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A Lista dos Paraísos Fiscais (UPDATE 2022)

22 Março 2022
A Lista dos Paraísos Fiscais (UPDATE 2022)
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A Lista dos Paraísos Fiscais (UPDATE 2022)

22 Março 2022

SUMÁRIO

No contexto do combate contra a evasão e fraude financeiras e fiscais internacionais, os Estados têm vindo a adotar diversas medidas anti-abuso que visam restringir operações abusivas no âmbito dos impostos sobre o rendimento e sobre o património.

Deste modo, Portugal consagra, tal como a União Europeia e outros Estados-Membros, uma “lista negra” de jurisdições com regimes fiscais considerados como claramente mais favoráveis.

ENQUADRAMENTO

No contexto do combate contra a evasão e fraude financeiras e fiscais internacionais, os Estados têm vindo a adotar diversas medidas anti-abuso que visam combater a realização de operações abusivas no âmbito dos impostos sobre o rendimento e sobre o património, designadamente, as instituições designadas por “listas negras” as quais incluem países, territórios ou regiões com regimes fiscais considerados como claramente mais favoráveis – comummente designados por “paraísos fiscais”.

A decisão quanto à inclusão de um país, estado ou região na referida “lista negra” é unilateral, sujeita a revisão espontânea pelo Governo ou através de pedido expresso dirigido a este por parte do órgão competente da jurisdição visada, indicando que deixou de preencher um ou mais dos critérios que determinam a inclusão na referida lista.

O REGIME EM VIGOR

No âmbito do combate à evasão e fraude fiscal internacional, vigora em Portugal um sistema misto de prevenção. Por um lado, é consagrada uma lista de jurisdições tidas como “paraísos fiscais”, a qual é ocasionalmente revista pelo Governo e atualizada através de Portaria.

Em paralelo, está também consagrada na Lei uma cláusula aberta que permite alargar o âmbito de aplicação do regime dos “paraísos fiscais” a outras jurisdições que, embora não constem da “lista negra”, se encontrem, pontualmente, em incumprimento dos respetivos critérios.

Contudo, existe ainda uma cláusula de salvaguarda, mediante a qual se excluem do âmbito de aplicação destas regras os Estados-Membros da União Europeia (UE) e, ainda, os países que façam parte do Espaço Económico Europeu (EEE), com os quais existem instrumentos vinculativos de cooperação administrativa interestadual equivalentes aos existentes no quadro da UE.

Neste contexto, e conforme já referido, a decisão quanto à inclusão de um país, estado ou região na “lista negra” é unilateral, sendo que a revisão da mesma pode ser efetuada espontaneamente pelo próprio Governo ou através de pedido dirigido ao mesmo por parte do órgão competente da jurisdição visada, indicando para o efeito que deixou de preencher um dos quatro critérios que guiam a inclusão na referida lista, nomeadamente:

a)    inexistência de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC ou, existindo, a respetiva taxa aplicável seja inferior a 60% da taxa geral desse imposto;

b)    as regras de determinação da matéria coletável sobre a qual incide o imposto sobre o rendimento divirjam significativamente dos padrões internacionalmente aceites ou praticados;

c)     a existência de regimes especiais ou de benefícios fiscais dos quais resulta uma redução substancial da tributação; e

d)    a legislação ou a prática administrativa não permitam o acesso e a troca efetiva de informações relevantes para efeitos fiscais.

Para além dos referidos critérios, a legislação nacional prevê a já referida cláusula aberta, ao abrigo da qual é permitido à Administração tributária considerar, casuisticamente, outras jurisdições como “paraísos fiscais”.

Esta determinação é resulta da aplicação, no respetivo território, de uma taxa de imposto inferior a 60% da taxa praticada em território português. A esta definição e critério acrescem dois pressupostos:

a)    a lei desse território promove essa tributação de forma expressa; e

b)    quando existam relações especiais entre pessoas ou entidades residentes nesse outro território e pessoas ou entidades residentes em território português.

No âmbito da aplicação da referida cláusula aberta, e conforme já referido, a transparência fiscal internacional constitui um fator de exclusão, funcionando como cláusula de salvaguarda. Neste sentido, para que a Administração tributária não lance mão desta cláusula aberta, é suficiente a existência de instrumentos vinculativos de cooperação administrativa interestadual equivalente à existente no quadro da UE.

Da legislação atualmente em vigor em Portugal resulta, contudo, alguma incerteza quanto à proteção da segurança jurídica dos contribuintes e quanto à política fiscal internacional, maxime, qual a verdadeira definição, para o Estado português, do que constitui um “paraíso fiscal”, qual a confiança que pode ser depositada em acordos de troca de informação e quais os efeitos na tributação nacional das negociações internacionais.

Neste âmbito, torna-se necessário determinar quais os instrumentos de cooperação administrativa interestadual considerados equivalentes ao quadro existente na UE e suficientes para espoletar a cláusula de salvaguarda.

Com efeito, se este requisito se basta na inserção de um país no EEE, surgem dúvidas se não se deveria bastar, também, no caso de países terceiros que sejam signatários da Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Fiscal, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) – na qual participam 108 jurisdições, incluindo Portugal, desde 1 de março de 2015 – e cumpridores dos ratings da OCDE/Fórum Global.

A mesma questão se coloca por referência a outras situações, nomeadamente, a existência de Convenções para Evitar a Dupla Tributação (CDT) que prevejam normas relativas à troca de informações, a existência de Acordos de Troca de Informação (ATI) e a aplicação da Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade.

Assim, não é absolutamente claro com que critérios se satisfaz, em concreto, uma cooperação administrativa “equivalente” à praticada no seio da UE, embora a jurisprudência do Tribunal de Justiça ofereça, a este respeito, pistas relevantes.

Adicionalmente, a respeito da qualificação de um Estado cooperante ou não-cooperante de acordo com os ratings de padrões de cooperação e de transparência fiscal da OCDE, é de referir que há um conjunto de jurisdições incluídas na lista portuguesa como “paraísos fiscais” que são consideradas “largely compliant” pelo Fórum Global – o mesmo rating alcançado por Portugal a esta data.

De salientar ainda que, no âmbito da troca e retenção de informações, a segurança e privacidade de dados é uma questão que tem vindo a ganhar cada vez mais relevância. Neste contexto, e apesar de os vários mecanismos assegurarem, a título formal, a confidencialidade e a proteção de dados, é importante que a mesma seja efetiva e real, na linha do que tem sido reiterado por organismos independentes internacionais no quadro da UE e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, designadamente, o Article 29 Data Protection Working Party.

Por outro lado, cumpre mencionar que a troca de informação levanta preocupações relativas à dissipação em cadeia da informação detida por determinada Administração tributária das informações fiscais, pessoais, bancárias ou de negócio dos seus contribuintes.

A RELEVÂNCIA DE UM TERRITÓ-RIO CONSIDERADO “PARAÍSO FISCAL”

Quando um Território é qualificado como paraíso fiscal significa que o mesmo é considerado uma ameaça à tributação e enriquecimento do Estado (normalmente) da residência do sujeito passivo.

Neste sentido, sempre que um território de residência, que tributa universalmente, sente que a sua fonte de riqueza está a ser ameaçada, encontra formas desincentivadoras para a conduta dos contribuintes através de regras de tributação mais agressivas.

Em Portugal, essas regras traduzem-se em taxas fixas agravadas, como é o caso de uma taxa de 35% sobre rendimentos de capitais pagos por entidades residentes em paraísos fiscais (IRS e IRC); como é o caso das taxas de IMI, IMT e AIMI. Estão ainda previstas tributações através da imputação do capital bruto (como no caso do IMI, em que o valor a pagar de imposto será 1/15 do valor patrimonial do prédio em causa) e restrições à dedutibilidade de prejuízos, como no caso das menos-valias derivadas da alienação de participações sociais em sede de paraísos fiscais, entre outras medidas.

A RELEVÂNCIA DE UM PARAÍSO FISCAL TER CELEBRADO A CON-VENÇÃO DE DUPLA TRIBUTAÇÃO

Considerando todo o exposto, cabe agora referir em maior detalhe a situação em que um “paraíso fiscal” celebra uma CDT com Portugal.

Neste contexto, sabemos que, quanto às CDT, Portugal segue a Convenção Modelo OCDE (CMOCDE), que tem como elemento base uma tributação maioritariamente efetuada na residência, conferindo, no entanto, em alguns tipos de rendimento, uma tributação exclusiva ao Estado da fonte do rendimento.

Esta ideia traduz-se numa vantagem para o contribuinte na medida em que, quando existe uma CDT, não são aplicáveis as regras de tributação nacionais que se sobreponham na mesma matéria e que pudessem levar a situações de dupla não-tributação.

Para além do mais, se o Estado da residência (Portugal) atribui ao Estado da fonte (de baixa tributação) a competência para tributar, na totalidade, determinados tipos de rendimento, e esse Estado escolhe não tributar esses rendimentos, ou tributá-los a uma taxa simbólica, significa que o contribuinte não será tributado na residência nem na fonte.

Quando estas Convenções existem a par da classificação da jurisdição como “paraíso fiscal”, surge a questão de saber se essa classificação se encontra em violação das CDT celebradas.

AS JURISDIÇÕES NÃO COOPERANTES (A LISTA “NEGRA” DA UNIÃO EUROPEIA)

A UE consagra duas listas de jurisdições consideradas como “não-cooperantes”: uma “lista negra”, que inclui as jurisdições que não satisfazem os critérios por si estabelecidos, e a designada “lista cinzenta”, que inclui as jurisdições que, embora não cumpram ainda com os critérios exigidos, se comprometeram a alinhar as suas práticas, normas, transparência e governação fiscal de acordo com os standards internacionais.

A inclusão de uma determinada jurisdição em qualquer uma das listas está dependente de uma avaliação conduzida pela Comissão e que tem por base três critérios:

a)    transparência fiscal;

b)    boa Governação; e

c)     atividade económica real.

Adicionalmente, é ainda levada em consideração a existência (ou não) de um imposto sobre o rendimento as sociedades à taxa “zero”.

Por fim, de referir é, que a criação pela UE da “lista negra” e da “lista cinzenta” tem demonstrado resultados enquanto mecanismo de incentivo à adoção, pelos Estados terceiros, de medidas tendentes à transparência fiscal e boa governação. De acordo com informação oficial da UE, desde a introdução da lista negra, pelo menos 60 países tomaram medidas para dar resposta às preocupações da Comissão e mais de 100 regimes prejudiciais foram suprimidos.

Atualmente, constam da lista negra da União Europeia as seguintes jurisdições:

a)    Samoa;

b)    Samoa Americana;

c)     Fiji;

d)    Guam;

e)    Panamá;

f)      Trindade e Tobago;

g)    Ilhas Virgens Americanas; e

h)    Vanuatu.

DESENVOLVIMENTOS RECENTES

O Principado de Andorra, após ter assumido o compromisso de alinhar as suas normas legais, práticas administrativas e regras de transparência fiscal com os standards internacionais, designadamente os impostos pela OCDE, deixou de constar, em 2018, da “lista cinzenta” da UE.

Em paralelo, Portugal e o Principado de Andorra já haviam celebrado um Acordo sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal, em vigor desde dezembro de 2016 e, bem assim, uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal, em vigor desde abril de 2017.

Neste âmbito, o Principado de Andorra apresentou um pedido formal para revisão do seu enquadramento na “lista negra”, o qual foi objeto de parecer positivo pela Administração tributária, que considerou estarem verificadas as condições para, de acordo com a legislação aplicável, excluir o Principado de Andorra da lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável.

A taxa de IRC aplicável em Andorra ascende a 10%, sendo que o critério dos 60% previsto na Lei Geral Tributária aponta para uma taxa de 12,6% tendo em consideração a taxa de IRC aplicável em Portugal de 21%.

Assim, mediante a Portaria n.º 309-A/2020, de 31 de dezembro de 2020, a mais recente alteração à Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, que aprovou a lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação claramente mais favoráveis, foi determinada a exclusão de Andorra da “lista negra” portuguesa, com produção de efeitos desde 1 de janeiro de 2021.

Com efeito, à luz dos tratados celebrados entre Portugal e o Principado de Andorra, bem como do reconhecimento conferido a este país pela UE pelo esforço realizado no sentido de alinhar as suas normas, práticas administrativas e regras de transparência fiscal com os standards internacionais, compreende-se o parecer favorável da Administração tributária e a subsequente decisão do Governo de retirada de Andorra da “lista negra”.

Contudo, cumpre mencionar que, mesmo após a retirada de Andorra, o elenco de países que compõem a “lista negra”, continua a suscitar algumas questões.

Com efeito, a “lista negra” portuguesa é das mais numerosas de toda a UE – do elenco original de 83 países, subsistem 78 – sendo que alguns Estados Membros não consagram sequer uma “lista negra”, como é o caso da Alemanha.

A título de exemplo, é de referir Hong Kong, que se mantém na “lista negra” portuguesa, embora se encontre excluída da lista da UE desde 2004.

Adicionalmente, cumpre referir que, em outubro de 2021, a UE decidiu remover da sua “lista negra” as jurisdições de Anguila, Dominica e Seicheles.

Embora estas exclusões não tenham sido isentas de críticas no seio da união, o facto é que as mesmas continuam a constar, à presente data, da lista portuguesa.

Neste contexto, mantém-se relevante o debate sobre se não deverá a “lista negra” portuguesa sofrer revisões adicionais, uma vez que, por um lado, se assume como prioridade estratégica para o país a atração de investimento estrangeiro e, por outro, são mantidos neste elenco de indesejáveis algumas jurisdições que a comunidade internacional reconhece como cumpridoras.

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Lisboa, 22 de março de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Soraia João Silva
Inês Tomé Carvalho

(Tax Advisory team)

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