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A Contribuição de Serviço Rodoviário: enquadramento e desenvolvimentos recentes - março 2023

22 Março 2023
A Contribuição de Serviço Rodoviário: enquadramento e desenvolvimentos recentes - março 2023
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A Contribuição de Serviço Rodoviário: enquadramento e desenvolvimentos recentes - março 2023

22 Março 2023

SUMÁRIO

Uma breve análise do regime legal e de alguns entendimentos jurisprudenciais e dos desenvolvimentos mais recentes relativos à Contribuição de Serviço Rodoviário.

INTRODUÇÃO

Como já deixámos enunciado na nossa newsletter anterior, a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, tinha em vista financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., no que respeita à conceção, ao projeto, à construção, ao financiamento, à conservação, à exploração, à requalificação e ao alargamento das redes rodoviárias nacionais.

A dita “Contribuição” incidia sobre a gasolina, o gasóleo e o gás de petróleo liquefeito (GPL), sujeitos ao Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e dele não isentos.

Até à sua integração no ISP, o valor da Contribuição era de € 87, para cada 1000L de gasolina, de € 111, por cada 1000L de gasóleo rodoviário e de € 123, por cada 1000 Kg de GPL Auto, e era devida pelos sujeitos passivos do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos.

Ditava a lei citada que esta Contribuição é devida pelos sujeitos passivos do ISP. Nota-se, porém, que sendo o ISP um imposto especial de consumo (IEC), o que tendencialmente acontece é que, apesar de ser o sujeito passivo o obrigado a entregar o montante do imposto, seria o consumidor final a suportá-lo efetivamente.

Por via da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, a CSR foi extinta, tendo ocorrido, simultaneamente, um aumento da taxa do ISP correspondente ao montante da CSR.

O Governo financia, agora, a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. (IP, S.A.), consignando-lhe uma parte da receita do ISP.

UM BREVE ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

Em face da importância das estradas para o desenvolvimento do país, o ESTADO PORTUGUÊS, enquanto garante do serviço público, assegurava também, diretamente, o serviço de administração rodoviária.

Com efeito, em 1927, através do Decreto-Lei n.º 13:969, de 20 de julho, foi criada a JUNTA AUTÓNOMA DE ESTRADAS, à qual foi atribuído o estudo, a construção e a reconstrução de estradas. Através desse diploma, foi também prevista a criação de uma entidade, provisoriamente denominada de Direção Geral de Estrada, à qual ficou afeto o serviço de manutenção, corrente, das estradas nacionais.

Em 1929, a Direção Geral de Estradas foi extinta, pelo Decreto-Lei n.º 16:866, de 22 de maio, passando todos os serviços relacionados com estradas a estar concentrados na Junta Autónoma das Estradas.

Mais tarde, concretamente em 1999, a Junta Autónoma de Estradas foi estruturada. O Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de junho, previu um modelo de organização e de gestão assente na existência de três institutos: o INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL, o INSTITUTO PARA A CONSTRUÇÃO RODOVIÁRIA e o INSTITUTO PARA A CONSERVAÇÃO E Exploração da Rede Rodoviária.

Em 2002, e através do Decreto-Lei n.º 227/2002, de 30 de outubro, ocorreu a fusão destes três institutos públicos, numa só entidade, procedendo-se à transferência das competências cometidas a cada um desses organismos para o INSTITUTO DAS ESTRADAS DE Portugal – IEP.

Em 2004, mediante o Decreto-Lei n.º 239/2004, de 21 de dezembro, foi a vez de o INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL ser transformado em entidade pública empresarial, com a denominação de EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL, E.P.E..

Já em 2007, através do Decreto-Lei n.º 374/2007, de 7 de novembro e por forma a submeter o modelo de gestão das estradas às regras e melhores práticas de gestão privada, a EP – Estradas de Portugal, E.P.E. foi convertida em sociedade anónima de capitais públicos, com a denominação de EP – Estradas de Portugal, S.A..

Nesta sequência, em 23 de novembro de 2007, foi assinado um contrato de concessão entre o ESTADO PORTUGUÊS e a EP – Estradas de Portugal, S.A., cujas bases foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de novembro, e que torna esta última concessionária geral da rede rodoviária nacional por 75 anos.

Ainda em 2007, foi constituído, mediante o Decreto-Lei n.º 148/2007, de 27 de abril, um novo instituto público denominado INSTITUTO DE INFRAESTRUTURAS RODOVIÁRIAS, I.P., ao qual cabia o exercício dos poderes de autoridade do Estado, a título principal, relativamente à rede rodoviária nacional. Já a EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. desempenharia FUNÇÕES DE ADMINISTRAÇÃO DAQUELA REDE.

Em 2015, através do Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, a Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P.E. é incorporada, por fusão, na EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. que é, assim, transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. (IP, S.A.).

Enquanto sucessora da universalidade dos bens, dos direitos e das obrigações, legais e contratuais, da EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., a IP, S.A. recebeu determinadas “contraprestações”, de entre as quais se elencam a CSR.

Mais recentemente, em 2022, através da já referida Lei 24-E/2022, de 30 de dezembro, assiste-se à extinção da CSR e ao aumento da taxa do ISP no mesmo montante, reforçando-se a consignação parcial da receita do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos ao serviço rodoviário, tendo em vista financiar a rede rodoviária nacional a cargo da INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S. A. (IP, S. A.).

Feito o enquadramento histórico que antecede, importa aferir das recentes Decisões do TJUE e dos tribunais arbitrais, nas quais se reconheceu a legitimidade processual do sujeito passivo da Contribuição de Serviço Rodoviário para contestar as liquidações da CSR e, bem assim, do acerto das recentes Decisões arbitrais, nas quais se qualificou aquela Contribuição como um imposto.

A POSIÇÃO DO TJUE

Na Decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferida no âmbito do processo n.º C-460/21 sublinha-se que, quando há violação de disposições do direito da União, há o direito, por parte do sujeito passivo – definido, para efeitos de CSR, como destinatário registado que introduz produtos petrolíferos no consumo, tal como sucede no âmbito do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos – de obter o reembolso dos impostos contrários à Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008.

De facto, defende o TJUE que o direito da União deverá ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto contrário à Diretiva 2008/118, na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, por consequência, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

A PRIMEIRA DECISÃO ARBITRAL

O Tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 629/2021-T apreciou três exceções dilatórias, invocadas pela Administração tributária, que poderiam obstar ao conhecimento do mérito da ação: a incompetência do Tribunal Arbitral, a ilegitimidade do sujeito passivo e a caducidade do direito de ação. Julgou improcedentes as duas primeiras exceções invocadas e procedente a última, não tendo conhecido do mérito do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado.

De acordo com o Tribunal arbitral, a CSR é um imposto, e não uma contribuição financeira, por não haver coincidência entre sujeito passivo (introdutor dos produtos no mercado) e o contribuinte (adquirente dos combustíveis).

Em sustento de tal entendimento, nota o Tribunal arbitral que, na CSR, existe apenas uma relação indireta e presumida entre o contribuinte (terceiro) e o prestador, e que não existe um grupo prévio a que se possa imputar o seu pagamento. A este respeito, considerou o Tribunal arbitral que não se poderá considerar “grupo” o dos utilizadores da rede rodoviária nacional, nem o dos sujeitos passivos desta Contribuição, nem, por fim, o dos utilizadores da rede rodoviária nacional com veículos elétricos (ou velocípedes).

Para o Tribunal arbitral, a utilidade proporcionada pelas estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal não é segmentável da proporcionada pelas demais estradas, ao que acresce a circunstância de cada vez mais utilizadores dessas estradas usarem carros elétricos ou serem velocípedes.

Uma outra razão que conduziu à qualificação da CSR como imposto e que foi apontada pelo Tribunal arbitral reside no facto de ter deixado de existir consignação orgânica das receitas da CSR. a partir da conversão da EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. em IP, S.A., que integrou, também, como vimos, a Rede Ferroviária Nacional - REFER, E.P.E.

Por fim, notou ainda o Tribunal arbitral que a mudança de designação de uma parte da receita do ISP de “imposto” para “contribuição” é juridicamente inepta para transformar um imposto em contribuição financeira.

Em suma, considerou o Tribunal arbitral que a CSR é um imposto, para cujas pretensões os tribunais arbitrais têm competência de apreciação, determinando-se, desta forma, a improcedência da exceção de incompetência do Tribunal arbitral arguida pela Administração tributária.

Entendeu, ainda, o Tribunal arbitral que não há fundamento legal para excluir a legitimidade do próprio sujeito passivo da relação tributária e que a invocação do eventual enriquecimento sem causa não implica ilegitimidade, mas, antes, uma espécie de pedido reconvencional, ainda que invocado de forma preventiva, a ser apreciado em sede do conhecimento do mérito.

Relativamente à caducidade do direito de ação, decidiu o Tribunal arbitral, por seu turno, que não estava em causa um “erro imputável aos serviços”, mas, sim, um erro imputado ao próprio legislador, que só poderia ser fundamento de Revisão Oficiosa apresentado no prazo de reclamação administrativa.

Por este motivo, entendeu o Tribunal Arbitral que o pedido de Revisão Oficiosa foi apresentado intempestivamente, julgando procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, consequentemente, não conhecendo do mérito do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado.

Nestes termos, e na sequência da Decisão do TJUE e do Tribunal arbitral que reconhece legitimidade processual aos sujeitos passivos desta Contribuição para contestarem a legalidade das respetivas liquidações, importa avaliar, por um lado, o reconhecimento dessa legitimidade. Por outro lado, na sequência de Decisão arbitral que qualifica a CSR como um imposto, importa aferir do acerto dessa qualificação.

A SEGUNDA DECISÃO ARBITRAL

De seguida, por decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 304/2022-T, o Tribunal arbitral decidiu que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, deve ser interpretado no sentido de que o imposto em causa, cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa concessionária da rede rodoviária nacional, e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários, não prossegue «motivos específicos», sendo, por isso, o imposto incompatível com a diretiva.

Nesta sequência, considerou o Tribunal arbitral que, sendo as liquidações ilegais por erro imputável à Administração tributária, o imposto foi indevidamente pago, dando lugar ao seu reembolso, acrescido de juros indemnizatórios.

Neste ponto, e quanto ao alegado enriquecimento sem causa na esfera jurídica do sujeito passivo, invocado pela Administração tributária, resultante do reembolso, o Tribunal arbitral não ter sido demonstrado, não resultando automaticamente da repercussão do imposto.

A TERCEIRA DECISÃO ARBITRAL

Mais recentemente, foi proferida decisão arbitral no âmbito do processo n.º 305/2022-T, no âmbito da qual o Tribunal arbitral apreciou as exceções dilatórias invocadas pela Administração tributária, que poderiam obstar ao conhecimento do mérito da ação: a incompetência absoluta do Tribunal Arbitral (por o Pedido de Pronúncia Arbitral ter por objeto atos de liquidação de uma contribuição financeira e a apreciação em abstrato da legalidade da CSR), a ilegitimidade do sujeito passivo e a caducidade do direito de ação. O Tribunal arbitral julgou improcedentes todas as exceções notificadas.

À semelhança do decidido nas referidas decisões arbitrais, também neste caso o Tribunal arbitral entendeu que a CSR é um imposto, e não uma contribuição financeira. Para tanto, entendeu que todos os requisitos de imposto, tal como definidos pela doutrina, se encontram presentes na CSR, conclusão que não sai invalidada pelo facto de esta se destinar a obter receitas em virtude da utilização das vias rodoviárias.

Já no que respeita à incompetência absoluta do Tribunal arbitral por o Pedido de Pronúncia Arbitral ter por objeto a apreciação em abstrato da legalidade da CSR, o Tribunal arbitral considerou que o objeto do mesmo não é a impugnação da referida Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, nem a declaração da sua ilegalidade ou ineficácia, mas antes a declaração de ilegalidade do pedido de revisão oficiosa e dos atos de liquidação impugnados, que pode ser fundamento de impugnação judicial, seguindo de perto a jurisprudência existente sobre a matéria.

Entendeu, ainda, o Tribunal arbitral que não há fundamento legal para excluir a legitimidade do sujeito passivo e que quem é parte legítima para solicitar a revisão oficiosa dos atos de liquidação dos tributos é igualmente parte legítima para impugnar esses atos de liquidação.

Relativamente à caducidade do direito de ação, decidiu o Tribunal arbitral que o erro imputável aos serviços abrange o erro de direito no caso de uma incorreta interpretação da lei, sendo, nesse caso, o prazo para pedido de revisão elevado para quatro anos.

No que respeita ao mérito da ação, o Tribunal arbitral seguiu de perto a já mencionada decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 7 de fevereiro de 2022 (processo C-460/21), no âmbito da qual se decidiu que , quando há violação de disposições do direito da União, há o direito, por parte do sujeito passivo – definido, para efeitos de CSR, como destinatário registado que introduz produtos petrolíferos no consumo, tal como sucede no âmbito do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos – de obter o reembolso dos impostos contrários à Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008.

De facto, defende o TJUE que o direito da União deverá ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto contrário à Diretiva 2008/118, na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, por consequência, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

O Tribunal arbitral acompanhou ainda a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 304/2022-T (referida no ponto anterior), na qual, como vimos, se considerou ilegal a CSR.

Deste modo, o Tribunal arbitral concluiu pela ilegalidade das liquidações de CSR objeto de impugnação e pelo reembolso do montante pago a esse título.

A LEGITIMIDADE DO REPERCUTIDO PARA CONTESTAR

Decorre do exposto que, tanto o TJUE, como os Tribunais arbitrais, entenderam que o sujeito passivo da relação tributária de CSR tem legitimidade processual ativa para contestar as respetivas liquidações de CSR.

Nesta sequência, questiona-se se o repercutido – o consumidor final, isto é, de quem na prática suportou o imposto – terá, também, legitimidade processual para contestar as liquidações de CSR, com o objetivo de obter a sua anulação e, consequentemente, o seu reembolso, e, ainda que a tenha, se é necessário o litisconsórcio com o sujeito passivo.

Em primeiro lugar, é parte legítima numa ação quem tem interesse direto em demandar. Por seu turno, a existência de interesse direto em demandar é determinada em função da utilidade que possa derivar, para o autor, da procedência daquela concreta ação.

No âmbito de processo judicial tributário, têm legitimidade para intervir os sujeitos passivos da relação tributária. Significa isto que tem legitimidade a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que está vinculado ao cumprimento da prestação tributária – seja como contribuinte direto, substituto ou responsável e, ainda, a quem suporte o encargo económico do imposto através do mecanismo da repercussão legal.

Nestes termos, importa indagar se a CSR, sendo um imposto especial de consumo, consubstancia um caso de repercussão legal, em que a transferência do encargo do imposto para um terceiro, alheio à relação tributária, resulta de imposição legal; ou se, pelo contrário, materializa um caso de mera repercussão fiscal voluntária, resultando isso na ilegitimidade processual ativa do repercutido.

Com efeito, tem sido pacífico na doutrina e na jurisprudência que os IECs implicam casos de repercussão legal. Sustenta-se, nesse sentido, que os impostos especiais de consumo procuram onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente e da saúde pública e que, por essa razão, deverá ser o verdadeiro titular da capacidade contributiva a ser onerado com o encargo do imposto.

Nesta sequência, tendo em conta que a CSR adere (em parte) ao regime dos IEC, que o financiamento da rede rodoviária nacional deve ser assegurada pelos seus próprios utilizadores (e não pelas entidades que se dediquem ao comércio dos produtos petrolíferos e sujeitos passivos de ISP) e que resulta de uma interpretação conjunta e sistemática do regime da CSR que esta contribuição pretende onerar os utilizadores da rede rodoviária e na medida do seu consumo de combustíveis, conclui-se no sentido da CSR ser também objeto do fenómeno da repercussão legal.

Desta forma, os consumidores finais – os repercutidos – terão legitimidade processual ativa para contestar as liquidações da CSR, de forma a obter a sua anulação e respetivo reembolso, não sendo, como tal, necessário o litisconsórcio, ou seja, que os sujeitos passivos também contestem as liquidações de CSR.

Assim sendo, esses contribuintes de facto terão ao seu dispor os meios procedimentais (ou seja, perante a Administração tributária) e processuais (ou seja, perante um tribunal) mediante os quais podem contestar a legalidade de uma contribuição e se peticione a anulação e o reembolso dos montantes suportados a esse título.

O reconhecimento da legitimidade processual ativa dos consumidores finais já decorria, aliás, das decisões arbitrais de 2022, mas a sua reafirmação nesta última decisão de 2023 abre caminho para o aumento de litigância relativamente à (i) legalidade da CSR.

Destarte, os consumidores finais não carecem da intervenção processual dos sujeitos passivos da CSR para terem legitimidade processual ativa para contestarem as liquidações, sendo processualmente desnecessária uma ação concertada entre as operadoras, sujeitas a CSR, e os consumidores finais, seja em que moldes for, para que estes últimos possam fazer valer os seus interesses.

Já a legitimidade processual ativa dos próprios sujeitos passivos de CSR é discutível. Com efeito, esclareceu já o TJUE que, quando há prova que houve repercussão do imposto noutra pessoa que não o operador, não haverá direito ao reembolso do imposto indevidamente cobrado ao sujeito passivo, sob pena de enriquecimento sem causa.

Nestes termos, a legitimidade destes sujeitos pode ser questionada, na medida em que se poderá entender que, se se provar que o imposto foi suportado na íntegra por terceiro, aqueles não têm interesse em agir por não poderem retirar qualquer utilidade económica da eventual procedência da contestação da legalidade das liquidações de CSR.

A CSR COMO IMPOSTO

Os Tribunais Arbitrais consideraram que a CSR é um imposto, não uma contribuição financeira.

Ora, a qualificação da CSR como imposto não se coaduna com a constatação de que esta Contribuição constitui a “contraprestação” paga pelos utilizadores pela utilização da rede rodoviária, estando como tal legalmente prevista, segundo um princípio de equivalência.

De facto, caso entendamos que tais contribuições constituem prestações pecuniárias e coativas exigidas por uma entidade pública em contrapartida de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, dir-se-á que a CSR tem características, sim, mas de contribuição especial. Ou seja, à semelhança, por exemplo, da Contribuição para o Audiovisual, a CSR é contribuição consignada por lei à prestação de um serviço público, no caso presente definido no contrato de concessão de que é objeto.

De facto, a CSR é uma prestação pecuniária e coativa, exigida por uma entidade pública (alfândegas, em representação do Estado português), em contrapartida da utilização do sistema rodoviário nacional, e de que os contribuintes de facto aproveitam.

A LITIGÂNCIA ABERTA PELAS DECISÕES ARBITRAIS

Se reconhecermos aos consumidores finais a legitimidade de também poderem contestar a CSR, admitindo que as gasolineiras (sujeitos passivos do imposto) – ao contrário do que se pensa ter sido o seu argumento – sempre terão repercutido a CSR nos consumidores finais, então, estas nada teriam a ganhar já que o Estado, se for definitivamente condenado, ou devolve a CSR às gasolineiras ou o devolve aos consumidores finais.

A ser assim, deparar-nos-íamos com um problema de praticabilidade, dado o número de pendências, quer administrativas, quer judiciais/arbitrais, que este contencioso poderá atingir.

De facto, segundo as estatísticas da Associação de Comércio Automóvel de Portugal (ACAP) [que, por sua vez, cita o Instituto de Registos e Notariado], o parque automóvel português é composto por 6,5 milhões de veículos ligeiros, a que acrescem 500 mil veículos pesados, num total de cerca de 7 milhões de veículos em circulação.

Se, por hipótese, admitirmos que cada automobilista fará, relativamente à CSR, um “pedido de revisão do ato de liquidação” e considerando que podem ser revistos os atos de liquidação relativos aos últimos quatro anos, temos que este contencioso poderá somar 28 milhões de processos!

No que respeita ao apuramento do imposto, refira-se, ainda, que, desde agosto de 2020, nos termos do Regulamento da ER-SE n.º 141/2020, publicado no Diário da República, II série, de 20 de fevereiro de 2020, a discriminação do ISP (que, nos termos do Regulamento, inclui o CO2 e a CSR, que têm valores fixos e legalmente conhecidos) é obrigatória.

Tanto quanto sabemos, esta obrigação nem sempre é cumprida, mas, para o caso, não tem relevância, dado que a CSR somente depende dos litros abastecidos.

Isto porque, pelo menos desde aquela data, a empresa que impugnou a CSR ou emitiu os recibos ao consumidor final de forma ilegal (e então pode argumentar-se que o fez em proveito próprio) ou então será muito fácil à Administração tributária, ou a qualquer consumidor final, provar que houve repercussão, no caso de tê-la havido.

Assim, se nas faturas de combustíveis estiver identificado o número de contribuinte e discriminado o montante do ISP, será fácil apurar o montante da receita cobrada a esse título.

Em caso contrário, deverá considerar-se, para efeitos de apuramento do imposto, que a CSR corresponde a € 87 por cada 1000 litros de gasolina, e € 111 por cada 1000 litros de gasóleo.

CONCLUSÃO

Apesar de as decisões em causa ainda não estarem, tanto quanto lográmos apurar, consolidadas na ordem jurídica portuguesa, a verdade é que está aberto o caminho para nova via contenciosa, que se adivinha concorrida, em face do reconhecimento da legitimidade, procedimental e processual, dos sujeitos passivos, contribuintes de direito, e dos contribuintes de facto da CSR e das sucessivas e recentes decisões que os favorecem.

***

Lisboa, 22 de março de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Braga Reigoto
Álvaro Pinto Marques

(Tax Litigation Team)

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