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Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (4.º Trimestre de 2022)

22 mai 2023
Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (4.º Trimestre de 2022)
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Súmula de Jurisprudência fiscal arbitral (4.º Trimestre de 2022)

22 mai 2023

SUMÁRIO

A presente Informação Fiscal apresenta uma síntese trimestral das principais decisões proferidas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em matéria tributária, analisando o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter e tem por referência o 4.º trimestre de 2022.

1.
NÚMERO DO PROCESSO:
138/2022-T
DATA:
10 de outubro de 2022
ASSUNTO:
IRC – Tributação Autónoma – Encargos AOV – Portagens e estacionamento

A REQUERENTE apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à anulação parcial do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referente ao exercício de 2018 e, bem assim, à condenação da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ao reembolso do montante de tributação autónoma, excessivamente pago, relativo aos encargos relacionados com a utilização de viaturas em regime de Aluguer Operacional de Viaturas (”AOV”) e, ainda, com a utilização de portagens e estacionamento, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

FACTOS

A REQUERENTE é uma sociedade anónima cujo objeto social consiste na gestão de participações sociais noutras sociedades, sendo essa uma forma indireta de exercício de atividades económicas.

Desde 2017, a REQUERENTE é a sociedade dominante de um Grupo de Sociedades tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades.

Em 28 de junho de 2019, a REQUERENTE procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC, do Grupo de Sociedades, referente ao exercício de 2018, tendo posteriormente apresentado três declarações de substituição da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC.

Não se conformando com os montantes resultantes da entrega das referidas declarações, a título de tributações autónomas, a REQUERENTE apresentou Reclamação Graciosa contra o ato de autoliquidação de IRC, tendo, na sequência do seu indeferimento, apresentado o competente Pedido de Pronúncia Arbitral.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão decidenda saber se os encargos com o regime de aluguer operacional de viaturas ligeiras e os encargos com portagens e estacionamentos estão sujeitos a tributação autónoma.

No entender da REQUERENTE, relativamente aos encargos suportados com as viaturas em regime de AOV não se encontravam preenchidos os pressupostos para a aplicação do regime da tributação autónoma, pelo que foram incorretamente sujeitos a tributação autónoma.

Isto porque, considera a REQUERENTE que, “(…) na ausência de uma norma específica que regule o apuramento da tributação autónoma, nos casos dos contratos de AOV – nos quais, como já referido, o locatário não conhece o valor de aquisição da viatura – não poderá a AT defender abordagens de apuramento da tributação autónoma.”

Por fim, entende ainda a REQUERENTE que não se lhe impunha o ónus de apuramento do valor de aquisição através de informação de que os mesmos dispõem, pois tal procedimento, para além de não ter previsão legal, seria também inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade.

A título subsidiário, considera a REQUERENTE que, caso ainda assim a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA considere que os encargos incorridos com viaturas em regime de AOV sejam sujeitos a tributação autónoma, estes encargos apenas poderiam ser sujeitos a uma tributação à taxa de 10%, à semelhança do que se verifica no caso dos contratos rent-a-car de curta duração.

Já a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA entende, em primeiro lugar, que “o esforço exigido à Requerente para o conhecimento do valor das viaturas em regime de AOV em ordem a aplicar as taxas correspondentes de tributação autónoma, não é inconstitucional por violação da proporcionalidade” e que “a Requerente não apresenta nenhuma prova de que possam verificar-se as diferenças suscetíveis de alterar o enquadramento das viaturas nos escalões de taxas do artigo 88.º, n.º 3 do Código do IRC.”

Pelo que conclui que “não deve proceder o pedido da Requerente por não se confirmar que hajam sido «cometidos lapsos aquando do preenchimento das Declarações de Rendimentos Modelo 22 do CIRC das várias sociedades do consolidado fiscal, precisamente no que concerne à sujeição dos encargos supra a tributação autónoma.»”

Face ao exposto, o Tribunal começa a sua análise por uma exposição histórica sobre o regime da tributação autónoma, concluindo que é objetivo deste regime “(…) desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal.”, ou seja, “o legislador visa desincentivar a realização de certas despesas, admitindo a dedutibilidade do custo, mas reduzindo a vantagem fiscal por via da tributação autónoma, assim se compreendendo que a tributação incida não sobre um rendimento, mas sobre a realização de despesas.”

Neste sentido, entende o Tribunal que, relativamente à tributação autónoma sobre viaturas em regime de AOV, apesar de não se impor à REQUERENTE o ónus de apuramento do valor de aquisição, a verdade é que a REQUERENTE deveria declarar as despesas de acordo com as regras legais aplicáveis.

In casu, considera o Tribunal que “a declaração dos encargos com as viaturas pressupõe o conhecimento do custo de aquisição das viaturas, tendo ficado evidenciado nos autos que a REQUERENTE não desenvolveu qualquer diligência com vista a apurar o custo de aquisição das viaturas em AOV”, uma vez que “apurou-se em sede de Inspeção Tributária o exato custo de aquisição das viaturas em causa, por meio de comunicação e informação disponibilizada pelo fornecedor (…)”.

Deste modo, conclui o Tribunal pela improcedência, no que respeita à liquidação de tributação autónoma sobre as despesas relacionadas com os contratos dos veículos em AOV, assim como no que respeita ao pedido subsidiário de tributação à taxa de 10%, dada a falta de prova do direito àquela correção por parte da REQUERENTE.

Por fim, relativamente aos encargos com portagens e estabelecimento, entende a REQUERENTE que “(…) tais encargos não consubstanciam encargos intrínsecos a viaturas ligeiras de passageiros, assumindo-se antes como remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, que presta um serviço, através do pagamento de uma tarifa.”

Pelo que “(…) os encargos com portagens e estacionamentos não são encargos específicos com tal tipo de viaturas, nem sequer se assumem como indissociáveis das mesmas; não são despesas relacionadas com o funcionamento, com a titularidade ou com a regular/legal circulação das viaturas.”

Conclui, assim, a REQUERENTE que os encargos com portagens e estacionamento não deviam ter sido sujeitos a tributação autónoma.

 Por outro lado, entende a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA que “será falacioso referir que os encargos com portagens e estabelecimento não se inserem no conceito de encargos com viaturas de passageiros, e que estes encargos decorrem da utilização dos veículos.”

Com efeito, prevê o CIRC que estão sujeitas ao regime de tributação autónomas os encargos que se considerem “(…) relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”, ou seja, o legislador previu apenas que fossem sujeitos ao regime de tributação autónomas os encargos que tenham uma relação com o veículo.

In casu, considera o Tribunal que os encargos com portagens, estabelecimentos e parques de estabelecimento, embora possam estar relacionadas com veículos, “(…) não ostentam uma ligação com estes em que se surpreenda uma natureza idêntica ou análoga às espécies de despesas enunciadas no n.º 5 do artigo 88.º do Código do IRC. Na verdade, as despesas com portagens, estabelecimentos e parques de estabelecimento estão diretamente relacionadas com as utilizações concretas e determinadas, situadas e situáveis no tempo, de determinado veículo, enquanto as despesas ali enunciadas não têm tal relação, antes se podem reportar difusamente a utilização do veículo, quer quanto ao tempo quer quanto ao modo.”

Ou seja, considera o Tribunal que o facto de tais encargos se reportarem a factos concretos situados no tempo e no espaço torna-se necessário averiguar caso a caso estas despesas relacionadas com portagens e estacionamentos de forma a averiguar se foram efetivamente realizadas para fins da empresa ou não.

Neste mesmo sentido, tem-se pronunciado a jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido de os encargos com portagens e estacionamento não se enquadrarem no n.º 5 do artigo 88.º do CIRC.

Deste modo, conclui o Tribunal pela procedência do pedido de anulação do ato tributário na parte que respeita à tributação autónoma das despesas de portagens e estacionamento, julgando o demais peticionado improcedente.

2.
NÚMERO DO PROCESSO:
273/2022-T
DATA:
17 de novembro de 2022
ASSUNTO:
IRS – Artigo 10.º do CIRS – Tributação de mais-valias – Expropriação por utilidade pública.

A REQUERENTE apresentou Pedido de Pronúncia de Arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), atinente ao ano de 2017 e, bem assim, à condenação da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

FACTOS

A REQUERENTE adquiriu, por via sucessória, uma quota-parte de 50% de um prédio rústico de cultura arvense e horta com árvores de fruto com a área total de 25.250m2.

A 11 de maio de 2001, a Assembleia Municipal de Évora, sob proposta da Câmara Municipal de Évora, deliberou, por maioria, declarar a utilidade pública da expropriação dos terrenos necessários à construção da Variante EN bem como os terrenos circundantes destinados à execução de edificações e ainda atribuir caráter de urgência.

De acordo com a avaliação, datada de 11 de novembro de 2000, o prédio rústico aqui em causa tinha uma área total de 25.250m2, sendo que a expropriação só iria incidir sobre 18.869m2, no qual esta parte do terreno iria ser dividida em duas parcelas: a) uma parcela correspondente a 10.388m2, destinada à execução de edificações (fração 1), expropriação sem caráter de urgência e, b) uma parcela correspondente a 8.481m2, em forma geométrica trapezoidal, destinada à construção de via (fração 2), expropriação com caráter de urgência.

À parcela correspondente a 8.481m2, em forma geométrica trapezoidal, foi atribuído o valor de indemnização de €146.725,31, no qual iria ser pago em duas prestações iguais, no montante de €73.362,65.

Contudo, em 2 de agosto de 2002, por comunicação proveniente da Câmara Municipal de Évora, a expropriação passou, apenas, a incidir sobre a parcela correspondente a 8.481m2, em forma geométrica trapezoidal, destinada à construção de via (fração 2), expropriação com caráter de urgência.

Posteriormente, por comunicação, datada de 22 de março de 2012, o Município de Évora informou que pagaria a indeminização em quatro prestações: em maio de 2012, em outubro de 2012, em dezembro de 2012 e em janeiro de 2013.

Em 30 de maio de 2018, a REQUERENTE apresentou a declaração de IRS referente ao ano de 2017, no qual declarou, no anexo G, o montante de €73.362,65, a título de indemnização pela expropriação.

Neste sentido, a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA procedeu à emissão do ato de liquidação de IRS, tendo a REQUERENTE procedido ao seu pagamento a 17 de agosto de 2018.

Em 11 de novembro de 2020, a REQUERENTE, inconformada com o ato de liquidação de IRS, apresentou Pedido de Revisão contra o referido ato, tendo o mesmo sido, em 25 de janeiro de 2022, objeto de indeferimento, na sequência do qual intentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e não provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão central saber se existe ou não uma norma de incidência real que inclua, no âmbito da tributação das mais-valias, os ganhos resultantes de expropriação, no âmbito do Código de Imposto sobre Pessoas Singulares (“CIRS”).

Na perspetiva da REQUERENTE, as indemnizações decorrentes de procedimentos de expropriação não têm incidência no CIRS, uma vez que as mais valias decorrentes do CIRS decorrem de ganhos obtidos com a alienação ou a transmissão onerosa.

In casu, considera a REQUERENTE que expropriação por utilidade pública não é uma alienação ou transmissão onerosa, mas sim uma forma de extinção do direito de propriedade seguida da aquisição originária do bem a favor da entidade pública, pelo que não deverá haver qualquer tributação em sede de IRS.

Por outro lado, entende a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA que a expropriação se encontra abrangida pelo CIRS e, para o efeito, chama à colação o disposto no artigo 44.º, n.º 1, al. b) do CIRS, no qual prevê que para determinação dos ganhos sujeitos a IRS no caso das expropriações se considere o valor de realização, logo, conclui que se “(…) se o valor de realização constitui uma das variáveis que concorrem no cálculo da mais-valia, então a respetiva previsão só faz sentido perante uma base de incidência que enquadre a expropriação dentro do âmbito de incidência das mais-valias.”

Neste sentido, o Tribunal começou por referir que uma mais-valia “(…) corresponde a um ganho, ou seja, é uma diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição de um mesmo bem ou direito.”

Contudo, não estabelecendo o CIRS uma definição de mais-valias, o legislador procedeu, nos termos do CIRS, a uma enumeração taxativa de ganhos sujeitos a tributação de mais-valias desde que não sejam considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais.

Assim, tendo o legislador a preocupação de delimitar o âmbito de incidência da norma do CIRS, decidiu apenas incluir determinadas situações, existindo, portanto, ganhos que se encontram excluídos de tributação.

Deste modo, tendo em consideração estas conclusões, o Tribunal prosseguiu a sua análise no sentido de averiguar se a indemnização por expropriação de utilidade pública é ou não possível de enquadramento no CIRS como ganho proveniente de uma alienação onerosa de direitos reais.

Neste sentido, considera o Tribunal que “o primeiro facto gerador de mais-valias imobiliária é a alienação (a transmissão) onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.”

Por transmissão entende o Tribunal que consiste “(…) na alienação como a transmissão de direito de propriedade sobre um bem ou a constituição de um direito real que o onere.”

Feito este enquadramento, considera o Tribunal que, em consonância com o que já foi decidido no âmbito do processo arbitral n.º 291/2019-T, de 9 de dezembro de 2022, o valor da indemnização por expropriação de utilidade pública não é possível de enquadramento no CIRS, como ganho proveniente de uma alienação onerosa de direitos reais, uma vez que “(…) a expropriação não implica a transferência de direitos reais sobre imóveis, pois ela é a causa extinta desses direito. (…) Neste sentido, o Supremo Tribunal Administrativo teve ocasião de se pronunciar, por diversas vezes, na vigência do Código de Imposto de Mais-Valias, no sentido de que a relação jurídica da expropriação não é subsumível no conceito de transmissão onerosa.”.

Por fim, conclui, ainda, o Tribunal que, apesar de o CIRS prever que “1- Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: (…) b) No caso de expropriação, o valor de realização”, tal disposição legal não é uma norma de incidência, mas sim de determinação da matéria tributável, pois estipula uma das variáveis que se tem de considerar para efeitos de cálculo das mais-valias.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, entende o Tribunal que o pedido de revisão do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentada dentro do prazo da reclamação administrativa.

Pelo que, in casu, não ficou demonstrado o erro imputável à ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA, pelo que a REQUERENTE não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do ato tributário.

3.
NÚMERO DO PROCESSO: 247/2022-T
DATA: 23 de dezembro de 2022
ASSUNTO: IRS – Tributação das mais-valias resultantes da alienação do direito ao quinhão hereditário constituído por bens imóveis

A REQUERENTE apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (“IRS”) e, bem assim, à condenação da ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

FACTOS

A REQUERENTE é uma pessoa residente para efeitos fiscais em Espanha.

Em 14 agosto de 2020, a REQUERENTE procedeu à alienou o direito ao quinhão hereditário que a sua mãe tinha direito na herança ilíquida e indivisa, que era constituída por três prédios urbanos.

Em 7 de julho de 2021, a REQUERENTE apresentou a sua Declaração de IRS no qual declarou a alienação do direito ao quinhão hereditário, na parte respeitante aos 3 imóveis, da qual resultou uma mais-valia fiscal.

Nesta sequência, foi a REQUERENTE notificada do ato de liquidação de IRS. Não concordando com o ato de liquidação de IRS, a REQUERENTE apresentou Reclamação Graciosa. Contudo, não tendo a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA se pronunciado sobre a mesma, no prazo de 4 meses, a REQUERENTE, perante o indeferimento tácito, apresentou o presente Pedido de Pronúncia Arbitral.

Já no âmbito do Pedido de Pronúncia Arbitral, a ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA veio, por requerimento, comunicar que o objeto do Pedido de Pronúncia Arbitral foi parcialmente revogado, anulando o ato tributário, com fundamento na discriminação dos contribuintes não residentes face aos residentes na tributação das mais-valias imobiliárias.

Não obstante a revogação parcial do ato tributário, a REQUERENTE manteve o pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral, com fundamento na inexistência de norma de incidência objetiva de tributação em sede de IRS relativamente à alienação do direito ao quinhão hereditário constituído por imóveis e na consequente violação do princípio da legalidade fiscal consagrado na CRP.

ANÁLISE DO TRIBUNAL

Fixada a matéria de facto dada como provada e elencadas as posições das partes, o Tribunal identificou como questão central saber se (i) se o direito a um quinhão hereditário sobre os bens de uma herança indivisa constitui um direito de propriedade sobre esses mesmos bens ou um direito ideal a uma quota do património autónomo e (ii) se a herança constituída por imóveis pode ser incluída no âmbito da incidência do CIRS.

Para efeitos de apreciação da presente ação, o Tribunal começou pela análise do conceito e da natureza jurídica do quinhão hereditário com vista a aferir se o quinhão hereditário quando constituído por bens imóveis se traduzia ou não num direito de propriedade sobre os imóveis.

Citando o entendimento de Capelo de Sousa, no qual refere que “(…) sendo vários os herdeiros e antes de se efetuar a partilha, cada um deles, embora não tenha um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles, detém, todavia, um direito de quinhão hereditário, ou seja, à respetiva quota-parte ideal da herança global em si mesma. Direitos estes de que tais herdeiros têm a propriedade (…)”

Assim, quando ocorre a alienação do quinhão hereditário, o que os herdeiros estão a transmitir é o direito à herança, ou seja, o direito ao quinhão hereditário indiviso que abrange, por exemplo, “(…) direitos de gestão (art.º 2091.º do CC), direitos à recepção de rendimentos (art.º 2092.º do CC) e direitos de exigir a partilha e de composição da quota (art.º 2101.º do CC.”

Para fundamentar o seu entendimento, o Tribunal reitera, assim, aquela que vem sendo a posição dos Tribunais Superiores (cf. a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo tirados nos processos n.º 01863/13, 0975/09, 0450/14): o quinhão hereditário não constitui um direito de propriedade sobre os bens que compõem a herança, mas sim a uma quota-parte do direito à herança. E, portanto, só após a celebração da partilha é que os herdeiros são considerados proprietários dos imóveis que integram o acervo hereditário.

Chegando o Tribunal a esta conclusão, prosseguiu a sua análise, quanto ao enquadramento legal, em sede fiscal, com vista a aferir a eventual tributação de mais-valias resultantes da alienação do quinhão hereditário.

Com efeito, afirma, ainda, o Tribunal que, apesar de o Código do IMT conter uma previsão legal que prevê que este imposto incida, também, sobre o “excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário.”, esta norma de incidência é referente a IMT e não releva para efeitos de tributação, em sede de IRS, de pretensas mais-valias alegadamente resultantes da alienação de quinhão hereditário sobre herança indivisa constituída por bens imóveis.

Prevê o artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS que “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis;”

Assim, referiu o Tribunal que “a transmissão do quinhão hereditário da herança quando integra bens imóveis, como é o caso, é distinta da alienação do direito de propriedade que o proprietário ou o comproprietário detêm sobre bens imóveis. A situação em causa não se enquadra no art.º 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, isto porque, no caso em apreço, não ocorreu uma transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.”

Reforçando, assim, o entendimento de que “a norma de incidência tributária incide sobre a “alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis” e não sobre o direito ao quinhão hereditário, o que significa que a alienação em causa não está sujeita a tributação em sede de mais-valias no âmbito do IRS. Este entendimento é, aliás, acompanhado pela jurisprudência.”

No caso em apreço, o Tribunal considerou, pois, que, estando em causa uma alienação do quinhão hereditário e sendo o direito ao quinhão hereditário “um direito abstratamente considerado e idealmente definido” não se podia afirmar que a REQUERENTE ao “alienar o seu quinhão hereditário estive a realizar uma alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis”, uma vez que “a Requerente não é proprietária de um único bem do quinhão hereditário (móvel ou imóvel), não sendo então possível enquadrar esta situação no art.º. 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS.”.

Deste modo, entendeu o Tribunal que, da análise do elemento literal da norma legal relevante resulta não se poder incluir na sua previsão a alienação onerosa de quinhão hereditário sobre a herança constituída por imóveis, isto porque, “não sendo o direito real ao quinhão hereditário qualificado de direito real, a alienação desse direito não está sujeita à tributação em sede de mais-valias em IRS”.

Decidiu, assim, o Tribunal que, não estando a mais-valia resultante da alienação do direito ao quinhão hereditário sobre a herança líquida e indivisa constituída por bens imóveis abrangida pela norma de incidência do Código do IRS, nem por qualquer outra norma de incidência tributária, deveria a liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral ser anulada, por violar o princípio da legalidade fiscal.

Em face do exposto, entende o Tribunal julgar procedente o Pedido de Pronúncia Arbitral, determinando a anulação o ato de liquidação de IRS e, bem assim, o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

Lisboa, 22 de maio de 2023

Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Álvaro Pinto Marques
Patrícia da Conceição Duarte
Inês Braga Reigoto

Tax litigation team

 

 

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