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Encore l’affaire de l’ancien entraîneur de l’équipe portugaise de football

18 avril 2023
Encore l’affaire de l’ancien entraîneur de l’équipe portugaise de football
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Encore l’affaire de l’ancien entraîneur de l’équipe portugaise de football

18 avril 2023

SUMÁRIO

 O litígio que opõe o ex-Selecionador Nacional de futebol e a Administração tributária foi já objeto de decisão arbitral proferida pelo CAAD, lançando indicadores sobre a aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso e para sua mais precisa aplicação e contestação.

Tal decisão foi objeto, como é público, de recurso e de impugnação, por parte do ex-Selecionador Nacional, os quais ainda não foram apreciados. Mas outros desenvolvimentos parecem existir e o processo pode estar longe do fim.

INTRODUÇÃO

1. Os contratos celebrados entre a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a anterior Equipa Técnica da Seleção Nacional de Futebol foram questionados pela Administração tributária, que entendeu aplicável, ao caso, a Cláusula Geral Anti Abuso (CGAA) e, bem assim, que as prestações de serviço pagas pela FPF à sociedade de que é sócio maioritário, o ex-Selecionador Nacional, se devem considerar como prestadas, direta e pessoalmente, pelo próprio ex-Selecionador Nacional. Pelo que é em sede de IRS, e não do IRC da sociedade, que a tributação deve ocorrer.

O ex-Selecionador Nacional submeteu a questão ao Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária (CAAD) (vd. www.caad.org.pt), que deu razão à Administração tributária e manteve, portanto, a aplicação da CGAA.

Entretanto, o ex-Selecionador Nacional terá recorrido da Decisão do CAAD, para o tribunal Central Administrativo Sul e para o Supremo Tribunal Administrativo, mas tais recursos não terão, ainda, sido objeto de decisão.

Simultaneamente, foi requerido pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, à FPF, os contratos com o atual e o anterior selecionador de futebol e as respetivas equipas técnicas, e as atas das reuniões em que foram tomadas decisões relativas a esses contratos, mas a FPF recusou for-necer tais documentos.

Já no âmbito da Comissão de Orçamento e Finanças na Assembleia da República, o Partido Socialista solicitou a audição da diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para a obtenção de informações sobre a utilização de empresas uni-pessoais para processamento de rendimentos de trabalho.

E à margem desta Comissão, a diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira revelou que a investigação da Administração tributária não se limitou aos dois anos já inspecionados, mas vai estender-se a todo o período de oito anos em que o ex-Selecionador Nacional esteve ao serviço da Federação Portuguesa de Futebol, de 2014 a 2022.

Ora, o que está, concretamente, em causa pode vir a tornar-se um exemplo, académico, da aplicação da CGAA, mas parece estar, ainda, longe do fim…

 O ENQUADRAMENTO

2. Foi apurado pela Administração tributária que os serviços assegurados pela quase totalidade da ex-Equipa Técnica da Seleção Nacional de Futebol, incluindo os de Selecionador Nacional, terão sido contratados pela FPF a uma sociedade de que é sócio o ex-Selecionador Nacional, a qual, por sua vez, veio a contratar os serviços dos restantes membros da ex-Equipa Técnica (alegadamente, com exceção de um).

Perante esta factualidade, a Administração tributária considerou que não se verificaram razões económicas válidas para a interposição desta sociedade nessa relação.

A Administração tributária considerou, aliás, que a interposição da sociedade, como parte nos contratos celebrados com a FPF, em lugar do ex-Selecionador Nacional, constituiu um mero instrumento para, em abuso da forma jurídica adotada, alcançar um resultado fiscal mais favorável.

Neste âmbito, e ainda no entender da Administração tributária, tal negócio terá permitido que a FPF não pagasse contribuições à Segurança Social, ao contrário do que sucedera com as equipas técnicas anteriores, bem como implicado o diferimento da tributação do ex-Selecionador Nacional e da restante ex-equipa técnica, em sede de IRS, sobre os rendimentos derivados do exercício da sua atividade profissional e que são tributados, em IRC e na esfera societária, a taxas bem mais reduzidas, além da dispensa de retenção na fonte e, ainda, da possibilidade mais ampla, de dedução de despesas.

A Administração tributária fez, assim, operar a designada Cláusula Geral Anti Abuso (ou CGAA). Fundamentalmente, a CGAA parte do princípio da prevalência da substância sob a forma e, na redação em vigor à data dos factos (entretanto já alterada pela Lei n.º 32/2019, de 3 de maio). e aplicável ao caso, estabelecia que são ineficazes no âmbito tributário, os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, à eliminação ou ao diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se, então, a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.

 Em consequência, a Administração tributária procedeu à liquidação, adicional, de IRS e de juros compensatórios, por referência aos anos de 2016 e de 2017, dos quais resultou um valor a pagar no total de € 4.492.494,20, valor este que terá vindo, entretanto, a ser suportado (a título de sub-rogação) pela FPF.

3. Deste entendimento, dissentiu o ex-Selecionador Nacional, nomeadamente no âmbito de um Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado junto do CAAD, e procurando a anulação das correções e das liquidações a que foi sujeito.

Este Pedido foi objeto de uma Decisão do CAAD, a qual deu razão à Administração tributária, mantendo, portanto, a aplicação da CGAA e as liquidações de imposto e de juros que lhe sucederam.

No entanto, o ex-Selecionador Nacional terá, agora, impugnado esta decisão do CAAD junto do Tribunal Central Administrativo Sul e apresentado, também, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

4. No entretanto, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda requereu à FPF os contratos celebrados com o ex-Selecionador Nacional e com as respetivas equipas técnicas, bem como as atas das reuniões em que foram tomadas decisões relativas a esses contratos. E, no âmbito da comissão de Orçamento e Finanças na Assembleia da República, o Partido Socialista solicitou a audição da diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, «com vista à obtenção de informações sobre a utilização indevida de empresas unipessoais para processamento de rendimentos de trabalho».

A diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira revelou que a investigação da Administração tributária não se limita aos dois anos já inspecionados e que vai estender-se a todo o período, de oito anos, em que o ex-Selecionador Nacional esteve ao serviço da Federação Portuguesa de Futebol, de 2014 a 2022.

A POSIÇÃO DO EX-SELECIONADOR NACIONAL

5. Tendo por referência a Decisão proferida sobre o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo ex-Selecionador Nacional junto do CAAD, este invoca, fundamentalmente, que foi a FPF que propôs a contratação dos serviços técnicos das seleções nacionais através de uma sociedade, em função das preocupações, que, então, manifestou, de não querer assumir a contratação dos demais elementos da equipa técnica, nomeadamente porque não pretendia mais que um interlocutor e porque uma eventual cessação do contrato seria mais simples, remetendo para as vicissitudes na cessação dos contratos com a anterior equipa técnica.

Mais adiantou o ex-Selecionador Nacional que, em função desta preocupação da FPF, não seria adequado que semelhante obrigação fosse assegurada pessoalmente e que o comum seria fazê-lo através de uma sociedade, «que tem uma estrutura adequada, que contrata os serviços e as pessoas que estiver a contratar».

Isto porque, argumentou o ex-Selecionador Nacional, o objetivo não foi, apenas, o de assegurar que o mesmo seria o novo responsável pelos serviços técnicos de supervisão e de coordenação de todas as seleções nacionais da FPF e pela orientação e preparação da Seleção Nacional, mas, também, que caberia à sociedade a contratação de todos os elementos que viessem a integrar a equipa técnica.

Partindo daqui, invoca ainda o ex-Selecionador Nacional que poderia prestar os seus serviços individualmente ou através de uma sociedade, sendo que – como acontece com a generalidade dos profissionais – a sua escolha «é eminentemente livre e insindicável, à luz do direito de iniciativa privada e da liberdade de conformação dos negócios ou atividades profissionais».

6. Neste contexto, o ex-Selecionador Nacional conclui que a estrutura implementada foi uma opção perfeitamente legítima e racional do ponto de vista económico e da gestão dos interesses das partes envolvidas, e que não foi para obter uma vantagem fiscal (comparativa) que a FPF celebrou o contrato de prestação de serviços com a sociedade detida pelo ex-Selecionador Nacional.

A POSIÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

7. Tomando por referência a resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral, conforme exposta na correspondente Decisão, a Administração tributária contestou, por seu lado, esta argumentação apresentada pelo ex-Selecionador Nacional.

Designadamente, avança a Administração tributária que os contratos celebrados dispõem que as prestações de serviços deveriam ser realizadas através das pessoas neles designadas e não por qualquer outro profissional escolhido pela sociedade contratada, o que determinaria que os técnicos nomeados não poderiam ser substituídos por outros no desempenho das suas funções (sem o consentimento prévio, por escrito, da FPF).

Considera, também, que os contratos entre a FPF e a sociedade mais não são do que contratos que vinculam o ex-Selecionador Nacional perante a FPF, mediante uma retribuição, tratando-se, por isso, de contratos de prestação de serviços em que o prestador é uma e única pessoa singular.

Assim sendo, a Administração tributária considera, ainda, que a factualidade reunida permitiu confirmar que a interposição de uma sociedade, como parte nos contratos celebrados com a FPF, em lugar do ex-Selecionador Nacional, constituiu um mero instrumento para, em abuso da forma jurídica adotada, alcançar um resultado fiscal mais favorável, legitimando a aplicação da citada CGAA, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Partindo daqui, sustenta também a Administração tributária que é por se tratar de um caso de abuso de personalidade jurídica que não é defensável em casos como este a tese de que o contribuinte é colocado perante duas vias que lhe são propostas pelo legislador e que, nessa medida, não pode ser obrigado a escolher a que lhe for fiscalmente mais penalizadora, avançando que a interposição de sociedades é justamente um dos exemplos, clássicos, da aplicação de normas anti abuso, entre estes estando o das sociedades de sócio único ou em que o gerente/administrador coincide com o sócio.

A Administração tributária expõe, ainda, o seu entendimento de que, nestes casos, «o critério determinante é que a sociedade interposta exerça uma genuína atividade económica», sendo que, na sua ausência, a interposição da sociedade é considerada um “wholly artificial arrangement”, legitimando a desconsideração da personalidade jurídica para efeitos fiscais. E assim é quando a intervenção da sociedade no negócio «é de todo artificial e tem um evidente intuito elisivo».

8. Para a formação da convicção e sustentação da ausência de substância económica real da operação em causa, a Administração tributária elenca, designadamente, que:

  • a sociedade tem como sócios a pessoa que presta os serviços objeto do contrato e pessoas pertencentes ao seu núcleo familiar;
  • os serviços profissionais objeto do contrato foram desempenhados exclusivamente por um sócio, à data da celebração do primeiro contrato, sócio único;
  • a sociedade não dispunha de estrutura material e humana adequada para o desempenho dos serviços prestados;
  • a FPF suportava a maioria dos custos com os estágios e deslocações da Seleção Nacional, incluindo os da equipa técnica;
  • cerca de 90% dos gastos da sociedade resultam das transferências para os restantes elementos da ex-equipa técnica, no âmbito do contrato com a FPF;
  • os restantes gastos não apresentam relação aparente com a prestação de serviços objeto do contrato com a FPF;
  • a sociedade apresenta características de uma sociedade familiar, que tem como único propósito concentrar património e investimentos dos Requerentes e familiares, não apresentado uma estrutura que a habilite a prosseguir uma atividade económica real como a natureza da que foi contratualizada;
  • a sede da sociedade coincide com o domicílio fiscal dos Requerentes;
  • os funcionários da sociedade trabalhavam, na verdade, pessoalmente para os Requerentes e não estão afetos a qualquer atividade económica real alegadamente prosseguida pela sociedade;
  • nenhuma diferença material haveria entre os contratos efetivamente celebrados com a sociedade e contratos que fossem realizados diretamente com os elementos da equipa técnica, as cláusulas seriam as mesmas, mudaria a designação dos intervenientes, pelo que a única diferença resultaria da interposição formal de sociedades;
  • há uma dependência total entre os contratos base celebrados pela sociedade com a FPF e os contratos celebrados por aquela com as empresas detidas pelos elementos da restante ex-equipa técnica, sem que haja qualquer evidência do valor acrescentado aportado por aquela, nem, tão-pouco, quaisquer compensações ou riscos associados; e
  • a intervenção da sociedade no contrato circunscreveu-se (ou foi-o predominantemente) a um centro emissor de faturação e recetor de faturação de terceiros, designadamente das sociedades controladas pela restante ex-equipa técnica.

A Administração tributária aponta, ainda, que o modelo contratual utilizado possibilitou que os rendimentos atribuídos pela FPF fossem sujeitos a uma taxa de tributação inferior à que resultaria da tributação em IRS dos mesmos rendimentos, enquadrados na categoria B (trabalhadores independentes) do Código do IRS e, como tal, sujeitos a englobamento, com a aplicação das taxas progressivas, e, em simultâneo, permitiu a ambas as partes, a diminuição do nível das contribuições respetivas para a segurança social.

Aponta, por último, a Administração tributária, que outro benefício associado à opção por esta solução contratual se traduziu na aplicação do regime de dedutibilidade de gastos consagrado no Código do IRC e que, relativamente a certos tipos de despesas, é mais amplo do que o previsto no quadro do IRS para os rendimentos da categoria B, em particular no tocante a encargos.

A DECISÃO DO CAAD

9. Tendo por base o que foi alegado no processo, o Tribunal Arbitral acolheu, genericamente, a posição da Administração tributária.

O Tribunal Arbitral não acolheu que a motivação da opção contratual estabelecida foi a de permitir à FPF ter um único interlocutor, e isto porque a sociedade estava, contratualmente, impedida de executar os serviços contratados por intermédio de quaisquer outras pessoas, para além das individualmente indicadas, salvo com o consentimento prévio e por escrito da FPF, que podia concedê-lo ou recusá-lo segundo o seu critério livre e insindicável. E, para esta convicção do Tribunal contribuiu o facto de a FPF ter ao seu serviço uma outra pessoa “que era um elemento complementar da equipa A...”, e que nada tem a ver com a sociedade.

10. O Tribunal Arbitral reconhece, também, que aos contribuintes assiste o direito constitucional ao livre desenvolvimento de uma atividade económica, que pode ser exercida através do modelo de organização empresarial que aqueles entendam ser mais adequado para o efeito e que inclui a liberdade de gestão fiscal.

O Tribunal Arbitral considera, contudo, que o direito ao planeamento e gestão fiscal não é absoluto e que o planeamento fiscal levado a cabo pelos contribuintes nem sempre é legitimo e admissível, particularmente se se esgota em si mesmo, por não envolver quaisquer operações ou atividades dotadas de substância económica ou assentes em válidas razões comerciais.

O Tribunal Arbitral subscreve, assim, o entendimento de que «serão casos de elisão fiscal aqueles em que os contribuintes utilizam expedientes anómalos, impróprios ou artificiais, que são desprovidos de racionalidade económica e comercial e cuja utilização se explica pelo intuito proeminente de contornar ou instrumentalizar as normas jurídico-tributarias tendo em vista a obtenção de uma poupança. fiscal. Na medida em que são abusivos e contrários ao espírito e propósito do sistema jurídico-tributário, estes mecanismos apenas se poderão considerar aparentemente legais, isto é, de um ponto de vista estritamente formal.»

11. Para a aplicação da CGAA, o Tribunal Arbitral adota o método, clássico, da verificação de cinco elementos cumulativos e «decompõe a aplicação da CGAA na apreciação dos elementos resultado, meio, intelectual, normativo e sancionatório».

Quanto ao elemento resultado, o Tribunal propôs-se aferir se a estrutura utilizada «teve ou não como consequência a “redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios”.

Neste âmbito, e tendo por referência a prestação dos serviços e a cedência dos direitos de imagem direta e pessoalmente pelo ex-Selecionador Nacional, o Tribunal Arbitral concluiu que «a mesma prestação de serviços teria sido sujeita a uma carga tributária manifestamente mais elevada se o imposto, ao invés de ter sido apurado (…) com base nas regras do IRC, tivesse sido determinado direta e pessoalmente (…) com base nas regras do IRS.», ou seja, uma vantagem fiscal e que sempre have-ria, pelo menos, um “diferimento temporal de impostos”.

Quanto ao elemento meio, o Tribunal Arbitral propôs-se verificar se a prestação dos serviços de selecionador nacional, bem como a cedência de direitos de imagem, através de uma sociedade, consistiu ou não na utilização de um meio artificioso e abusivo.

Neste, âmbito, o Tribunal Arbitral considerou que, apesar de os referidos contratos terem sido celebrados, formalmente, com a sociedade, o que deles resulta, em substância, é a contratação de prestações de serviços pessoais e intransmissíveis e que aquelas eram as pessoas que a FPF queria que prestassem os serviços em causa, e foram essas pessoas, que desenvolveram, diretamente com a FPF e «sem a interferência da sociedade», os serviços em questão.

E considerou, ainda, que a estrutura dos negócios jurídicos celebrados evidencia «uma nítida confusão e indissociação entre a esfera pessoal e societária, isto é, entre o prestador efetivo dos serviços e o prestador cuja intervenção é meramente formal e desprovida de substância económica».

Também neste âmbito, o Tribunal Arbitral concluiu que a interposição de um ente societário não foi necessária, nem indispensável para mitigar o risco de futuros litígios.

O Tribunal Arbitral considerou, por último, que bastaria substituir a sociedade, pela pessoa física, nos contratos celebrados com as sociedades dos demais elementos da equipa técnica, mantendo todo o clausulado e a dependência funcional, para assegurar a vinculação perante uma só entidade, para concluir que a sociedade não desempenhou qualquer função real e efetiva.

A este respeito, o Tribunal Arbitral conclui que a intervenção da sociedade nos contratos com a FPF «é meramente formal e desprovida de substância económica, não se revelando a mesma coerente e racional segundo um padrão de razoabilidade económico-comercial, mas antes como anómala, supérflua e artificial tendo em vista os serviços a prestar», ou seja, que «consistiu na utilização de um expediente abusivo».

Quanto ao elemento intelectual, o Tribunal Arbitral propõe-se aferir se as escolhas e as formas adotadas pelos contribuintes foram fiscalmente dirigidas (tax driven), e se o resultado fiscal prevalece sobre o resultado não fiscal.

Para este efeito, o Tribunal Arbitral ressalva, porém, estar-se no terreno das intenções, pelo que «a AT [e o Tribunal, dize-mos nós] é obrigada a recorrer a elementos indiciários e presuntivos, num contexto de razoabilidade e normalidade».

A este respeito, o Tribunal Arbitral começa por referir que, «de acordo com as regras da lógica e da experiência comum não se afigura verosímil que na estruturação jurídica da operação […] não tenham ponderado nem pesado por qualquer forma a conveniência e favorabilidade fiscal resultante do modelo contratual adotado».

Simultaneamente, «Conforme se desenvolveu anteriormente na apreciação do elemento meio, os Requerentes não lograram demonstrar um ganho económico-empresarial efetivo que tivesse resultado da contratação dos serviços de selecionador nacional através da D.... [sociedade]».

Concluiu, assim, o Tribunal Arbitral que «a falta de motivação e razoabilidade económico-empresarial da interposição de um ente societário na operação evidencia, por si só, que o seu fator determinante foi a obtenção de um ganho fiscal» e, portanto, «que o conjunto encadeado de negócios jurídicos celebrados com a intervenção da sociedade (…) foi essencial ou principalmente dirigido à obtenção de uma vantagem fiscal».

Finalmente, o Tribunal Arbitral aprecia, ainda, o denominado elemento normativo, ou seja, «a validação de que a conduta, apesar de ser civil ou comercialmente lícita, foi orientada para a obtenção abusiva de um ganho fiscal em sentido contrário ao visado pelo sistema jurídico-tributário globalmente considerado, razão pela qual é objeto de reprovação normativo-sistemática».

E, aqui, o Tribunal Arbitral considerou que o facto de ter sido «utilizado um meio desprovido de razões económico-empresariais válidas, isto é, um meio artificial e abusivo, com o objetivo proeminente de obter uma vantagem fiscal, implica que o comportamento em causa é antijurídico e merecedor de reprovação normativo-sistemática».

O Tribunal Arbitral considerou, assim, verificados todos os elementos de que dependia a aplicação da CGAA, devendo, portanto, e não obstante a manutenção dos efeitos civis, serem desconsideradas, (apenas) no âmbito tributário, as vanta-gens fiscais que tiverem sido indevidamente obtidas pelos contribuintes.

O VOTO DE VENCIDO

12. O Tribunal Arbitral funcionou, neste caso, através de um coletivo, de três juízes, sendo um nomeado pelo contribuinte, outro pela Administração tributária e outro pelo CAAD.

Ora, o regime arbitral admite a possibilidade de os três juízes não se encontrarem de acordo quanto à Decisão Arbitral, como se verifica ter sido, precisamente, o que sucedeu no presente caso, em que um dos árbitros discordou da Decisão Arbitral.

Nesta circunstância, o Árbitro que se encontrou em desacordo redigiu um ‘voto de vencido’, onde expôs as razões dessa sua discordância.

Na concreta situação, este ‘voto de vencido’, para o efeito redigido, elenca sete importantes pontos principais de discordância com a Decisão Arbitral.

13. O primeiro ponto de discordância assenta na circunstância de o Tribunal apenas poder acolher a fundamentação atempadamente invocada pela Administração tributária (neste caso) no Relatório de Inspeção Tributária, «sob pena de ilegal fundamentação a posteriori». E, aqui, o voto de vencido indica, a título exemplificativo, diversos factos que só terão sido invocados pela Administração tributária posteriormente, que não constam do Relatório de Inspeção Tributária e que, portanto, constituirão fundamentação à posteriori e, por isso, ilegal.

O segundo ponto prende-se com a desvalorização do depoimento da única testemunha ouvida pelo tribunal e com intervenção direta nos factos.

O terceiro ponto está relacionado com a ponderação da prova, por entender que (i) «não ocorreu mera substituição de prestação de serviços de selecionador, por prestação homóloga, via D... (sociedade por si controlada)», (ii) a FPF «não teve qualquer poupança tributária. Paga os mesmos impostos, quer tivesse contratado os serviços dos selecionadores via D..., quer o fizesse diretamente com as pessoas singulares (na categoria B do CIRS)», (iii) não identificando «qualquer desvalor no tema da cedência dos direitos de imagem», entendendo que (iv) a vantagem fiscal e o putativo abuso deveria ser visto por referência ao ano do primeiro contrato (2014), quando «os valores das prestações de serviços eram menores – e inferior a poupança fiscal face à indicada nos autos».

O quarto ponto elencado no ‘voto de vencido’ foi de que, no balanceamento consolidado entre as razões fiscais e não fiscais, não se poderia concluir que «a razão fiscal tenha sido a principal; existem razões não fiscais relevantes e principais; quanto muito, a razão fiscal (como parametrizada supra) foi uma das principais, ao mesmo nível das razões não fiscais relevantes – e por isso, perante a lei antiga (aplicável ao caso dos autos) não se verifica este elemento da CGAA».

O quinto ponto foi o de que a intervenção da sociedade não é artificiosa ou fraudulenta e que se justifica.

O sexto ponto foi o de que não existiu abuso de formas jurídicas, especialmente porque, «por opção e desejo do legislador», a sociedade em apreço não foi submetida ao regime de transparência fiscal, não foi extravasado o elemento finalístico das sociedades e que o facto de a sociedade pagar mais aos treinadores-adjuntos que ao principal poderia ser resolvida através do mecanismo dos preços de transferência, não cabendo no âmbito da CGAA e violando a natureza subsidiária da CGAA.

O sétimo e último ponto elencado no ‘voto de vencido’ foi o de que, se a CGAA impõe a ineficácia, em termos fiscais, dos atos e negócios celebrados, então a sociedade não tem de pagar IRC e o que pagou (erradamente) tem de ser descontado ao valor do IRS a liquidar ao sócio, sob pena de ilegal limitação da ineficácia fiscal e de ilegal duplicação de valores de imposto sobre o rendimento.

O RECURSO E A IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO

14. A Decisão Arbitral proferida pelo CAAD terá sido objeto de recurso por parte do ex-Selecionador Nacional.

De acordo com o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, as decisões do CAAD podem ser objeto de três tipos de recurso: recurso para o Tribunal Constitucional, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo e impugnação para o Tribunal Central Administrativo.

O recurso para o Tribunal Constitucional é apenas admissível quando a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucio-nalidade tenha sido suscitada.

O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, por sua vez, é admissível quando a decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

A decisão arbitral pode ser, ainda, suscetível de impugnação para o Tribunal Central Administrativo com fundamento na:

a) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b) oposição dos fundamentos com a decisão;
c) pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia; e
d) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.

15. Ora, neste caso, ex-Selecionador Nacional terá recorrido da decisão para o Tribunal Central Administrativo e, simultaneamente, impugnado esta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul, desconhecendo-se, neste momento, os fundamentos que terão sido concretamente invocados.

Simultaneamente, não é ainda conhecida, pelo menos publicamente, nenhuma decisão, nem sobre o recurso, nem sobre a impugnação.

OUTROS DESENVOLVIMENTOS

16. A decisão arbitral em apreço, suscitou, ainda, outras reações.

17. Por um lado, foram requeridos, como vimos, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, à FPF, os contratos com ex-Selecionador Nacional e a respetiva equipa técnica, e as atas das reuniões em que foram tomadas decisões relativas a esses contratos.

A FPF recusou, por seu lado, fornecer os indicados documentos, invocando, fundamentalmente, que a FPF não integra a Administração Pública e que, por isso, não está abrangida pelas normas constitucionais e do Regimento da Assembleia da República que permitem aos deputados requerer todos os elementos e informações que considerem úteis para o exercício do seu mandato.

Por outro lado, e como também já referido, no âmbito da Comissão de Orçamento e Finanças na Assembleia da República, o Partido Socialista solicitou a audição da diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira «com vista à obtenção de informações sobre a utilização indevida de empresas unipessoais para processamento de rendimentos de trabalho».

Neste âmbito, a diretora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira revelou que a investigação da Administração tributária não se limita aos dois anos já inspecionados e se estenderá a todo o período, de oito anos, em que o ex-Selecionador Nacional esteve ao serviço da Federação Portuguesa de Futebol, de 2014 a 2022.

18. Sobre esta questão, é de salientar que o direito para a liquidação de tributos por parte da Administração tributária caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos.

Assim, à partida, e de acordo com as regras gerais aplicáveis, a Administração tributária já só poderá inspecionar e proceder à liquidação de tributos sobre factos que tenham ocorrido nos últimos quatro anos (2020, 2021, 2022 e 2023).

No entanto, sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais tenha sido instaurado inquérito criminal, o prazo é alargado, até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

OBSERVAÇÕES FINAIS

19. A Decisão Arbitral proferida, sob o tema em presença, resulta da concatenação dos elementos, clássicos, que decompõem a aplicação da CGAA (os referidos elementos resultado, meio, intelectual, normativo e sancionatório).

Esta análise reveste-se, normalmente, de algum grau de subjetividade influenciado, também, pela ponderação e pela valoração que o Tribunal faz da prova produzida, segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador. É o próprio Tribunal Arbitral que ressalva, quanto ao elemento intelectual, a chamada probatio diabólica, que resulta da «quase impossibilidade de provar, para além de um juízo de probabilidade, a vontade do contribuinte, precisamente o que o contribuinte oculta ou dissimula, e que sem a qual o meio utilizado ou resultado obtido não são censurados».

20. Assim, nestes casos, é fundamental apresentar à Administração tributária e, se necessário, ao Tribunal, os concretos factos em que assentam as razões económicas válidas em causa e onde podem, naturalmente, inserir-se, também, opções de gestão e de organização profissional, tomadas, justamente, ao abrigo do direito, constitucionalmente consagrado, de livre desenvolvimento de atividade económica, mesmo que de natureza desportiva. Incluindo, aqui, nomeadamente, o respeito pelo direito de opção da forma empresarial a qual, dentro dos limites legais, os contribuintes entenderem mais conveniente, em conformidade com as regras estabelecida pela Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de onde emana a CGAA, atualmente em vigor, e onde se estabelece, como pressuposto, que as regras gerais anti abuso deverão ser aplicadas a “montagens” que não sejam genuínas, pois, em caso contrario, o contribuinte deverá dispor do direito de optar pela estrutura mais vantajosa do ponto de vista fiscal para as suas atividades comerciais.

E isto porque os elementos, clássicos, que decompõem a aplicação da CGAA são, eles próprios, suscetíveis de integração diversificada e que pode, ou não, afastar a aplicação da CGAA em função do enquadramento apresentado.

Mas, além disso, é também fundamental fazer prevalecer as regras de aplicação da CGAA, nomeadamente no que se refere à sua natureza subsidiária e de última ratio, tendo presente as regras estabelecida pela referida Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, onde se prevê, impressivamente, que as regras gerais anti abuso têm a função de colmatar lacunas.

Para aplicação da CGAA, portanto, e à luz do direito europeu, a Administração tributaria deve, também, e para além da demonstração dos elementos, clássicos, que decompõem a aplicação da CGAA, indicar e identificar, concretamente, a verificação de uma lacuna.

Simultaneamente, a Decisão Arbitral foi tomada com um ‘voto de vencido’, onde são esgrimidos argumentos, sólidos, que podem mesmo servir para vir a fundamentar uma decisão diversa.

21. A Decisão Arbitral proferida pelo CAAD e, aqui, em apreço, terá sido, como adiantado, objeto de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo e de impugnação para o Tribunal Central Administrativo Sul - ou seja, não se trata, ainda, de uma Decisão definitiva.

Mas, simultaneamente, também do lado da Administração tributária, parece que o assunto poderá não se ter esgotado nos factos que foram, já, objeto de inspeção tributária, especialmente caso algum inquérito criminal tenha sido instaurado.

Contudo, se o ex-Selecionador Nacional vier a obter vencimento no recurso ou na impugnação apresentadas, poderão ficar prejudicadas, não só as liquidações de imposto objeto da Decisão do CAAD, como, também, o inquérito criminal que, paralelamente, sobre a mesma matéria, possa ter sido instaurado.

Para já, porém, prevalece a decisão do Tribunal Arbitral e que acolheu, genericamente, o alegado pela Administração tributária.

***

Lisboa, 18 de abril de 2023


Rogério M. Fernandes Ferreira
Pedro José Santos

(Sports Law team)

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