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A propósito do novo englobamento das mais-valias de curto prazo (ditas “especulativas”)

01 Julho 2022
A propósito do novo englobamento das mais-valias de curto prazo (ditas “especulativas”)
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A propósito do novo englobamento das mais-valias de curto prazo (ditas “especulativas”)

01 Julho 2022

SUMÁRIO

A Lei do Orçamento do Estado para 2022 (n.º 12/2022, de 27 de junho) estabelece uma alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que visa concretizar a obrigatoriedade do englobamento dos rendimentos resultantes de mais-valias mobiliárias quando os ativos em causa forem detidos por um período inferior a 365 dias e o sujeito passivo atinja um rendimento coletável igual ou superior ao valor do último escalão de tributação, agora de 75.009 euros.

1. A Lei do Orçamento do Estado para 2022 (n.º 12/2022, de 27 de junho) estabelece uma alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) que visa concretizar a obrigatoriedade do englobamento dos rendimentos resultantes de mais-valias mobiliárias quando os ativos em causa forem detidos por um período inferior a 365 dias e o sujeito passivo atinja um rendimento coletável igual ou superior ao valor do último escalão de tributação, agora de 75.009 euros. O Contribuinte que esteja nestas condições deixará, assim, de poder optar pela taxa liberatória de 28% e passa a estar sujeito a uma taxa de 48% sobre os lucros obtidos com ações e obrigações (mais sobretaxa de 2,5% ou 5% se for o caso).

Com vista a simplificar o apuramento das mais valias, a Lei do Orçamento do Estado para 2022, estabelece ainda que sejam as instituições financeiras residentes em Portugal envolvidas nas transações responsáveis pelo apuramento e por, posteriormente, entregarem aos sujeitos passivos, até dia 20 de janeiro do ano seguinte, documento onde identifiquem, relativamente aos títulos transacionados, a quantidade, a data e o valor histórico de aquisição. Recupera-se assim neste âmbito a proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2002. 

Já quanto às receitas decorrentes do englobamento obrigatório das mais-valias, a Lei do Orçamento do Estado para 2022 prevê, ainda, que sejam consignadas ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

2. Neste sentido, parece resultar da Lei do Orçamento do Estado para 2022 que todos os rendimentos qualificados como mais-valias no âmbito do Código do IRS serão suscetíveis de ser reconduzidos ao escopo de aplicação desta norma (englobamento), uma vez verificados os demais requisitos nela previstos. Contudo, há rendimentos que não terão de ser declarados, por já terem sido tributados anteriormente, como é o caso dos dividendos de ações, juros de depósitos ou de certificados de Aforro e do Tesouro, rendimentos com fundos de investimentos nacionais e resgates de fundos nacionais e respetivas mais-valias.

Relativamente a este último rendimento, podemos, desde já, referir que Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) dispõe que os rendimentos provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento – os quais são qualificados como mais-valias para efeitos do Código do IRS – são tributados por retenção na fonte, a título definitivo, à taxa de 28%. Porém, não existindo qualquer alteração ao regime de tributação previsto no EBF, e constituindo este diploma lei especial em face do Código do IRS parece que as mais-valias mobiliárias provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento poderão não estar abrangidos pelo englobamento obrigatório, não obstante, pela sua natureza, serem suscetíveis de ser abrangidos pela proposta que prevê a tributação mediante englobamento obrigatório.

Por outro lado, relativamente aos rendimentos do resgate de unidades de fundos de participação localizados fora do território nacional, os quais não estão sujeitos ao regime previsto no EBF, sempre se dirá que, caso os rendimentos provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimentos estrangeiros não sejam pagos através de entidades com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em Portugal, tais rendimentos, sendo qualificados como mais-valias nos termos previstos no Código do IRS, são suscetíveis de recair no escopo de aplicação da nova norma da Lei do Orçamento de Estado e, nessa medida, ser sujeitos a englobamento obrigatório, uma vez verificados os demais requisitos legais.

3. Importa referir, contudo, que tal alteração apenas entrará em vigor a partir de 1 de janeiro de 2023, pelo que, não prevendo a Lei do Orçamento do Estado para 2022, qualquer norma transitória referente à sua aplicação no tempo, a aplicação do regime apenas se poderá efetuar em relação aos factos (transmissões) verificadas após a respetiva entrada em vigor, sob pena de retroatividade, proibida pela Constituição da República. O mesmo será dizer que o (novo) regime de tributação das mais-valias aprovado apenas se poderá aplicar às alienações de ativos mobiliários ocorridos a partir de 2023, pois o facto relevante na tributação das mais-valias mobiliárias, para a determinação da lei aplicável, é o momento da alienação, isto é, o momento em que ocorre a transmissão individualmente considerada (transação), ainda que o imposto se apure, apenas, no final de cada ano de tributação.

Tal entendimento resultou sempre, a nosso ver, do Código do IRS, onde, em matéria de incidência, se dispõe que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que (…) resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários” e que “os ganhos consideram-se obtidos no momento da alienação.”. Ou seja, é a própria organização sistemática do Código que suporta esta posição: a referência legal ao saldo positivo entre mais e menos valias decorrentes das alienações em causa encontra-se inserida, precisamente, no capítulo que trata da determinação do rendimento coletável, e não já no da incidência do imposto.

Com efeito, o facto tributário gerador do imposto deve ser localizado no tempo de acordo com a respetiva norma de incidência, e não de acordo com uma norma de determinação do rendimento coletável. Se fossem estas as normas de determinação do rendimento, a definirem o momento da formação e da verificação do facto tributário - que aqui é, assim, “instantâneo” (pois resulta de um ou mais atos isolados e não pressupõe, por natureza, qualquer atividade), todos os factos tributários, em sede de IRS e de IRC, ocorreriam no final do ano (ou até mesmo no momento da apresentação das declarações de rendimentos, pois só nesse momento, afinal, se apura o rendimento, incluindo mais e menos valias), o que não sucede, designadamente no caso das tributações autónomas, em que os factos sujeitos a imposto não são, como aqui também sucede, nem complexos, nem de formação sucessiva, mas, sim, transações, autónomas temporalmente precisas.

CONCLUSÃO

4. Em suma, a partir de 2023, o englobamento das mais valias mobiliárias deixará de ser opcional e passará a ser obrigatório para os contribuintes que tenham rendimento coletável igual ou superior a 75.009€. Contudo, certos rendimentos, tais como as mais-valias mobiliárias provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento portugueses poderão não estar abrangidos pelo englobamento obrigatório, ainda que se verifiquem os critérios previstos para o efeito, atendendo a que o regime do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) que regula a sua tributação tem natureza de lei especial em face do disposto no Código do IRS.

Já no que respeita às mais-valias provenientes do resgate de unidades de participação em fundos de investimento estrangeiros, auferidas por residentes fiscais em Portugal, uma vez que tais fundos não estão sujeitos ao regime de tributação previsto no EBF, estarão, em princípio, abrangidas pela norma que prevê a tributação mediante o englobamento obrigatório, desde que, claro está, se verifiquem os respetivos critérios aí previstos – caso contrário, aplicar-se-á a taxa autónoma de 28%, que permanece vigente para os casos em que o sujeito passivo que aufere os rendimentos não se encontre abrangido pelo último escalão de rendimento e o período de detenção do ativo seja superior a um ano.

Por fim, quanto à questão da aplicação da lei no tempo, uma vez que a Lei do Orçamento do Estado para 2022 não estabeleceu nenhuma norma transitória, o (novo) regime de tributação das mais-valias aprovado, apenas se poderá aplicar às alienações de ativos mobiliários ocorridos a partir de 2023, pois o facto relevante na tributação das mais-valias mobiliárias, para a determinação da lei aplicável, é o momento da alienação, isto é, o momento em que ocorre a transmissão individualmente considerada (transação), ainda que o imposto se apure, apenas, no final de cada ano de tributação.

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Lisboa, 1 de julho de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Patrícia da Conceição Duarte

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