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A nova tributação dos criptoativos no OE 2023

15 Novembro 2022
A nova tributação dos criptoativos no OE 2023
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A nova tributação dos criptoativos no OE 2023

15 Novembro 2022

SUMÁRIO

As alterações incluídas na proposta de Lei do OE 2023 visam colmatar o vazio legal verificado no âmbito da tributação dos criptoativos em Portugal, promovendo um novo enquadramento fiscal, em especial em sede de IRS.

O CONCEITO DE “CRIPTOATIVO”

É proposta a introdução de um conceito legal de criptoativos que se pretende incluir no Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), nos termos do qual um criptoativo é definido nos seguintes termos:“Considera-se criptoativo toda a representação digital de valor ou direitos que possa ser transferida ou armazenada eletronicamente recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outro semelhante.”

O conceito é vago e parece divergir da conceptualização anteriormente introduzida pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (“CMVM”), que definia os criptoativos da seguinte forma: “Os criptoativos são representações digitais de ativos baseadas em tecnologia blockchain, não emitidas por um banco central, instituição de crédito ou instituição de moeda eletrónica e que podem ser usadas como forma de pagamento numa comunidade que o aceite ou ter outras finalidades como a atribuição do direito à utilização de determinados bens e serviços ou a um retorno financeiro.”

A TRIBUTAÇÃO NA CATEGORIA B

No âmbito do IRS, encontramos proposta de incidência contributiva em duas categorias de rendimentos distintas: na Categoria B (rendimentos empresarias e profissionais) e na Categoria G (incrementos patrimoniais).

No âmbito da Categoria B, passará a considerar-se como rendimentos provenientes de uma atividade comercial e industrial os decorrentes das “operações de emissão de criptoativos, incluindo a mineração, ou a validação de transações de criptoativos através de mecanismos de consenso.”

Sobre estes rendimentos que provenham de atividade empresarial destinada a este tipo de operações deverão ser aplicadas as taxas gerais e progressivas constantes do IRS, conforme já decorre atualmente das regras aplicáveis aos rendimentos da Categoria B.

E para os rendimentos provenientes de tais operações e enquadráveis no regime simplificado de tributação propõe-se a aplicação do coeficiente de 0,15.

Verifica-se, aqui, uma intenção de “profissionalização” da atividade relacionada com as operações de emissão de criptoativos, sendo que se presume que apenas 0,15 do rendimento bruto obtido seja, efetivamente, lucro, não ficando, por seu turno, neste caso, o coeficiente a ser aplicado dependente de qualquer comprovação de despesas incorridas no âmbito da atividade.

Tal presunção conduzirá, assim, à não tributação, em sede de Categoria B, de 85% do rendimento obtido no âmbito deste tipo de operações.

Sem prejuízo de entendermos ser este o espírito da norma, ou seja, que se pretende incluir como atividade sujeita ao referido coeficiente de 0,15 a operações relacionadas com a emissão de criptoativos, se olharmos, somente, à letra da lei, parece apenas caber na alínea a alterar o rendimento auferido e resultante da venda de criptoativos.

Entendemos ser esta a intenção do legislador, como se poderá concluir pelo enquadramento também proposto em sede do IRC, em matéria de regime simplificado, nos termos do qual se especifica que se pretende incluir no coeficiente de 0,15 o rendimento proveniente de criptoativos (não se limitando a situações de venda, como poderia parecer ocorrer em sede das propostas do IRS).

Entendemos, porém, que pode ainda ser equacionada a possibilidade de aplicação de outros coeficientes, como o de 0,95, em caso de rendimentos de capitais ou de mais-valias resultantes de operações de tesouraria e/ou investimentos financeiros em criptoativos.

A TRIBUTAÇÃO NA CATEGORIA G

A proposta de OE 2023 apresenta também a sugestão de inclusão de uma nova alínea no CIRS, nos termos da qual se propõe o desdobramento do conceito de mais-valia, passando a considerar-se aqui também os rendimentos provenientes da alienação onerosa de criptoativos que não constituam valores mobiliários.

A este tipo de rendimentos deverá vir a ser aplicada a taxa, especial, de 28%.

É importante salientar, porém, que é proposta uma isenção de tributação, nos termos da qual se pretende isentar de tributação os rendimentos provenientes da alienação onerosa de criptoativos quando resultem de criptoativos detidos por um período igual ou superior a 365 dias.

Verificamos, assim, à semelhança do regime que foi imposto sobre as mais-valias mobiliárias decorrentes de operações com ações, obrigações e outros valores mobiliários, com o qual se visou promover o agravamento da tributação das mais-valias especulativas detidas por um período igual ou inferior a um ano, o mesmo se equaciona agora no âmbito da tributação das mais-valias decorrentes de operações com os criptoativos.

Não obstante, no regime das mais-valias mobiliárias especulativas verificamos a aplicação da taxa de 28% sobre as mais-valias realizadas com a alienação de valores mobiliários detidos por período superior a um ano, existindo, ainda, um agravamento pela aplicação das taxas marginais (até 48%) sobre as mais-valias resultantes de valores mobiliários detidos por período inferior a um ano, desde que o sujeito passivo tenha um rendimento coletável igual ou superior ao valor do último escalão previsto para as taxas marginais e progressivas.

Quanto a este tema, importa realçar a disposição transitória que ora se propõe e nos termos da qual a contagem do prazo de detenção de criptoativos para efeitos da incidência em IRS da mais-valia gerada se inicia antes mesmo da entrada em vigor do presente diploma.

Com efeito, o legislador pretende  que seja, desde logo, considerado no ano de 2023, o período de detenção dos criptoativos, ainda que este se tenha iniciado antes da proposta de lei. Importa realçar, novamente, que quando o criptoativo seja detido por um período superior a um ano, o legislador aplica a isenção da mais-valia proveniente destes rendimentos.

É ainda proposta a possibilidade de o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações decorrentes da alienação onerosa de criptoativos, poder ser reportado para os cinco anos seguintes, quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.

No que concerne ao cálculo da mais-valia decorrente da alienação onerosa de criptoativos, propõe-se que a mais-valia seja apurada “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais”, sendo ainda proposto como valor de alienação dos criptoativos o valor de mercado à data da alienação.

Por último, propõe-se a possibilidade da dedução das despesas inerentes à aquisição e alienação dos criptoativos, para efeitos do cálculo da mais-valia.

A TRIBUTAÇÃO NA CATEGORIA E

Quanto aos proveitos resultantes de criptoativos, importa ainda salientar a norma, supletiva e abrangente, incluída no regime de rendimentos de capitais (Categoria E).

Consideram-se rendimentos de capitais, os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.

Atendendo ao exposto, facilmente se verifica que o CIRS é dotado de uma abrangência tal que leva à consideração de que os potenciais ganhos resultantes de um qualquer bem possam ser tributados, quando a incidência tributária não recaia sobre nenhum outro regime, facilmente se verifica que os rendimentos tributados pelo mesmo Código.

Notamos, no que concerne aos rendimentos de capitais, que nenhuma alteração foi introduzida ao preceito normativo em causa, por forma a nele incluir, expressamente, os proveitos decorrentes de criptoativos. Não obstante, acreditamos que a norma, tal como se encontra já formulada atualmente, permite que venha a ser realizada a tributação de proveitos e vantagens económicas resultantes de criptoativos no âmbito da Categoria E, qualificando-os como rendimentos de capitais quando o enquadramento jurídico dos proveitos realizados não seja passível de se enquadrar noutra categoria de rendimentos.

Nesta última hipótese, a tributação que recai sobre estes proveitos será de 28%, quando o contribuinte aqui residente fiscal não opte pelo englobamento destes rendimentos.

Assim, reforçamos que, caso o contribuinte opte pelo englobamento dos seus rendimentos, aplicar-se-lhe-ão, então, as taxas gerais e progressivas do CIRS, podendo a tributação destes montantes ascender a 48% (aos quais poderá ser ainda cumulada a sobretaxa de 2,5% ou 5%).

A COMUNICAÇÃO DAS OPERAÇÕES

Como complemento e para efeitos de fiscalização, é proposto o aditamento de uma nova obrigação declarativa, e que impenderá sobre pessoas singulares e coletivas, e organismos e outras entidades sem personalidade jurídica que prestem serviços de custódia e administração de criptoativos por conta de terceiros ou que tenham a gestão de uma ou mais plataformas de negociação de criptoativos.

Assim, estas entidades passarão a ter a obrigação de comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira, até ao final do mês de janeiro de cada ano, das operações efetuadas com a sua intervenção, relativamente a criptoativos, no respeitante a cada sujeito passivo, através da entrega de modelo oficial a aprovar para o efeito.

É, ainda, de referir que a OCDE publicou, no passado dia 10 de outubro, o  “Crypto-Asset Reporting Framework and Amendments to the Common Reporting Standard, prevendo-se que, num futuro próximo e no âmbito da aplicação deste documento pelos vários países membros, seja obrigatória a troca de informações relativa a operações com criptoativos, entre os mesmos, para fins fiscais.

CONCLUSÕES

Com a Proposta de Lei do OE 2023, o Governo pretende avançar com um enquadramento para a tributação dos rendimentos provenientes de criptoativos, mais concretamente, procedendo à integração, em sede de IRS deste tipo de rendimentos propondo que sejam expressamente previstos no âmbito das Categorias B (rendimentos empresariais e profissionais) e G (incrementos patrimoniais).

Notamos que poderá, ainda, verificar-se uma potencial tributação do rendimento gerado por criptoativos em sede de Categoria E (rendimentos de capitais), dada a abrangência da definição de rendimentos de capitais já prevista no CIRS.

Torna-se relevante referir que impenderá agora a obrigação de comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira, até ao final do mês de janeiro de cada ano, das operações efetuadas com a sua intervenção sobre todas as pessoas, singulares ou coletivas, organismos e outras entidades sem personalidade jurídica, que prestem serviços de custódia e administração de criptoativos por conta de terceiros, ou que tenham a gestão de uma ou mais plataformas de negociação de criptoativos.

Por último, importa ainda referir, conforme, entretanto, divulgado pela comunicação social, que foram já apresentadas propostas de alteração à Proposta de Lei do OE 2023, em concreto, no sentido de se aplicar o coeficiente de 0,95 aos rendimentos provenientes da atividade de mineração no âmbito da Categoria B.

As referidas propostas não foram, ainda, alvo de aprovação, sendo que faremos o devido acompanhamento da evolução desta matéria caso venham a ser introduzidas medidas diferentes das até agora incluídas na Proposta de Lei do OE 2023.

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Lisboa, 16 de novembro de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Duarte Ornelas Monteiro
Joana Marques Alves
Ricardo Miguel Martins
Marta Cabugueira Leal
João Rebelo Maltez
Bárbara Teixeira Neves
Raquel Silva Simões

Private Clients Team

Com a colaboração de:
Rosa Freitas Soares, Senior Advisor da RFF Advogados

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