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A Contribuição extraordinária sobre os fornecedores do Serviço Nacional de Saúde (SNS)

23 Março 2023
A Contribuição extraordinária sobre os fornecedores do Serviço Nacional de Saúde (SNS)
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A Contribuição extraordinária sobre os fornecedores do Serviço Nacional de Saúde (SNS)

23 Março 2023

SUMÁRIO

A Contribuição extraordinária sobre os fornecedores do Serviço Nacional de Saúde (SNS) de dispositivos médicos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro e seus acessórios (modelo 56), criada em 2021, é mantida em 2023.

INTRODUÇÃO

A Lei do Orçamento do Estado para 2023 manteve em vigor a Contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do Serviço Nacional de Saúde (“SNS”), criada em 2021 e mantida em 2022.

A manutenção desta Contribuição extraordinária tem como alegado objetivo garantir a sustentabilidade do SNS e financiar a aquisição de tecnologias da saúde inovadoras por parte do SNS.

Assim, aproveitamos a presente publicação para revisitar os aspetos fundamentais desta Contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do SNS (doravante Contribuição).

O SUJEITO PASSIVO

A Lei do Orçamento do Estado para 2023 não introduziu qualquer alteração quanto aos sujeitos passivos da Contribuição, mantendo-se o regime atual, ou seja, ficam sujeitos ao pagamento da Contribuição os fornecedores, sejam fabricantes, seus mandatários ou representantes, intermediários, distribuidores por grosso ou apenas comercializadores, que faturem às entidades do SNS o fornecimento de dispositivos médicos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro e seus acessórios.

Por outro lado, continua a estipular-se, que ficam excluídos da incidência da Contribuição os dispositivos médicos e os dispositivos médicos para diagnóstico in vitro de grande porte destinados ao tratamento e diagnóstico, ou seja, os equipamentos destinados a ser instalados, fixados ou de outro modo acoplados a uma localização específica numa unidade de saúde, para que não possam ser deslocados dessa localização ou removidos sem recorrer a instrumentos ou aparelhos, e que não sejam especificamente destinados a ser uti-lizados no âmbito de uma unidade de cuidados de saúde móvel.

A BASE DE CÁLCULO

Relativamente, ao valor da Contribuição, desde a Lei do Orçamento do Estado para 2021 que a Contribuição incide sobre o montante total da faturação trimestral dos fornecimentos de dispositivos médicos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro às entidades do SNS, sendo este valor determinado com base nos dados de aquisições reportados pelos serviços e estabelecimentos do SNS, deduzido do respetivo Imposto sobre o Valor Acrescentado.

Definiu-se, ainda, que sejam abatidas, ao valor (e até ao limite) da Contribuição, certas despesas de investigação e desenvolvimento, desde que realizadas em território nacional e devidas e pagas a contribuintes portugueses.

AS TAXAS

Também desde a Lei do Orçamento do Estado para 2021 que os valores das taxas da Contribuição passaram a ser estabelecidas, provisoriamente, com base no valor total anual da facturação dos fornecimentos de dispositivos médicos para diagnósticos in vitro e seus acessórios às entidades do SNS no ano anterior, sendo corrigidas no caso de os valores totais definitivos apurados no ano a que se reporta a Contribuição corresponderem a uma taxa diferente da utilizada provisoriamente.

O valor das taxas mantém-se nos seguintes termos:

  • 4%, se o valor anual for maior ou igual a 10 milhões de euros;
  • 2,5%, caso o valor anual seja maior ou igual a 5 milhões de euros e inferior a 10 milhões;
  • 1,5%, se o valor anual for maior ou igual a 2 milhões e inferior a 5 milhões (o que significa que o valor mínimo da Contribuição ascende a € 30.000).

A ISENÇÃO POR ACORDO

Relativamente aos acordos que poderão ser celebrados entre o Estado Português e as associações de fornecedores visando a sustentabilidade do SNS, estabelece-se que nos mesmos sejam fixados referenciais da despesa pública com a compra de dispositivos médicos e dispositivos médicos de diagnóstico in vitro e seus acessórios.

Por outro lado, mantém-se que as entidades que venham a aderir, individualmente e sem reservas, ao sobredito acordo, mediante declaração da entidade entregue no INFARMED, ficam isentas do pagamento da Contribuição.

Esta isenção, porém, só produzirá efeitos a partir da data em que as entidades subscrevam a adesão ao acordo e durante o período em que este se aplicar em função do seu cumprimento, tal como previsto no regime atual, não sofrendo alterações.

A CONSIGNAÇÃO DA RECEITA

A receita arrecadada com a Contribuição é consignada ao SNS, gerido pela Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS, I.P.), constituindo sua receita própria, sendo esta transferida do orçamento do subsector Estado para a ACSS.

Continua a estabelecer-se que os encargos de liquidação e cobrança incorridos pela Administração tributária são compensados através da retenção de uma percentagem de 3% do produto da Contribuição, a qual constitui sua receita própria.

A LIQUIDAÇÃO

Com a Lei do Orçamento do Estado para 2021 definiu-se que a Contribuição seja liquidada pelos sujeitos passivos, considerando as respectivas deduções, através de declaração de modelo oficial – aprovada pela Portaria n.º 50/2021, de 5 de Março –, que deverá ser enviada por transmissão electrónica de dados durante o mês seguinte ao período a que respeita a Contribuição, sendo gerada, de acordo com a Portaria, uma referência de pagamento após a submissão da declaração.

Estabeleceu-se, ainda, que a (auto)liquidação da Contribuição possa ser corrigida pela Administração tributária, caso sejam verificados erros ou omissões que determinem a exigência de um valor superior ao liquidado pelo sujeito passivo.

O PAGAMENTO

As regras relativas ao pagamento da Contribuição mantêm-se, devendo este ser efectuado até ao mês seguinte ao período a que respeita a Contribuição.

Na falta de pagamento da Contribuição, começam, de imediato, a correr juros de mora, sendo a cobrança da dívida levada a cabo pela Administração tributária.

AS INFRACÇÕES

Quanto ao incumprimento das obrigações tributárias aqui em causa continua a ser aplicável o disposto no Regime Geral das Infrações Tributárias.

NOVO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO?

A manutenção deste tributo, nos termos plasmados na lei do Orçamento do Estado para 2023, continua a suscitar dúvidas sobre a respectiva natureza, pois os contornos, delineados na sobredita Lei, parecem aproximar a “contribuição” a um verdadeiro imposto, o qual, enquanto receita unilateral e coactiva, está sujeito a regras, que exigem especial atenção por parte do legislador.

Tendo em conta não ser claro se estamos perante um tributo de outra natureza, questionar-se-á, também, a sua incidência objectiva, pois, se a Contribuição incide sobre o valor total da faturação trimestral dos fornecimentos de dispositivos médicos e dispositivos médicos para diagnóstico in vitro, parece que estaremos também perante verdadeira tributação de rendimento dos referidos fornecedores.

Certo é que os Tribunais Superiores têm entendido que algumas destas Contribuições não estão sujeitas ao regime jurídico aplicável aos impostos (algo com que não concordamos à partida), o que continua a reduzir as hipóteses de esta Contribuição vir a ser contestada com base também em argumentos desta natureza.

Por outro lado, esta norma, cujo artigo tem por epígrafe “acordo para sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde”, coloca, naturalmente, problemas de (in)constitucionalidade e de (i)legalidade, uma vez que faz depender o pagamento de um tributo público da celebração, ou não, de um acordo com o Estado Português, com vista à fixação de um tecto máximo para a despesa pública a realizar com a compra de dispositivos médicos e dispositivos médicos de diagnóstico in vitro.

Por último, os meios – quer administrativos, quer judiciais – para reacção contra as autoliquidações da Contribuição que venham a ser praticadas, ou contra outras eventuais (auto)liquidações promovidas, oficiosa ou adicionalmente, pela Administração tributária são os gerais e encontram-se previstos no CPPT e na LGT.

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Lisboa, 23 de março de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Braga Reigoto

(Tax litigation team)

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