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A contribuição de serviço rodoviário e a legitimidade processual dos consumidores finais

01 Agosto 2022
A contribuição de serviço rodoviário e a legitimidade processual dos consumidores finais
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A contribuição de serviço rodoviário e a legitimidade processual dos consumidores finais

01 Agosto 2022

SUMÁRIO

Na sequência do entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, vertido no recente Despacho proferido, sobre o direito ao reembolso de imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, importa aferir da legitimidade processual ativa de pessoas alheias à relação tributária, mas que tiveram o ónus de suportar a Contribuição em causa.

A INCIDÊNCIA SUBJETIVA DA CONTRIBUIÇÃO DE SERVIÇO RODOVIÁRIO

Como já deixámos mais amplamente enunciado na nossa newsletter dedicada ao tema, a Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e que incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), constitui uma contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, visando também o seu financiamento.

Nestes termos, dita a lei citada que esta contribuição é devida pelos sujeitos passivos do ISP. Note-se, porém, que sendo o ISP um imposto especial de consumo (IEC), o que tendencialmente acontece é que, apesar de ser o sujeito passivo o obrigado a entregar o montante do imposto, vai ser o consumidor final a suportá-lo efetivamente.

Assim, na sequência de decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, em que se sublinha que, quando há violação de disposições do direito da União, há o direito, por parte do sujeito passivo, de obter o reembolso dos impostos, questiona-se qual a legitimidade processual do repercutido – do consumidor final, isto é, de quem na prática suportou o imposto – para contestar as liquidações de CSR, com o objetivo de obter a sua anulação e, consequentemente, o seu reembolso.

A LEGITIMIDADE PROCESSUAL DO REPERCUTIDO PARA A CONTESTAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES DE CSR

Em primeiro lugar, é parte legítima numa ação quando tenha interesse direto em demandar. Por seu turno, a existência de interesse direto em demandar é determinada em função da utilidade que possa derivar, para o autor, da procedência daquela concreta ação.

No âmbito de processo judicial tributário, têm legitimidade para intervir os sujeitos passivos da relação tributária. Significa isto que tem legitimidade a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que está vinculado ao cumprimento da prestação tributária – seja como contribuinte direto, substituto ou responsável e, ainda, a quem suporte o encargo económico do imposto através do mecanismo da repercussão legal.

Nestes termos, importa indagar se a CSR, sendo um imposto especial de consumo, consubstancia um caso de repercussão legal, em que a transferência do encargo do imposto para um terceiro alheio à relação tributária resulta de imposição legal; ou, se pelo contrário, materializa um caso de repercussão fiscal voluntária, resultando isso na ilegitimidade processual ativa do repercutido.

Com efeito, tem sido pacífico na doutrina e na jurisprudência que os IECs são casos de repercussão legal. Sustenta-se, nesse sentido, que os impostos especiais de consumo procuram onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente e da saúde pública e que, por essa razão, deverá ser o verdadeiro titular da capacidade contributiva a ser onerado com o encargo do imposto.

Nesta sequência, tendo em conta que a CSR adere (em parte) ao regime dos IEC, que o financiamento da rede rodoviária nacional deve ser assegurada pelos seus próprios utilizados (e não pelas entidades que se dediquem ao comércio dos produtos petrolíferos e sujeitos passivos de ISP) e que resulta de uma interpretação conjunta e sistemática do regime da CSR que esta contribuição pretende onerar os utilizadores da rede rodoviária e na medida do seu consumo de combustíveis, conclui-se no sentido da CSR ser também objeto do fenómeno da repercussão legal.

Desta forma, os consumidores finais – os repercutidos – terão legitimidade processual ativa para contestar as liquidações da CRS, de forma a obter a sua anulação e respetivo reembolso.

Já a legitimidade processual ativa dos próprios sujeitos passivos de CSR é discutível. Com efeito, esclareceu já o TJUE que, quando há prova que houve repercussão do imposto noutra pessoa que não o operador, não haverá direito ao reembolso do imposto indevidamente cobrado ao sujeito passivo, sob pena de enriquecimento sem causa.

Nestes termos, a legitimidade destes sujeitos pode ser questionada na medida em que se poderá entender que, se se provar que o imposto foi suportado na íntegra por terceiro, aqueles não têm interesse em agir por não poderem retirar qualquer utilidade económica da eventual procedência da contestação da legalidade das liquidações de CSR.

Por essa mesma razão, os consumidores finais não carecem da intervenção processual dos sujeitos passivos da CSR para terem legitimidade processual ativa para contestar as liquidações, sendo processualmente desnecessária uma ação concertada entre as operadoras sujeitas a CSR e os consumidores finais, seja em que moldes for, para que estes últimos possam fazer valer os seus interesses.

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Lisboa, 01 de agosto de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira

Vânia Codeço

Pedro José Santos

João Mário Costa

Rita Sousa

José Pedro Barros

Carolina Mendes

Patricia da Conceição Duarte

Tax litigation team

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