das sociedades e que o facto de a sociedade pagar mais aos treinadores adjuntos que ao principal poderia ser resolvida através do mecanismo dos preços de transferência, não cabendo no âmbito da CGAA e violando a natureza subsidiária da CGAA.

E o sétimo e último ponto elencado no ‘voto de vencido’ é o de que, se a CGAA impõe a ineficácia, em termos fiscais, dos atos e negócios celebrados, então a sociedade não tem de pagar IRC e o que pagou (erradamente) tem de ser descontado ao valor do IRS a liquidar ao sócio, o que não foi feito pela Administração tributária, sob pena da ilegal limitação da ineficácia fiscal e ilegal duplicação de valores de imposto sobre o rendimento pagos ao mesmo tempo.

OBSERVAÇÕES FINAIS

14. A Decisão Arbitral ora proferida, sob o tema em presença, resulta da concatenação dos elementos, clássicos, ue decompõem a aplicação da CGAA: (os elementos resultado, meio, intelectual, normativo e sancionatório.

Esta análise reveste-se, normalmente, de um certo grau de subjetividade influenciado, também, pela ponderação e pela valoração que o Tribunal faz da prova produzida, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador. E o próprio Tribunal Arbitral ressalva, quanto ao elemento intelectual, a chamada probatio diabólica, que resulta da «quase impossibilidade de provar, para além de um juízo de probabilidade, a vontade do contribuinte, precisamente o que o contribuinte oculta ou dissimula, e que sem a qual o meio utilizado ou resultado obtido não são censurados».

15. Nestes casos, portanto, é fundamental apresentar à Administração tributária, e, se necessário, ao Tribunal, os concretos factos em que assentam as razões económicas válidas e onde podem, naturalmente, inserir-se, também, opções de gestão e de organização profissional tomadas, justamente, ao abrigo do direito, constitucionalmente consagrado, de livre desenvolvimento de atividade económica, mesmo que de natureza desportiva, e razões comerciais válidas.

Incluindo, aqui, nomeadamente, o respeito pelo direito de opção da forma empresarial a qual, dentro dos limites legais, os contribuintes entenderem mais conveniente, em conformidade com as regras estabelecida pela Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de onde emana a CGAA atualmente em vigor, e onde se estabelece como pressuposto que as regras gerais antiabuso deverão ser aplicadas a montagens que não sejam genuínas, caso contrário, o contribuinte deverá dispor do direito de optar pela estrutura mais vantajosa do ponto de vista fiscal para as suas atividades comerciais.

E isto porque os elementos, clássicos, que decompõem a aplicação da CGAA são, eles próprios, suscetíveis de integração diversificada e que pode, ou não, afastar a aplicação da CGAA em função do enquadramento apresentado.

16. Mas, além disso, é também fundamental fazer prevalecer as regras de aplicação da CGAA, nomeadamente no que se refere à sua natureza subsidiária e de última ratio, tendo presente as regras estabelecida pela referida Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, onde se prevê, impressivamente, que as regras gerais antiabuso têm a função de colmatar lacunas.

Para aplicação da CGAA, portanto, e à luz do direito europeu, a Administração tributária deve, também, e para além da demonstração dos elementos, clássicos, que decompõem a aplicação da CGAA, indicar e identificar, concretamente, a verificação de uma lacuna.

17. Simultaneamente, esta Decisão Arbitral é tomada com um ‘voto de vencido’ onde são esgrimidos argumentos, sólidos, que podem, mesmo, servir para vir a fundamentar uma decisão diversa.

A Decisão Arbitral proferida pelo CAAD e, aqui, em apreço, é suscetível, como adiantado, de recurso e de impugnação, ou seja, não se trata, ainda, de uma Decisão definitiva.

Nesta fase, o Tribunal Arbitral acolheu, porém, genericamente, o alegado pela Administração tributária, mas esta Decisão poderá, ainda, ter que vir, ou não, a ser confirmada pelos Tribunais superiores.

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Lisboa, 13 de outubro de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Pedro José Santos
João Mário Costa
Rita Lima de Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Braga Reigoto

(Tax litigation team)

www.rffadvogados.pt

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