Newsletters

O Acórdão N.º 101/2023 do Tribunal Constitucional: Um volte-face na CESE?

15 Junho 2023
O Acórdão N.º 101/2023 do Tribunal Constitucional: Um volte-face na CESE?
Newsletters

O Acórdão N.º 101/2023 do Tribunal Constitucional: Um volte-face na CESE?

15 Junho 2023

SUMÁRIO

No passado mês de março de 2023, foi proferido, pelo Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 101/2023, o qual veio inaugurar um procedente ao declarar inconstitucional a norma relativa à incidência subjetiva da CESE, na parte em que faz incidir esta contribuição sobre as concessionárias das atividades de transporte, distribuição e armazenamento subterrâneo de gás natural.

INTRODUÇÃO

A Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) foi introduzida no Ordenamento Jurídico nacional com a aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2014, tendo o seu regime sido sucessivamente alterado, e a sua vigência reiteradamente prorrogada, numa base anual, por via das Leis do Orçamento do Estado para 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023.

A CESE foi criada num contexto muito específico, de crise económico-financeira, como um tributo aplicável extraordinariamente a algumas empresas do setor da energia, com incidência nos subsetores de eletricidade, gás natural e petróleo, cuja receita se pretendia consignada ao financiamento de mecanismos que promovessem a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da criação de um fundo que visasse contribuir para (i) a redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN) e, bem assim, (ii) a adoção de políticas sociais e ambientais relacionadas com a eficiência energética (cfr. Newsletter de 18 de maio de 2015).

Efetivamente, a CESE foi criada no contexto da execução do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), acordado pelo Estado português com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional. Com efeito, o “Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica”, celebrado em maio de 2011, estabelecia como objetivo para o mercado de energia, a par da conclusão dos processos de liberalização dos mercados de eletricidade e de gás natural e da avaliação dos instrumentos de política energética e de tributação, a adoção de medidas tendentes a conter o défice tarifário do setor elétrico.

A sua manutenção, até aos dias de hoje, aliada ao constante alargamento da sua incidência, contrariam a promessa da sua efetiva transitoriedade.

Até ao Acórdão n.º 101/2023 do Tribunal Constitucional, este Tribunal sempre julgou pela constitucionalidade de diversas normas do Regime Jurídico da CESE, quer relativas ao ano da sua criação (2014), quer normas mantidas em vigor nos anos subsequentes.

O ACÓRDÃO N.º 101/2023 DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

O objeto do recurso que deu origem ao Acórdão n.º 101/2023 do Tribunal Constitucional circunscrevia-se à norma de incidência subjetiva do Regime Jurídico da CESE, na parte em que determina a incidência sobre as empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural.

O Tribunal Constitucional entendeu que os pressupostos, tanto de facto, como de direito, em que assentaram as decisões proferidas sobre a CESE no período entre 2014 e 2017 se alteraram.

Relativamente aos pressupostos de facto, os quais se reconduzem aos fatores conjunturais referidos no Acórdão n.º 7/2019 do mesmo Tribunal, considerou-se que, embora em 2018 subsistisse “(…) um considerável volume de dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional”, se verificava uma tendência consolidada de redução desta dívida.

Já no respeitante aos pressupostos de direito, o Tribunal entendeu que o destaque atribuído, no referido Acórdão n.º 7/2019 e na sua jurisprudência posterior, ao financiamento de medidas de regulação e de apoio às empresas, de cariz social e ambiental e relacionadas com a eficiência energética “(…) deixou de corresponder ao destino legal das receitas da CESE, em virtude das alterações introduzidas no regime jurídico do FSSSE.”.

De acordo com o Tribunal Constitucional, as alterações efetuadas a partir de 2018 ao regime jurídico da CESE obstam a que se verifique atualmente um nexo entre as prestações públicas que aquela denominada Contribuição visa financiar e o grupo dos sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural.

Assim sucede por duas ordens de razão: a primeira, porque se entendeu, no aresto ora em análise, não existir motivo para fazer correr por conta das empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico, nem para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetores, nomeadamente o setor do gás natural.

A este respeito, considerou ainda o Tribunal Constitucional que “(…) o regime não define critérios que imponham que uma parte relevante da receita da CESE se mantenha afeta ao financiamento de medidas tendentes a favorecer os interesses de todos os operadores económicos incluídos no seu âmbito de incidência subjetiva (e não isentos).”.

A segunda razão que motiva a referida falta de nexo entre as prestações públicas que a CESE visa financiar e os sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural prende-se com a “(…) a circunstância de as tarefas que o tributo se destina a financiar não terem sido objeto de densificação mínima, não permite sequer apreender se e em que medida cada um dos subsetores em causa é visado pelas medidas a adotar pelo FSSSE.”.

Ora, não sendo possível aferir se, e em que medida, cada subsetor da energia (transporte, distribuição ou armazenamento subterrâneo de gás natural) é beneficiado pelas tarefas financiadas pela CESE, não se pode pugnar pela existência de equilíbrio na repartição deste encargo tributário.

Assim, entendeu o Tribunal Constitucional que, “(…) a partir de 2018, o legislador reduziu os objetivos a que a CESE se dirige em termos tais, que deixou de ser possível afirmar que as concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural podem ser consideradas responsáveis pela sua concretização, e muito menos presumíveis causadoras ou beneficiárias das prestações públicas que ao FSSSE incumbe providenciar. Resta, pois, concluir que a norma que integra o objeto do presente recurso viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.”.

Nesta sequência, o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2018 pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2018, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, na sua redação atual).

A LITIGÂNCIA ABERTA PELA DECISÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Tendo em conta o panorama da jurisprudência constitucional (e também a dos Tribunais superiores) relativa à CESE até ao Acórdão ora em análise – a qual pugnava, de forma unânime, pela constitucionalidade de diversas normas do respetivo Regime Jurídico –, é inegável que o aresto ora em análise abriu um precedente em termos de jurisprudência relativa a esta denominada Contribuição.

De facto, esta decisão configura, agora, um verdadeiro volte-face na jurisprudência, sobretudo numa questão tão importante como a da incidência subjetiva desta designada Contribuição.

É, portanto, de saudar a coragem do Tribunal Constitucional em alterar a sua posição quanto a esta denominada Contribuição.

Por ora, resta aguardar pelo sentido da jurisprudência posterior, a qual acreditamos que não poderá ser indiferente a este Acórdão do Tribunal Constitucional.

***

Lisboa, 15 de junho de 2023

Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
Carolina Mendes
Mariana Baptista Freitas
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Reigoto
Álvaro Pinto Marques

(Tax Litigation Team)

 

Know-How