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A tributação das mais valias nas transmissões de participações sociais em pequenas empresas não residentes é contrária ao Direito da União Europeia?

18 Outubro 2024
A tributação das mais valias nas transmissões de participações sociais em pequenas empresas não residentes é contrária ao Direito da União Europeia?
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A tributação das mais valias nas transmissões de participações sociais em pequenas empresas não residentes é contrária ao Direito da União Europeia?

18 Outubro 2024

A presente Informação apresenta uma breve análise sobre a tributação, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, das mais valias sobre as transmissões de participações sociais em pequenas empresas não residentes, à luz do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia n.º C-472/22.

ENQUADRAMENTO

No caso em apreço levantou-se a questão de saber se pode ser aplicado o regime previsto no artigo 43.º, n.º 3 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) – nos termos do qual o saldo das mais e menos valias relativas a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado e não regulamentado da bolsa de valores deve ser tributado a 50% - à venda de ações de uma sociedade não residente em Portugal.

A problemática surgiu no seguimento da apresentação de um pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS pela Administração Tributária, por não ter aplicado o regime mencionado artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS à venda de ações de uma micro ou pequena empresa não cotada de direito francês por parte de um residente fiscal em Portugal, invocando-se que tal regime seria discriminatório e logo violador das liberdades fundamentais da União Europeia.

Nessa sequência, o CAAD decidiu suspender a instância e remeter para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) mediante um processo de reenvio prejudicial para que este se pronunciar sobre esta questão.

DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA

O Acórdão do TJUE n.º C-472/22 tem por objeto a interpretação dos artigos 49.º e 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do princípio geral do direito da União de proibição de práticas abusivas, por forma a aferir se os mesmos se opõem a uma prática fiscal de um Estado Membro que reserva o beneficio fiscal apenas às transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas nesse Estado Membro, com exclusão das transmissões sociais em sociedades estabelecidas noutros Estados-Membros.

O TJUE menciona que “[a] legislação nacional em causa no processo principal, tal como aplicada pela Autoridade Tributária aplica-se indistintamente a qualquer pessoa singular com residência fiscal em Portugal e implica um tratamento diferenciado baseado exclusivamente no lugar de estabelecimento das sociedades nas quais os capitais são investidos, com o intuito de incentivar o investimento na atividade económica em Portugal, em detrimento do investimento noutros Estados-Membros.”

Acrescenta, ainda, que “(…) admitir que os contribuintes que investem em empresas que exercem uma atividade económica em Portugal seriam colocados numa situação diferente dos contribuintes que investiram em empresas que exercem uma atividade económica fora de Portugal, quando o artigo 63.º, n.º 1 TFUE proíbe precisamente as restrições aos movimentos de capitais transfronteiriços, esvaziaria esta disposição do seu conteúdo (…)”, concluindo que “(…) a diferença de tratamento resultante de uma legislação dessa natureza não assenta numa diferença objetiva de situações.”.

De seguida o Tribunal debruçou-se sobre se a restrição à livre circulação poderia ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, nos termos previstos na jurisprudência do TJUE, já que a Administração Tributária se apoiou no facto de a prática fiscal em causa ter como objetivo o apoio às empresas nacionais e o estímulo da atividade económica em Portugal.

Com efeito, o TJUE refere, a esse propósito, que “(…) mesmo admitindo que tal objetivo seja considerado admissível, não foi fada nenhuma indicação que sugira que o objetivo seria alcançado se o beneficio fiscal previsto na legislação em causa no processo principal fosse igualmente aplicado às mais-valias geradas pela transmissão de participações sociais em micro e pequenas empresas que exercem uma atividade económica fora de Portugal (…)”, concluindo que “a legislação em causa no processo principal, tal como a aplicada pela Autoridade Tributária, não é justificada por razões imperiosas de interesse geral.”.

Em face de todo o exposto, o TJUE concluiu que “[o] artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática fiscal de um Estado-Membro, em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, que reserve um beneficio fiscal, que consiste na redução para metade da tributação das mais valias geradas pela transmissão de participações sociais, apenas às transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas nesse Estado Membro, com exclusão das transmissões de participações sociais em sociedades estabelecidas noutros Estados Membros.”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que a legislação portuguesa nesta matéria é contrária ao Direito da União Europeia, nomeadamente à liberdade de circulação de capitais proibida pelo TFUE, reforçando a necessidade de um tratamento não discriminatório, em relação aos investidores da União Europeia favorecendo os investimentos em empresas nacionais, em detrimento dos restantes.

Esta decisão deverá implicar que o legislador tenha de proceder a uma alteração legislativa para conformar o regime previsto no Código do IRS com os princípios fundamentais da EU, expurgando tal regime discriminatório, bem como obrigar a Administração Tributária a reavaliar as suas práticas, obviando a discriminações injustificadas.

Adicionalmente, devido ao seu efeito vinculativo para os tribunais nacionais, esta decisão permitirá aos contribuintes contestar as liquidações de IRS (liquidadas nos últimos anos) em que não tenham beneficiado do regime de tributação do artigo 43.º, n.º 3 do Código do IRS, quando alienaram participações sociais de micro ou de pequenas empresas (não cotadas) que sejam residentes noutro Estado, ou seja, situações em que o saldo das mais e menos valias relativas a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado e não regulamentado da bolsa de valores teria que ser tributado a 50%, independentemente do Estado da sede da sociedade.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Maria Antónia Silva
Marta Arnaut Pombeiro
Raquel Tomé Castelo

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