O Tribunal Constitucional julgou inconstitucional as normas aplicáveis aos Fundos de Investimento e às Sociedades de Investimento para Arrendamento Habitacional interpretadas no sentido de que as isenções em sede de IMT e IS caducam caso o imóvel adquirido seja alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014.
ENQUADRAMENTO INTRODUTÓRIO
O Regime Tributário dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) (Lei n.º 64-A/2008), não impunha qualquer restrição temporal para efeitos de isenção de IMT e IS, relativamente aos imóveis adquiridos que fossem objeto de arrendamento habitacional.
Tal imposição surge, mais tarde, com o regime introduzido pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (LOE de 2014), que, ao fazer retroagir tal exigência a um imóvel adquirido em momento anterior à vigência desta Lei (1 de Janeiro de 2014), suscitou questões acerca da eventual violação do principio da não retroatividade da lei fiscal.
O critério temporal teria como razão de ser a realização de um controlo sobre a verificação dos requisitos da isenção de IMT e de IS, por parte das pessoas jurídicas que dela beneficiam, com vista a fiscalizar e reagir a eventuais abusos ou fraudes.
O ACÓRDÃO N.º 210/2024 DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
O Acórdão tem na sua génese o litígio submetido ao Tribunal Arbitral que apreciou um pedido de declaração de nulidade e/ou de anulação da liquidação de IMT e de IS relativos à aquisição, por uma sociedade gestora de fundos de investimento, de determinado prédio urbano, em momento anterior a 1 de janeiro de 2014.
A Administração Tributária sustenta que a alienação do referido prédio urbano, realizada em 30 de dezembro de 2015, fizera caducar a isenção de IMT e de IS de que a respetiva aquisição havia beneficiado.
Contudo, o Tribunal recorrido considerou que o evento tributário em discussão – ou seja, a realidade integrada pelo facto tributário (aquisição do imóvel) e pelo pressuposto que integra a condição aposta ao benefício (destinação do prédio a arrendamento habitacional permanente) -, na medida em que ocorrera em momento anterior a 1 de janeiro de 2014, se verificara integralmente sob a vigência da lei antiga. Pelo que prescrever a aplicação de novos pressupostos da condição do benefício a um facto tributário plenamente consolidado, anterior à sua entrada em vigor, constitui uma violação da proibição da retroatividade fiscal.
Neste contexto, importa notar que o Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento que a proibição da retroatividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito de aplicação as situações em que a lei é aplicada a factos passados, mas cujos efeitos ainda perduram no presente.
De acordo com o Tribunal Arbitral, tanto o facto tributário em discussão – aquisição do imóvel pelo fundo imobiliário -, como a condição aposta às isenções – destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente – completaram-se integralmente no âmbito de vigência do regime anterior. Assim, sujeitá-los à aplicação dos novos pressupostos fazendo caducar a isenção em caso de alienação do imóvel adquirido dentro dos três anos subsequentes à respetiva entrada em vigor, originaria a extinção de um benefício fiscal plenamente consolidado no domínio da lei antiga, agravando a situação tributária do fundo imobiliário adquirente em termos incompatíveis com a proibição do n.º 3 do artigo 103.º da CRP.
Entende o Tribunal Constitucional que “Ao adicionar ao pressuposto originariamente previsto para a isenção destinação do imóvel adquirido exclusivamente a arrendamento para habitação permanente os novos pressupostos resultantes do aditamento ao artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH dos seus atuais n.ºs 14 a 16 a exigência de celebração efetiva de contrato de arrendamento para habitação e de não alienação do mesmo dentro de certo prazo, a norma do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 alcança e agrava a condição resolutiva aposta ao beneficio, que vinha do passado, originando, com isso, um caso de retroatividade autêntica.”
Conforme decorre do Acórdão em análise, sob a vigência da lei antiga, a destinação do imóvel adquirido ao arrendamento habitacional, através da sua efetiva disponibilização para tal efeito, constituía condição simultaneamente necessária e suficiente para atribuição das isenções concedidas no âmbito do IMT e do Imposto de Selo. Nada se prevendo relativamente à necessidade de o imóvel adquirido ser efetivamente arrendado e/ou de permanecer na propriedade do fundo adquirente durante certo prazo, sob pena de caducidade do benefício.
Segundo se considera no Acórdão em análise, ao determinar-se a caducidade dos benefícios fiscais no caso de o imóvel adquirido não ser efetivamente arrendado, a lei nova acaba por transferir para os fundos o risco inerente ao funcionamento do mercado em termos que não se verificavam anteriormente, como não eram antecipáveis.
De acordo com o Tribunal Constitucional o aditamento do pressuposto da caducidade introduzida nas isenções fiscais previstas no âmbito do IMT e do Imposto de Selo, frustra as expectativas legitimamente incutidas nos fundos investidores pelo regime fiscal, do qual tais aquisições foram decididas, “(…) violando aquele mínimo de certeza e de segurança que todos os intervenientes no tráfego jurídico, ao planearem a sua ação e ao realizarem as suas escolhas, devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluindo, o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional, por violação do princípio da proteção da confiança, a norma do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional e às Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, na versão resultante das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e IS previstas nos n.ºs 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014.
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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo