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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e as contradições das decisões dos tribunais arbitrais

21 Novembro 2024
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e as contradições das decisões dos tribunais arbitrais
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A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e as contradições das decisões dos tribunais arbitrais

21 Novembro 2024

O presente documento traduz uma breve análise dos últimos entendimentos jurisprudenciais, que revelam uma grande discordância das decisões dos Tribunais Arbitrais, não só quanto à competência do Tribunal Arbitral em matéria de Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e à legitimidade dos repercutidos para suscitar a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, como também quanto à própria ilegalidade dos atos de liquidações de CSR e à sua conformidade com o Direito da União Europeia.

INTRODUÇÃO

A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) foi instituída pela Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, destinava-se a financiar a rede rodoviária nacional, sob responsabilidade da Infraestruturas de Portugal, S.A., abrangendo a conceção, projeto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento das redes rodoviárias nacionais.

Desde já, importa mencionar que na sequência de um litígio que correu termos no Tribunal Arbitral, que funciona no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), entre a Autoridade Tributária e uma gasolineira, foi suscitada a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), tendo este decidido que a CSR violava a Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo, sendo que, em virtude desse entendimento, foi a CSR extinta através da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro.

A 29 de maio de 2023, foi decidido, pela primeira vez, que ainda que não fosse arbitrável, a questão da legalidade ou ilegalidade da CSR, a Administração tributária não ficava vinculada à decisão do Tribunal Arbitral, por estar em causa um tributo diferente de um imposto.

Até esse momento, nenhuma decisão do Tribunal Arbitral em matéria de CSR tinha colocado em causa a competência dos Tribunais Arbitrais para decidir sobre essa matéria.
Sucede que, conforme se verá infra, a partir de uma breve análise dos últimos entendimentos jurisprudenciais do CAAD, há uma grande contradição entre eles, não só quanto às exceções invocadas pela Administração tributária como também quanto à própria ilegalidade dos atos de liquidação de CSR e à sua conformidade com o Direito da União Europeia.

DOS ENTENDIMENTOS CONFLITUANTES DOS TRIBUNAIS ARBITRAIS

No âmbito do Processo n.º 31/2023-T, de 29 de maio de 2023, tendo sido suscitada a incompetência do Tribunal Arbitral por parte da Administração tributária, o Tribunal Arbitral considerou, pela primeira vez, e ao contrário do que tinha vindo a decidir até então, que a apreciação de litígios que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas à CSR não se encontra abrangida pela Portaria de vinculação da Administração tributária aos Tribunais Arbitrais, julgando procedente a exceção de incompetência invocada.

Em 14 de junho de 2023, no âmbito do Processo n.º 24/2023-T, o Tribunal Arbitral voltou a decidir em linha com o as anteriores decisões, considerando, novamente, que a questão da legalidade da CSR é arbitrável e a que a decisão arbitral vincula a Administração tributária, tendo, ainda, nessa sequência, julgado procedente o pedido arbitral e anulado o ato de liquidação impugnado.
E, bem assim, a 15 de julho de 2023, no âmbito do Processo n.º 113/2023-T, o Tribunal Arbitral decidiu no mesmo sentido, fazendo-nos, até então, acreditar que a decisão de 29 de maio de 2023, pese embora fosse um volte-face no que havia sido decidido até então, não iria merecer novo acolhimento.

Sucede que, a 25 de janeiro de 2024, veio o Tribunal Arbitral, no âmbito do Processo n.º 372/2023-T pronunciar-se novamente sobre a competência para decidir sobre matérias atinentes à CSR, tendo voltado a decidir a favor da verificação da exceção de incompetência do Tribunal Arbitral suscitada pela Administração tributária.

Mais tarde, a 9 de fevereiro de 2024, no âmbito do Processo n.º 409/2023, não obstante o Tribunal Arbitral se ter julgado incompetente para se pronunciar sobre a ilegalidade dos atos de repercussão, por se tratar de atos subsequente aos atos de liquidação, e autónomos destes, considerou-se, por outro lado, competente para decidir quanto à ilegalidade dos atos de liquidação. No entanto, apesar de se considerar competente, julgou a Requerente parte ilegítima para contestar atos de liquidação de CSR, em razão da questão da repercussão, absolvendo, assim, a Administração tributária da instância.

Deste modo, tem-se verificado uma verdadeira contradição nas decisões dos Tribunais Arbitrais, já que surgiram, recentemente, duas decisões, ambas proferidas a 5 de julho de 2024 (analisadas infra), que vêm, novamente, abrir portas na questão da vinculação da Administração tributária à decisão do Tribunal Arbitral em matéria de CSR e sobre a legitimidade dos repercutidos (contribuintes consumidores finais) para suscitarem a ilegalidades dos atos de liquidação de CSR.

Na Decisão proferida no âmbito do Processo n.º 98/2024-T, e a respeito da exceção da incompetência do Tribunal em razão de matéria, o Tribunal Arbitral concluiu estar perante “(…) uma questão jurídica que integra a competência do tribunal arbitral, relacionada com a apreciação de atos tributários e respetiva legalidade da liquidação da CSR (…) por ser um tributo desconforme com o Direito da União Europeia, (Diretiva n.º 2008/118/CE, de 16/12/2008), tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc. C-460/21.”, pelo que, considera-se competente o Tribunal Arbitral para decidir a questão.

Em relação à invocada ilegitimidade processual da Requerente, entendeu o mesmo Tribunal que o consumidor final dos produtos sujeitos a ISP e, subsequentemente a CSR, a quem este imposto possa ter sido repercutido, é titular de um interesse legalmente protegido e de legitimidade processual, enquanto forma de acesso à justiça e de proteção dos direitos e reparação dos prejuízos que suportou com o pagamento da CSR considerada desconforme com o Direito da União, concluindo que, atento o principio da efetividade, deve ser reconhecido ao consumidor final (repercutido de impostos indiretos), o direito de reclamar diretamente junto da administração tributária os montantes de imposto indevidamente liquidados e alegadamente pagos.

No que concerne à questão de mérito da causa, isto é, a ilegalidade das liquidações da CSR e o imposto alegadamente suportado pelo contribuinte consumidor final por repercussão legal, entende o Tribunal Arbitral que “(…) atenta a jurisprudência, o «Tribunal de Justiça referiu expressamente a possibilidade de o comprador final poder exigir, diretamente à autoridades nacionais, a restituição do montante do imposto indevido cujo encargo suportou (…)».”e que “[o] contribuinte consumidor final que demonstre que a CSR foi repercutida no preço dos produtos que adquiriu tem o direito de obter o reembolso da CSR indevidamente suportada, mediante o recurso aos meios de reação previsto na legislação tributária e, junto da AT, contestar diretamente os respetivos atos tributários (…)”.

No entanto, apesar de reconhecer a restituição do imposto ao comprador final, o Tribunal Arbitral entende, por uma questão probatória, que “(…) em conformidade com o demonstrado, considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente, que o valor pago pelo combustível que adquiriu à sua fornecedora, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova. Tal como impendia sobre as Requerentes o ónus de provar que o preço dos serviços que presta e dos bens que vende aos seus clientes, não comporta, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva encargo daquele tributo.”, concluindo que o pedido arbitral deve ser julgado improcedente.

Por outro lado, na Decisão proferida no âmbito do Processo n.º 991/2023-T, o Tribunal deu total razão à contribuinte, não só quando concluiu pela improcedência das exceções invocadas pela Autoridade tribuária, como também quando julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo facto de as liquidações de CSR serem ilegais.

No âmbito desta última decisão e a respeito da própria ilegalidade dos atos de liquidações, o Tribunal Arbitral refere a questão já foi tratada pelo TJUE quando este decidiu da seguinte forma:

“a) A Diretiva 2008/118/CE não se opõe a que os Estados-membros estabeleçam outras imposições indiretas para além do imposto especial sobre o consumo mínimo. Mister é que tais imposições, no sentido de não entravar as trocas comerciais, sejam cobradas por “motivos específicos” e sejam conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto (artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva).

b) O facto de um imposto ter uma finalidade orçamental não obsta a que possa ter uma finalidade específica na aceção da Diretiva. Mas a existência de um motivo ou finalidade específicos pressupõe que se possa estabelecer, a partir do regime jurídico do tributo, uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.

c) A alocação da receita do tributo ao financiamento de atribuições administrativas, em particular a adjudicação da receita da CSR ao financiamento da concessionária da rede rodoviária nacional, constitui um elemento relevante, ainda que insuficiente, para que se logre identificar um motivo específico.

d) Para que se considere que a imposição indireta prossegue efetivamente uma finalidade específica, mormente de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, é necessário que o produto desse imposto seja obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais associados à utilização da rede rodoviária nacional. O que não acontece com a CSR, cuja receita se destina, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. Acresce que a estrutura da CSR, nomeadamente a matéria coletável ou a taxa de tributação, não espelha, em termos suficientemente precisos, o propósito de reduzir a sinistralidade, dissuadir os sujeitos passivos do tributo de utilizarem a rede rodoviária nacional ou incentivar a adoção de comportamentos menos nocivos para o ambiente.

e) A CSR tem uma finalidade puramente orçamental, na aceção da Diretiva 2008/118/CE”.

Deste modo, o Tribunal Arbitral, alicerçado nestas conclusões do TJUE, entendeu que a CSR era uma imposição indireta que não prossegue um motivo específico na aceção da Diretiva 2008/118/CE e, por esse motivo, entendeu que as liquidações emitidas pela Administração tributária que estão subjacentes à cobrança de CSR à Requerente, enfermam de vício de violação de lei, por incompatibilidade com a referida Diretiva.

Nas palavras do Tribunal Arbitral, “[c]onforme jurisprudência reiterada do Tribunal de Justiça, a repercussão de um imposto – legal ou não – é uma questão de facto, sobre a qual não recai qualquer presunção nem em benefício da AT nem em benefício da Requerente. Pelas mesmas razões, o Tribunal arbitral não deu como provado que a Requerente tenha transferido para o preço dos bens ou serviços prestados aos seus clientes os montantes suportados a título de CSR nas aquisições de combustível. Considerou, concretamente, que se a prova junta aos autos, apreciada à luz das regras da experiência e da prática e tendo em conta o setor económico em causa, aponta no sentido de que o sujeito passivo do imposto – a Petrogal, S.A. – repercutiu a CSR sobre os adquirentes de combustível, não demonstra, todavia, que a Requerente tenha repercutido sobre os seus clientes o imposto suportado na aquisição de combustível.”, tendo concluído que se mostrava constituído na esfera jurídica da Requerente o direito ao reembolso do imposto ilicitamente liquidado, suportado por intermédio da repercussão legal.

CONCLUSÕES

Em face do exposto, conclui-se que os desenvolvimentos das decisões arbitrais têm sido contraditórios relativamente à temática da CSR. 

Além das divergências verificadas quanto às exceções dilatórias invocadas pela Administração tributária, tais como a (i) ineptidão da petição inicial por falta de objeto (2) incompetência do Tribunal arbitral em razão da matéria e (3) ilegitimidade do requerente, constatou-se também contradições quanto à análise do mérito da causa, isto é, a própria ilegalidade dos atos de liquidação da CSR, gerando imprevisibilidade e insegurança jurídica quanto a esta temática.

Este cenário de incerteza jurídica pode ter consequências significativas para as partes envolvidas e para a estabilidade do sistema jurídico como um todo.

 

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade
Maria Antónia Silva
Marta Arnaut Pombeiro
Raquel Tomé Castelo

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