O Supremo Tribunal Administrativo (Processo n.º 0842/23.9BESNT) considerou que o ato de inscrição como Residente Não Habitual (RNH) não tem efeitos constitutivos mas meramente declarativos.
Assim, uma vez preenchidos os pressupostos substantivos para a concessão do benefício do regime especial de tributação como RNH, os sujeitos passivos poderão beneficiar de tal estatuto a partir do momento que se inscrevam como tal e independentemente de o prazo definido pela lei poder estar já ultrapassado.
ENQUADRAMENTO INTRODUTÓRIO
Desde a criação do regime especial de tributação dos Residentes Não Habituais que a Administração tributária tem defendido que, ultrapassado o prazo definido na lei para a inscrição como tal, fica, desde logo, precludido o direito de o sujeito passivo beneficiar de tal medida.
De todo o modo, ao longo dos últimos anos, e à medida que tal questão tem vindo a ser discutida, tem-se formado uma corrente jurisprudencial, sobretudo em sede arbitral, que sustenta que tal dever de inscrição tem efeitos meramente declarativos e não constitutivos. Agora, o Supremo Tribunal Administrativo veio pronunciar-se sobre tal discussão.
O ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
O Acórdão n.º 0842/23.9BESNT em análise tem na sua génese o litígio que opôs determinado Requerente do Estatuto de RNH à Administração tributária relativamente aos concretos efeitos – meramente declarativos ou constitutivos – do pedido de inscrição como RNH após decorrido o prazo previsto no Código do IRS, ou seja, após 31 de março do ano seguinte àquele em que se passou a ser residente fiscal em território português.
No âmbito do mencionado processo, o ali Requerente defendeu, em suma, que o direito a aceder ao regime de tributação especial do RNH depende, exclusivamente, do preenchimento de dois requisitos legais: (i) que o sujeito se torne residente fiscal em Portugal e (ii) que não tenha sido considerado residente fiscal em território português nos cinco anos anteriores.
Por seu lado, a Administração tributária alega que o RNH consubstancia um regime especial com benefícios de natureza excecional e temporária, e que beneficia os sujeitos passivos que preencham os seus pressupostos e que optem pela sua inscrição nesse regime, cumprindo, igualmente, os requisitos formais para tal, designadamente o pedido de inscrição efetuado no prazo legalmente previsto.
Definidas as posições de cada uma das partes, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) considerou que a questão a decidir consistia em saber se a qualidade de RNH depende do reconhecimento por parte da Administração tributária e, portanto, se o prazo previsto para a inscrição como tal (até 31 de março do ano seguinte) é um prazo preclusivo do direito a beneficiar do regime de RNH.
Nesta sequência, considera o Tribunal que “(…) é condição de aplicação do regime dos residentes não habituais que o sujeito passivo à data em que seja considerado e esteja inscrito nos registos da AT, não tenha sido residente em território nacional nos últimos cinco anos, sendo que o n.º 19 aponta que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato de inscrição como residente em territórios português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território (…)”.
Contudo, entende-se, no Acórdão em análise, que o sobredito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de RNH. Portanto, tal ato de inscrição é condição de aplicação do respetivo regime fiscal, sendo através desse ato que a Administração tributária tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição de tal estatuto.
Contudo, esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo que a inscrição como RNH é, meramente, um ato de natureza declarativa, não produzindo quaisquer efeitos de carácter constitutivo, ao contrário do que tem sido defendido pela Fazenda Pública.
Consequentemente, atento tal entendimento, a apresentação do pedido de inscrição como RNH fora do prazo previsto – após 31 de março do ano seguinte àquele em que o Requerente se tornou residente fiscal em Portugal – tem como resultado que o regime apenas será aplicável para o futuro, portanto, a partir do ano de inscrição como Residente Não Habitual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Acórdão ora proferido acompanha o entendimento que tem vindo a ser sustentado pela jurisprudência arbitral e vem (espera-se) pôr termo a uma longa discussão quanto aos efeitos do dever de inscrição como Residente Não Habitual, decidindo-se, agora, que tal dever não configura uma obrigação constitutiva de direitos.
Assim, os pressupostos para aplicação do regime em análise são, unicamente, o da necessidade do sujeito passivo se tornar fiscalmente residente em Portugal e de não ser considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos imediatamente anteriores. De onde se conclui que, mesmo que o sujeito passivo não se inscreva como Residente Não Habitual até 31 de março do ano seguinte àquele em que se tornou residente em Portugal, preenchidos os seus pressupostos, poderá, ainda, beneficiar do estatuto de RNH.
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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Inês Reigoto
Leonor Gargaté Oliveira
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Raquel Tomé Castelo