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A proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª e a criação de duas novas contribuições de solidariedade temporária (windfall profit tax) obrigatórias

25 novembre 2022
A proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª e a criação de duas novas contribuições de solidariedade temporária (windfall profit tax) obrigatórias
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A proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª e a criação de duas novas contribuições de solidariedade temporária (windfall profit tax) obrigatórias

25 novembre 2022

SUMÁRIO

Despois de muito se falar sobre a possibilidade de criação, em Portugal, de impostos sobre lucros extraordinários ou inesperados e de ter sido aprovado o Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho, de 6 de outubro de 2022, Portugal avança, agora, definitivamente com a criação deste tipo de imposto(s), através da Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª, aprovada em reunião do Conselho de Ministros.

A) INTRODUÇÃO

1.

Em Portugal, há já algum tempo, e por toda a Europa também, está na ordem do dia a introdução de novos impostos sobre os lucros, ditos “extraordinários” ou “inesperados”, das empresas, comumente chamados de windfall (profit) taxes. em tradução livre: “impostos caídos do céu.

O que são, concretamente?

O que estabelece o Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho de 6 de outubro de 2022?

O que é a contribuição de solidariedade temporária obrigatória?

Como estão a pensar e a agir os outros países da Europa?

E Portugal?

O que estabelece a nova Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª, agora aprovada em reunião de Conselho de Ministros?

Em que se traduzem a nova CST Energia e a nova CST Distribuição Alimentar?

B) AS CAUSAS

2.

Depois dos efeitos provocados pela COVID19 no mercado mundial, a guerra na Ucrânia - pelo impacto que tem em vários setores de mercado, nomeadamente o petrolífero e o energético - contribuiu, decisivamente, para uma inflação mundial com reflexo generalizado na subida dos preços dos bens de consumo e da energia, em especial gás e petróleo.

Em ambos os casos, a situação global terá permitido a diversas empresas, de alguns setores, a obtenção de lucros inesperadamente altos, especialmente, mas não só, onde estes resultam mais diretamente do aumento nos preços da energia e da alimentação.

Simultaneamente, a subida dos preços tem, naturalmente, suscitado dificuldades acrescidas às famílias e às empresas.

3.

Assim, e com o alegado propósito do financiamento das políticas anti-inflacionistas e da mitigação dos efeitos da inflação nas famílias e nas empresas, começou a ser considerada a introdução de novos impostos sobre os ditos lucros extraordinários ou inesperados, especialmente direcionados para os setores económicos onde esses lucros sejam mais evidentes e acentuados.

Inicialmente, foram apontados como sujeitos deste tipo de impostos os incluídos nos setores petrolífero e energético, mas, entretanto, também banca, distribuição e outros setores começaram a ser falados, também aqui em Portugal.

C) A POSIÇÃO DA COMISSÃO EUROPEIA

4.

No início de março de 2022, a Comissão Europeia emitiu uma Comunicação [COM (2022) 108 final] e pronunciou-se, no sentido de que poderiam ser adotadas pelos Estados-Membros medidas em matéria de auxílios estatais a fim de possibilitar o apoio às empresas e aos setores gravemente afetados pela evolução geopolítica.

E, para financiar essas medidas de emergência, a Comissão Europeia antecipou que os Estados-Membros poderiam ponderar a adoção de medidas fiscais temporárias sobre lucros inesperados. Concretamente, a Comissão Europeia indicou que os Estados-Membros poderiam, a título excecional, vir a aprovar medidas fiscais que visem captar algumas receitas de certos produtores de eletricidade, tendo em vista a sua redistribuição pelos consumidores finais de eletricidade.

5.

Dentro destas indicações, a Comissão esclareceu, ainda, que essas medidas não deveriam ser retroativas e serviriam apenas para recuperar uma parte dos lucros (extraordinários) efetivamente realizados. E indicou, também, que a duração das medidas deveria ser limitada e associada a uma situação de crise específica.

E dentro deste contexto, vários países europeus implementaram, ou anunciaram vir a implementar, windfall profit taxes, adotando modelos distintos e abrangendo diversos setores de atividade, para lá do energético.

D) O CASO DA ITÁLIA

6.

A Itália introduziu um imposto sobre os lucros extraordinários ou inesperados, logo em março de 2022, tendo começado por tributar tais ganhos a uma taxa de 25% e que deveria ser paga em 30 de junho e em 30 de novembro de 2022.

Fundamentalmente, foram aqui considerados lucros extraordinários ou inesperados os que resultem, no período entre 1 de outubro de 2021 e 30 abril de 2022, de um aumento das margens de lucro acima de 10% e superior a 5 milhões de euros, por comparação com o período entre 1 de outubro de 2020 e 30 de abril de 2022.

Este imposto recai sobre os setores da produção, venda e revenda de eletricidade, gás metano, gás natural e produtos petrolíferos.

7.

O Governo italiano aprovou, agora, e mais recentemente, o aumento da taxa deste imposto de 25% para 35% e prorrogou, já, também, o período de sua aplicação até, pelo menos, julho de 2023, aguardando estas medidas a aprovação pelo Parlamento.

E) O CASO DA ESPANHA

8.

Em Espanha, e logo em setembro de 2021, foi imposto, a fornecedores de energia, o pagamento ao sistema elétrico espanhol de um montante proporcional ao aumento dos ganhos obtidos como resultado da incorporação do preço do gás natural nos preços da eletricidade.

Espanha propôs, mesmo, entretanto, introduzir um novo imposto sobre os lucros extraordinários ou inesperados, correspondente a 1,2% dos lucros das companhias do setor energético com uma faturação acima de mil milhões de euros, tendo por referência o ano de 2019. E, de igual forma, propôs-se aplicar uma taxa especial de 4,8% sobre as margens e comissões das entidades financeiras.

9.

Em ambos os casos, foi expressamente prevista a proibição de repercussão do imposto aos consumidores, sob pena de poder ser aplicada uma sanção correspondente a 150% do montante repercutido.

Tal imposto recai sobre os anos de 2022 e de 2023 e deverá ser pago em setembro do ano seguinte, com um adiantamento de 50% em fevereiro do mesmo ano.

F) O CASO DO REINO UNIDO

10.

O Reino Unido optou, para já, por aplicar o imposto sobre os lucros extraordinários ou inesperados, apenas, ao sector de extração de petróleo e de gás, mas antecipou-se um alargamento ao setor energético.

O imposto corresponde a uma taxa de 25% sobre os lucros destas empresas que acresce à taxa geral de 40%, já aplicável.

Os lucros das empresas deste setor têm, porém, um regime de apuramento dos lucros específico e está prevista a possibilidade de dedução de até 91,25% do imposto sobre os lucros extraordinários ou inesperados em função do reinvestimento dos lucros no setor de petróleo e gás do Reino Unido.

Tal imposto, especial, deverá manter-se em vigor até que o Governo britânico considere que os preços do petróleo e gás voltaram a níveis historicamente normais, e foi inicialmente previsto que expiraria em dezembro de 2025.11.

Não obstante, o Governo britânico alargou já a vigência deste imposto até ao final de 2028. E de igual forma, o Governo britânico pondera, também, aumentar a taxa do imposto de 25% para 35%.

G) O CASO DA HUNGRIA

12.

A Hungria aplica já impostos sobre os lucros extraordinários ou inesperados a diversos setores de atividade, incluindo a banca e a energia, mas, também, às telecomunicações, ao retalho e às companhias aéreas, prevendo regimes diferentes para cada setor.

O sector bancário, designadamente, deverá pagar uma taxa extraordinária sobre os resultados de 10%, em 2022, e de 8%, em 2023.

As telecomunicações e o retalho vêm, assim, aplicadas taxas especiais progressivas de, até, 7% e 4,1%, respetivamente, em função dos resultados acima de um milhão de florins. E as companhias aéreas deverão também pagar uma taxa por cada passageiro.

H) O CASO DA GRÉCIA

13.

A Grécia também introduziu, em maio de 2022, um imposto sobre os lucros extraordinários ou inesperados, para já aplicável, apenas, às empresas produtoras de eletricidade.

Neste caso, os lucros considerados excessivos serão apurados por referência ao preço do MWh e a taxa aplicável é de 90%.

I) O CASO DA ROMÉNIA

14.

A Roménia aplicará, para já, o seu novo imposto sobre os lucros extraordinários ou inesperados também, apenas, ao setor energético.

O imposto consiste numa taxa de 80% aplicável aos lucros considerados excessivos, também por referência ao preço do MWh.

Previsivelmente, este imposto será temporário e deverá manter-se em vigor até 31 de março de 2023.

J) OUTROS PAÍSES EUROPEUS

15.

Alemanha, França, Áustria, Irlanda e Bélgica não avançaram, ainda, com tais impostos sobre lucros extraordinários ou inesperados.

A Alemanha e a França parecem, aliás, ser os países onde estes impostos conhecem menos adesão por parte dos governos em funções, não existindo propostas concretas para a sua criação.

Por seu lado, a Áustria, a Irlanda e a Bélgica estudam, também, a implementação desses impostos sobre lucros extraordinários ou inesperados para empresas do setor energético, em termos semelhantes aos que estão em vigor noutros países.

Sucede, porém, que, entretanto, foi aprovado o Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho, de 6 de outubro de 2022.

K) O REGULAMENTO (UE) 2022/1854 DO CONSELHO

(i) O âmbito e a natureza

16.

A Comissão Europeia anunciou,  em setembro de 2022, a apresentação de uma proposta de criação de uma nova contribuição solidária temporária, de 33%, sobre os lucros das empresas do setor de energia que, em 2022, tenham registado ganhos que ficaram 20% acima da média dos três anos anteriores.

Posteriormente, em outubro de 2022, foi aprovado o Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho, de 6 de outubro de 2022, precisamente relativo a uma intervenção de emergência para fazer face aos elevados preços da energia.

17.

O Regulamento propõe-se fazer face ao aumento acentuado dos preços da eletricidade e às suas repercussões nas famílias e na indústria, adiantando que, se forem adotadas medidas nacionais descoordenadas, estas poderão afetar o funcionamento do mercado interno da energia, pondo em perigo a segurança do aprovisionamento e conduzindo a novos aumentos de preços nos Estados-Membros mais afetados pela crise.

Pressuposto deste Regulamento é, também, que a solidariedade entre Estados-Membros, mediante a adoção de um limite máximo para as receitas de mercado a nível da União, gerará receitas que permitirão aos Estados-Membros financiar medidas de apoio aos clientes finais de eletricidade, como as famílias, as pequenas e médias empresas (PME) e em outros setores com utilização intensiva de energia, preservando, ao mesmo tempo, os preços nos mercados da União e o comércio transfronteiras.

O citado Regulamento visa, assim, (i) reduzir o consumo de eletricidade, (ii) introduzir um limite máximo para as receitas de mercado de determinados produtores, (iii) habilitar os Estados-Membros a aplicarem medidas de intervenção pública de fixação de preços relativamente ao fornecimento de eletricidade e (iv) estabelecer regras com vista a uma contribuição obrigatória de solidariedade temporária.

18.

Neste âmbito, o Regulamento (UE) 2022/1854 procede à introdução de uma nova “contribuição solidária” que é aplicável às empresas e aos estabelecimentos permanentes da União com atividades nos seguintes setores:

  • petróleo bruto;
  • gás natural;
  • carvão; e
  • refinação.

(ii) a redução do consumo bruto de eletricidade

19.

O Regulamento em causa estabelece, assim, a redução do consumo bruto mensal total de eletricidade em 10 % em comparação com a média do consumo bruto de eletricidade no período compreendido entre 1 de novembro e 31 de março dos cinco anos consecutivos anteriores.

E esta redução do consumo bruto de eletricidade durante as horas de ponta não pode ser inferior a 5%, por hora e em média.

(iii) o limite máximo para as receitas de mercado

20.

O Regulamento (UE) 2022/1854 estabelece, também, um limite máximo para as receitas de mercado obtidas com a venda de eletricidade produzida a partir das seguintes fontes:

  • energia eólica;
  • energia solar (térmica e fotovoltaica);
  • energia geotérmica;
  • energia hidroelétrica sem reservatório;
  • combustíveis biomássicos (sólidos ou gasosos), excluindo o biometano;
  • resíduos;
  • energia nuclear;
  • lenhite;
  • produtos à base de petróleo bruto; e
  • turfa.

As receitas de mercado obtidas por estes produtores devem ser limitadas a 180 EUR, no máximo, por MWh de eletricidade produzida.

(iv) Outras medidas (nacionais) de resposta à crise

21.

O Regulamento (UE) 2022/1854 prevê, ainda, a possibilidade de os Estados-Membros adotarem medidas adicionais, designadamente, manter ou introduzir medidas que limitem ainda mais as receitas dos produtores, incluindo a possibilidade de diferenciar entre tecnologias, bem como as receitas de mercado de outros participantes no mercado, incluindo os que operam no comércio de eletricidade, a partir das indicadas fontes ou de outras.

E permite, paralelamente, que estas medidas adicionais recaiam sobre outras unidades de energia hidroelétrica, nomeadamente de barragem, sujeitando-as a um limite máximo para as receitas de mercado, ou manter ou introduzir medidas que limitem ainda mais as suas receitas de mercado, incluindo a possibilidade de diferenciar entre tecnologias.

22.

Estas medidas adicionais ficam, porém, subordinadas aos seguintes princípios:

  • devem ser proporcionadas e não discriminatórias;
  • não podem comprometem os sinais de investimento;
  • devem assegurar que os custos de investimento e de exploração sejam cobertos;
  • não podem distorcer o funcionamento dos mercados grossistas de eletricidade e, em especial, não podem afetar a ordem de mérito nem a formação dos preços no mercado grossista; e
  • devem ser compatíveis com o direito da União.

(v) as medidas aplicáveis ao mercado retalhista

23.

O Regulamento (UE) 2022/1854 prevê, por outro lado, a possibilidade de extensão temporária das medidas de intervenção pública de fixação dos preços da eletricidade às PME, bem como a possibilidade de os Estados-Membros fixarem, a título excecional e temporário, um preço de fornecimento da eletricidade abaixo do custo, desde que estejam preenchidas todas as seguintes condições:

  • a medida abrange uma quantidade limitada de consumo e mantém um incentivo à redução da procura;
  • não haja discriminação entre fornecedores;
  • os fornecedores sejam compensados pelo fornecimento abaixo do custo; e
  • todos os fornecedores sejam elegíveis para apresentar ofertas ao preço de fornecimento da eletricidade abaixo do custo na mesma base.

(vi) os setores do petróleo bruto, gás natural, carvão e refinação

24.

Para os setores do petróleo bruto, do gás natural, do carvão e da refinação o Regulamento (UE) 2022/1854 prevê uma medida especial, centrada numa nova “contribuição de solidariedade temporária obrigatória” e que deve recair sobre os “lucros excedentários” gerados por empresas e estabelecimentos permanentes da União com atividades nos indicados setores.

 (vii) O período de vigência

25.

O Regulamento entrou em vigor no passado dia 7 de outubro de 2022 e é, por natureza, obrigatório e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros até 31 de dezembro de 2023.

No entanto, este regulamento não é exequível por si mesmo, necessitando de ser implementado pelos Estados-Membros.

26.

Além disso, prevê datas e períodos de vigência, específicos, para algumas medidas.

Assim, ficou expressamente estabelecido que:

  • a redução do consumo bruto de eletricidade durante as horas de ponta é aplicável de 1 de dezembro de 2022 a 31 de março de 2023;
  • as medidas para alcançar a redução da procura e distribuição das receitas excedentárias vigoram a partir de 1 de dezembro de 2022; e que
  • o limite máximo para as receitas de mercado aos produtores de eletricidade e outras medidas nacionais de resposta à crise são aplicáveis entre 1 de dezembro de 2022 e 30 de junho de 2023.

L) A CONTRIBUIÇÃO DE SOLIDARIEDADE TEMPORÁRIA OBRIGATÓRIA PREVISTA NO REGULAMENTO (UE) 2022/1854

(i) Obrigatoriedade

27.

O Regulamento (EU) 2022/1854 é taxativo ao referir que a contribuição de solidariedade temporária é obrigatória para os Estados-Membros, exceto se os mesmos tiverem já aprovado medidas nacionais equivalentes.

Neste caso, os Estados-Membros devem assegurar que tais medidas nacionais equivalentes aprovadas tenham objetivos semelhantes aos da contribuição de solidariedade temporária e que estão sujeitas a regras semelhantes às regras que regem esta contribuição, nos termos do regulamento, e que geram receitas de valor comparável, ou superior, ao valor estimado das receitas provenientes da contribuição de solidariedade.

(ii) a incidência subjetiva

28.

Esta contribuição de solidariedade temporária obrigatória é aplicável a empresas e a estabelecimentos permanentes da União, incluindo os que fazem parte de um grupo consolidado exclusivamente para efeitos fiscais, com atividades nos seguintes setores:

  • petróleo bruto;
  • gás natural;
  • carvão; e
  • refinação.

(iii) a incidência objetiva

29.

A nova contribuição de solidariedade deve ser calculada sobre os lucros tributáveis, determinados em conformidade com as regras fiscais nacionais, no exercício fiscal de 2022 e/ou no exercício fiscal de 2023 e durante a totalidade dos mesmos, que se situem acima do correspondente a um aumento de 20 % dos lucros tributáveis médios, determinados em conformidade com as regras fiscais nacionais, nos quatro exercícios fiscais com início em ou após 1 de janeiro de 2018.

30.

O Regulamento prevê, também, que, se a média dos lucros tributáveis nesses quatro exercícios fiscais for negativa, os lucros tributáveis médios devem ser iguais a zero para efeitos do cálculo da contribuição de solidariedade temporária.

(iv) a taxa

31.

A taxa aplicável para o cálculo da contribuição de solidariedade temporária deve ascender a, pelo menos, 33 % da base de cálculo e acresce aos impostos e taxas normais aplicáveis, em conformidade com o direito de cada Estado-Membro.

(v) a consignação de receita

32.

O Regulamento (UE) 2022/1854 estabelece, expressamente, que as receitas da contribuição de solidariedade temporária devem ser utilizadas pelos Estados-Membros de forma a produzir efeitos atempadamente para qualquer dos seguintes fins:

  • apoio financeiro aos clientes finais de energia, em especial as famílias vulneráveis, a fim de atenuar os efeitos dos preços elevados da energia, de modo focalizado;apoio financeiro para reduzir o consumo de energia, por exemplo através de leilões ou de regimes de concurso para a redução da procura, reduzindo os custos de aquisição de energia dos clientes finais de energia para determinados volumes de consumo, promovendo investimentos por parte dos clientes finais de energia em energias renováveis, investimentos estruturais em eficiência energética ou outras tecnologias de descarbonização; e
  • apoio financeiro para empresas de setores com utilização intensiva de energia, desde que estejam subordinadas a investimentos em energias renováveis, eficiência energética ou outras tecnologias de descarbonização;
  • apoio financeiro para desenvolver a autonomia energética, em especial investimentos em consonância com as metas do plano REPowerEU, estabelecido no Plano REPowerEU e na Ação Europeia Conjunta REPowerEU, como projetos com uma dimensão transfronteiras.

33.

Num espírito de “solidariedade” entre Estados-Membros, estes podem, ainda, afetar uma parte das receitas da contribuição de solidariedade temporária obrigatória ao financiamento comum de medidas destinadas a reduzir os efeitos prejudiciais da crise energética, incluindo o apoio à proteção do emprego e à requalificação e melhoria das competências da mão de obra, ou a promoção de investimentos na eficiência energética e nas energias renováveis, incluindo no âmbito de projetos transfronteiras e do Mecanismo de financiamento da energia renovável da União previsto no Regulamento (UE) 2018/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à Governação da União da Energia e da Ação Climática.

Salienta-se, aqui, a expressa referência do Regulamento para a produção de efeitos “atempados”, induzindo que as medidas devem ter caráter direto e imediato, e sem dilações temporais.

34.

De igual modo, este Regulamento (UE) 2022/1854 estabelece, também taxativamente, que as medidas devem ser (i) claramente definidas, (ii) transparentes, (iii) proporcionadas, (iv) não discriminatórias e (v) verificáveis.

(vi) a entrada em vigor

35.

O Regulamento (UE) 2022/1854, como atrás se disse, entrou já em vigor no dia 7 de outubro de 2022 e é obrigatório e diretamente aplicável, dada a sua natureza, nos Estados-Membros.

Sem prescindir, verifica-se, também, que este regulamento não é exequível por si mesmo. As medidas adotadas pelo Regulamento carecem de implementação por parte dos Estados-Membros, razão pela qual ficou estabelecido que os Estados-Membros devem adotar e publicar as medidas que concretizem a contribuição de solidariedade temporária obrigatória, impreterivelmente, até 31 de dezembro de 2022.

(vii) a vigência

36.

O Regulamento (UE) 2022/1854 estabelece, igualmente, que a contribuição de solidariedade obrigatória é excecional e estritamente temporária.

E, por isto mesmo, ficou expressamente definido que a contribuição de solidariedade deverá aplicar-se, apenas, aos exercícios fiscais de 2022 e/ou 2023.

L) A PROPOSTA DE LEI N.º 47/XV/1.ª E OS NOVOS WINDFALL TAXES PORTUGUESES

37.

O Governo português anunciou, publicamente, que Portugal apoiaria estas medidas e participou, ativamente, nos trabalhos da Comissão Europeia e que iria criar uma contribuição solidária de 33% sobre os lucros das empresas do setor de energia que, em 2022, registaram ganhos que ficaram 20% acima da média dos três anos anteriores.

Na apresentação da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2023 (OE 2023), o ministro das finanças confirmou, mesmo, que iria introduzir a nova contribuição, seguindo a “decisão a nível europeu” e avançando que teria um “regime próprio” e que a mesma entraria em vigor antes do OE para 2023.

A “decisão a nível europeu” a que alude o Governo era respeitante a esse Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho, de 6 de outubro de 2022, que veio criar a referida contribuição de solidariedade temporária e obrigatória.

Como se já viu também, o regulamento é, em si mesmo, obrigatório e diretamente aplicável em Portugal e a contribuição de solidariedade temporária e obrigatória deverá ser implementada, pelo Governo, até 31 de dezembro de 2022.

38.

É nesta sequência, então, que o Governo apresentou, agora, a Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª, que regula a aplicação de uma contribuição de solidariedade temporária sobre o setor da energia (a CST Energia) e uma outra sobre o setor da distribuição alimentar (a CST Distribuição Alimentar).

M) AS REGRAS GERAIS

(i) O objeto

39.

A Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª tem por objeto a criação e a regulamentação, afinal, de duas contribuições de solidariedade temporária:

  • a CST Energia - contribuição de solidariedade temporária sobre o setor da energia; e
  • a CST Distribuição Alimentar - contribuição de solidariedade temporária sobre o setor da distribuição alimentar.

A Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª, assume, expressamente, que a CST Energia consubstancia «uma intervenção de emergência para fazer face aos elevados preços da energia», enquanto que a CST Distribuição Alimentar se propõe «fazer face ao fenómeno inflacionista».

40.

Verifica-se, assim, desde logo, que a Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª, do Governo, vai além do referido Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho, de 6 de outubro de 2022, onde se prevê, apenas, a criação de uma contribuição de solidariedade temporária obrigatória aplicável, como vimos, aos seguintes setores da energia:

  • petróleo bruto;
  • gás natural;
  • carvão; e
  • refinação.

(ii) A vigência

41.

É proposto que ambas as contribuições sejam temporárias e apenas sejam aplicáveis aos lucros considerados extraordinários nos períodos de tributação, para efeitos do IRC, que se iniciem nos anos de 2022 e 2023.

(iii) A liquidação

42.

As contribuições previstas deverão ser liquidadas pelo sujeito passivo, ainda que isento, através de declaração de modelo oficial que deverá ser aprovado por portaria do membro do governo responsável pela área governativa das finanças.

Estabelece-se, também, que os sujeitos passivos devem proceder à liquidação da contribuição de forma individual e autónoma, mesmo quando lhes seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades.

A declaração deve ser enviada à Administração tributária, por transmissão eletrónica de dados, até ao dia 20, independentemente de esse dia ser útil ou não útil, do 9.º mês seguinte à data do termo do período de tributação a que respeita.

43.

A (auto)liquidação pode ser corrigida pela Administração tributária, nos prazos gerais, caso sejam verificados erros, omissões ou alterações que determinem a exigência de um valor de contribuição superior ao liquidado.

De igual forma, prevê-se que, na falta de liquidação da contribuição nos termos dos números anteriores, a mesma poderá ser efetuada (oficiosamente) pela Administração tributária com base nos elementos de que esta disponha.

(iv) O pagamento

44.

As contribuições previstas deverão ser liquidadas pelo sujeito passivo, ainda que isento, através de declaração de modelo oficial a aprovar por portaria do membro do governo responsável pela área governativa das finanças.

(v) A (não) dedutibilidade

45.

Em harmonia com o Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho, de 6 de outubro de 2022, as contribuições previstas na Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável em IRC, mesmo quando contabilizadas como gastos do período de tributação.

(vi) A consignação

46.

A Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª prevê, expressamente, como devem ser afetadas as receitas das contribuições agora criadas.

Assim, a receita obtida com a CST Energia deve ser afeta, por despacho dos ministros das finanças e da energia, a, pelo menos, um dos seguintes fins:

  • medidas de apoio financeiro aos clientes finais de energia, em especial as famílias vulneráveis, a fim de atenuar os efeitos dos preços elevados da energia, de modo focalizado;
  • medidas de apoio financeiro para ajudar a reduzir o consumo de energia, por exemplo através de leilões ou de regimes de concurso para a redução da procura, reduzindo os custos de aquisição de energia dos clientes finais de energia para determinados volumes de consumo, promovendo investimentos por parte dos clientes finais de energia em energias renováveis, investimentos estruturais em eficiência energética ou outras tecnologias de descarbonização;
  • medidas de apoio financeiro para apoiar as empresas de setores com utilização intensiva de energia, desde que estejam subordinadas a investimentos em energias renováveis, eficiência energética ou outras tecnologias de descarbonização;
  • medidas de apoio financeiro para desenvolver a autonomia energética, em especial investimentos em consonância com as metas do plano REPowerEU, estabelecido no Plano REPowerEU e na Ação Europeia Conjunta REPowerEU.

47.

Por seu lado, a receita obtida com a CST Distribuição Alimentar deve ser afeta, por despacho dos ministros das finanças e da energia, a, pelo menos, um dos seguintes fins:

  • ações de apoio ao aumento de encargos com bens alimentares a favor da população mais vulnerável, designadamente através de entidades do setor social;
  • medidas para garantir a execução da política de defesa do consumidor com o objetivo de assegurar um elevado nível de proteção ao mesmo, por via do Fundo do Consumidor;
  • medidas de apoio financeiro a micro e pequenas empresas de comércio, serviços e restauração que sejam particularmente afetadas pelo aumento dos custos de funcionamento e da inflação e pela diminuição da procura, através da afetação parcial da receita ao Fundo de Modernização do Comércio para este efeito;
  • medidas de apoio à qualificação dos profissionais afetos a micro e pequenas empresas de comércio, serviços e restauração, para aumentar a resiliência destas empresas, através da afetação parcial da receita ao Fundo de Modernização do Comércio para este efeito.

 N) A NOVA CST ENERGIA, EM ESPECIAL

(i) A incidência subjetiva

48.

A incidência subjetiva da CST Energia acompanha o Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho, de 6 de outubro de 2022, e é aplicável aos sujeitos passivos de IRC residentes que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como aos sujeitos passivos de IRC não residentes com estabelecimento permanente em território português, que desenvolvem atividades nos seguintes setores:

  • petróleo bruto;
  • gás natural;
  • carvão; e
  • refinação.

Para este efeito, é proposto que se entenda que os sujeitos passivos desenvolvem atividades nos setores de petróleo bruto, do gás natural, do carvão e da refinação quando geram pelo menos 37,5 % do seu volume de negócios em atividades económicas dos setores da extração, mineração, refinação de petróleo ou fabricação de produtos de coqueria, consoante referido no Regulamento (CE) 1893/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho.

Noutro âmbito, é expressamente previsto que se considere que um sujeito passivo de IRC não residente possui um estabelecimento permanente em território português quando exerça, no todo ou em parte, a sua atividade através de uma instalação fixa localizada em território português e os lucros que lhe sejam imputáveis se encontrem sujeitos a IRC.

(ii) A incidência objetiva

49.

A CST Energia deverá ser aplicável aos lucros considerados excedentários nos períodos de tributação para efeitos do IRC que se iniciem nos anos de 2022 e 2023, em conformidade com o previsto no Regulamento (UE) 2022/1854.

Para este efeito,          é proposto que sejam considerados lucros excedentários a parte dos lucros tributáveis, dos períodos de tributação de 2022 e 2023, que excedam o correspondente a 20% de aumento em relação à média dos lucros tributáveis nos quatro períodos de tributação com início nos anos de 2018 a 2021, também em conformidade com o previsto no Regulamento (UE) 2022/1854.

Mas a Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª prevê, também, que, nos casos em que a média dos lucros tributáveis daqueles quatro períodos de tributação seja negativa, considera-se que essa média é igual a zero, incidindo a CST Energia sobre a totalidade do lucro tributável.

50.

Prevê-se, ainda, que no caso de sujeitos passivos aos quais seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, o lucro tributável relevante é o apurado por cada sujeito passivo na sua declaração de rendimentos.

51.

A proposta prevê, por último, regimes especiais aplicáveis aos casos de cisão e de fusão de sociedades.

Assim, no caso de se ter verificado uma operação de cisão durante os períodos de tributação relevantes, o lucro tributável a considerar, relativamente aos períodos anteriores à cisão, deve ser a parte proporcional, atento o valor de mercado dos patrimónios destacados, correspondente ao sujeito passivo cindido.

Por seu lado, no caso de se ter verificado uma operação de fusão durante os períodos de tributação relevantes, o lucro tributável a considerar, relativamente aos períodos anteriores à fusão, deve ser a soma algébrica dos lucros tributáveis correspondentes aos sujeitos passivos objeto de fusão.

(iii) A taxa aplicável

52.

Está previsto que a taxa da CST Energia seja de 33% e que recaia sobre os lucros considerados excedentários nos termos, já, indicados anteriormente.

O) A NOVA CST DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, EM ESPECIAL

(i) A incidência subjetiva

53.

De acordo com a Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª, a CST Distribuição Alimentar será aplicável aos sujeitos passivos de IRC residentes que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como aos sujeitos passivos de IRC não residentes com estabelecimento permanente em território português, que explorem estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados.

Prevê-se, igualmente, que, para efeitos da Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª entende-se por «Estabelecimento de comércio alimentar» o local no qual se exerce uma atividade de comércio enquadrada num dos códigos de atividade económica (CAE), a definir por portaria dos ministros das finanças e da economia, que compreenda o comércio a retalho alimentar ou com predominância de produtos alimentares, identificando-se, neste último caso, algum grau de subjetividade evitável e indesejado.

(ii) As isenções subjetivas

54.

A Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª prevê que fiquem isentos da CST Distribuição Alimentar os sujeitos passivos cuja atividade de comércio a retalho alimentar ou com predominância de produtos alimentares tenha, no período de tributação a que se refere a contribuição (2022 ou 2023), natureza acessória, o que se considera verificado quando não represente mais de 25 % do volume de negócios anual total.

(iii) As não sujeições

55.

Prevê-se que fiquem excluídos da CST Distribuição Alimentar os sujeitos passivos que se qualifiquem, no período de tributação da contribuição (2022 ou 2023), como micro ou pequena empresa, nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, na sua redação atual.

(iv) A incidência objetiva

56.

A CST Distribuição Alimentar deverá vir a ser aplicável aos lucros considerados excedentários nos períodos de tributação para efeitos do IRC que se iniciem nos anos de 2022 e 2023.

Para este efeito,          e à semelhança da TSE Energia, é proposto que sejam considerados lucros excedentários a parte dos lucros tributáveis, dos períodos de tributação de 2022 e 2023, que excedam o correspondente a 20% de aumento em relação à média dos lucros tributáveis nos quatro períodos de tributação com início nos anos de 2018 a 2021.

Também aqui se prevê que, nos casos em que a média dos lucros tributáveis daqueles quatro períodos de tributação, considera-se que essa média é igual a zero, incidindo a CST Distribuição Alimentar sobre a totalidade do lucro tributável dos anos de 2022 e 2023.

De igual forma, prevê-se, também, que, no caso de sujeitos passivos aos quais seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, o lucro tributável relevante seja o apurado por cada sujeito passivo na sua declaração de rendimentos.

57.

Também neste caso se preveem os mesmos regimes especiais aplicáveis aos casos de cisão e de fusão de sociedades.

Assim, no caso de se ter verificado uma operação de cisão durante os períodos de tributação relevantes, o lucro tributável a considerar, relativamente aos períodos anteriores à cisão, deve ser a parte proporcional, atento o valor de mercado dos patrimónios destacados, correspondente ao sujeito passivo cindido.

Por seu lado, no caso de se ter verificado uma operação de fusão durante os períodos de tributação relevantes, o lucro tributável a considerar, relativamente aos períodos anteriores à fusão, deve ser a soma algébrica dos lucros tributáveis correspondentes aos sujeitos passivos objeto de fusão.

(v) A taxa aplicável

58.

Está previsto que a taxa da CST Distribuição Alimentar seja de 33% e recaia sobre os lucros considerados excedentários apurados nos termos indicados no ponto anterior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

59.

Portugal propõe-se, pois, implementar, muito em breve, as duas referidas novas contribuições sobre os lucros ditos excedentários, não obstante o Primeiro-Ministro ter anteriormente declarado que a situação portuguesa não era comparável à de outros países devido à carga fiscal elevada sobre as empresas.

De facto, os principais setores de atividade que estão, agora, noutros países europeus, a ser sujeitos a impostos sobre lucros extraordinários ou inesperados encontram-se, já, em Portugal submetidos a algumas contribuições financeiras setoriais extraordinárias, com alguns anos, e que oneram a normal tributação sobre os lucros em sede de IRC, ainda que com base de incidência diversa.

60.

No caso do setor da energia, é já exigida em Portugal a contribuição extraordinária sobre o setor energético, desde 2014.

Por seu lado, o setor alimentar está, já, sujeito à taxa de segurança alimentar “mais”, desde 2012.

Mas, para além destes, existem, ainda, em Portugal, a contribuição sobre o setor bancário, desde 2011, o adicional de solidariedade sobre o setor bancário, desde 2020, a contribuição extraordinária sobre a indústria farmacêutica, desde 2015, ou a contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do serviço nacional de saúde, desde 2021.

E em vias de criação está, ainda, agora (de novo) e para 2023, uma contribuição especial para a conservação dos recursos florestais.

Não é possível saber, porém, qual a concreta receita gerada por cada uma destas contribuições, já que não se encontram devidamente discriminadas na Lei do Orçamento do Estado, o que viola, por seu lado, portanto, normas e princípios constitucionais e de orçamentação das receitas públicas, com consequências que os Tribunais não têm tido, ainda, a coragem de assumir (neste sentido Maria de Oliveira Martins, Jornal Expresso).

61.

Ora, todas estas “contribuições” acrescem, como referido, à normal tributação sobre os lucros, em sede de IRC, a que as empresas portuguesas que atuam nestes setores estão, também, submetidas, nomeadamente do setor energético e do setor alimentar.

A verdade é que parece ser possível identificar coincidência de objetivos pretendidos pela CESE e pela CST Energia, tendo presente os critérios de afetação da receita apontados na Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª e que a CESE visa, designadamente, o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético.

E aqui, como se viu, o Regulamento parece não permitir a coexistência de múltiplas contribuições, se forem equivalentes nos seus objetivos e gerarem receita de valor comparável ou superior.

Por seu lado, e apesar da CST Distribuição Alimentar não estar abrangida pelo Regulamento (EU) 2022/1854 do Conselho, identificam-se, também aqui, potenciais coincidências nos objetivos a prosseguir relacionados com a defesa dos consumidores.

Mas, o certo é, também, que, em Portugal, o imposto (“normal”) sobre os lucros, o IRC, neste momento, já incide (mais do que proporcionalmente) sobre lucros “excessivos” ou, como lhes chama, agora, a Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª, “excedentários”, na justa medida em que há a acrescer-lhe uma derrama estadual que implica taxas adicionais (à taxa normal de 21%), de 3%, de 7% e de 9%, consoante o “escalão”, a que acresce, em alguns municípios, a derrama municipal, até 1,5% - o que sobe a taxa global do imposto para (em termos “grosseiros”) 31,5%, a final (tornando-o progressivo).

62.

É possível identificar, porém, alguns outros constrangimentos para a concretização destes novos impostos sobre os lucros em Portugal.

Desde logo, haverá que ter presente e acautelar o princípio da igualdade, o que exigirá uma justificação, pública e objetiva, para taxar, de novo, determinadas empresas (e não taxar as demais). Aliás, esta questão é especialmente pertinente quando existem outros setores económicos que obtiveram e continuam a obter lucros (também eles) extraordinários ou inesperados, como sucede, atualmente, com o setor do armamento e da defesa, ou como sucedeu (e poderá vir a suceder, de novo, no inverno…) com o setor da saúde, especialmente o relativo a produtos de proteção e desinfeção (contra a COVID), o que, como veremos, justificará questões de outra natureza, relativas às ajudas do estado.

63.

Esta justificação, pública e objetiva, que se impõe, poderá, porém, estar facilitada quando o imposto é temporário, de natureza extraordinária e solidária e quando é introduzido por um Regulamento Europeu. Mas a verdade é que, analisada a Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª não se identificam razões objetivas para comprimir o princípio da igualdade da tributação, especialmente no que se refere ao setor alimentar, relativamente ao qual, aliás, a Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª se implica “num esforço de solidariedade adicional”, possivelmente referindo-se, mesmo, à taxa de segurança alimentar “mais”.

64.

Além disso, a verdade é que, em Portugal, como é bem de ver, os impostos extraordinários tendem a perpetuar-se, como sucede precisamente com as outras contribuições financeiras sectoriais, como a própria CESE e essa taxa de segurança alimentar “mais”.

Há, por isso, o fundado receio que este possa vir a ser, também, o caso destes novos impostos – à semelhança, aliás, do que se vê, já, em Itália e em Inglaterra, onde, como se viu, os prazos de aplicação dos windfall taxes foram, já, alargados para 2023 e 2028, respetivamente.

65.

Haverá, igualmente, que se ter presente a necessidade de harmonização da nova CST Energia com a legislação europeia, nomeadamente a Diretiva Tributação da Energia, o que poderá, também, não ser simples.

66.

Tal como haverá, ainda, questões de auxílios do Estado, que a própria Comissão Europeia já ressalvou e que devem ser salvaguardadas. E não só porque há empresas que podem sair “beneficiadas” por não estarem sujeitas aos novos tributos, enquanto outras ficarão submetidas à nova contribuição, mas, também, porque os próprios auxílios do Estado podem revelar-se algo perversos ao transferir empresas “beneficiárias” para o âmbito de aplicação destes novos impostos sobre lucros extraordinários ou inesperados sendo. neste âmbito, a Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª absolutamente omissa.

67.

O certo é que a revisão constitucional de 1997, de alguma forma, passou a prever este terceiro género de tributos – as contribuições financeiras sectoriais – e a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que estes novos “impostos” não estão, afinal, sujeitos aos princípios e regras geralmente aplicáveis aos (outros) impostos, mesmo que tenham a natureza de prestações coativas e sejam unilaterais.

Não obstante, já o Professor Sousa Franco ensinava, nas décadas de 60 a 90, que este tipo de contribuições – então chamadas “parafiscais” – podiam ter regime e natureza distintos dos dos impostos. No entanto, quando tais tributos (ditos parafiscais) assumissem a natureza de (verdadeiros) impostos e fossem, assim, prestações coativas e unilaterais, estariam sujeitos às mesmas regras – se impostos, às regras dos impostos, se taxas, às regras das taxas (ou no mais que fossem) –, mas sem que se admitisse um tertium genus, ora excluído das garantias constitucionais tipicamente inerentes aos impostos e conquistadas ao longo de décadas.

A nova doutrina e a nova jurisprudência, (pós 1997) têm, portanto, libertado o legislador destes constrangimentos. Mas nada garante, também, que assim continuem, especialmente se estivermos perante contribuições (impostos) que são aplicáveis a sectores que já estão, presentemente, sujeitos a outras contribuições, financeiras, sectoriais, ou outras, ditas, também elas, temporárias, excecionais e extraordinárias.

Mais ainda, a própria Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª trata estas novas contribuições como verdadeiros impostos sobre os lucros, quer na sua natureza, como na sua forma de liquidação.

68.

De igual modo, a Constituição não permite a criação de impostos retroativos, como sucede, visivelmente, neste mesmo caso, em alguns outros países europeus (vg. Itália), onde os impostos sobre tais lucros, extraordinários, inesperados, estão a apresentar natureza retroativa.

E o certo é que, da análise do Regulamento e, agora, desta Proposta de Lei, identificam-se, também neste campo, dificuldades, várias, já que a contribuição terá por base, também, margens apuradas pelas empresas antes da perspetivada entrada em vigor das novas contribuições em causa.

69.

Por outro lado, o Tribunal Constitucional vem entendendo que «o legislador da revisão constitucional de 1997 (…) apenas pretendeu consagrar a proibição da retroatividade autêntica, ou própria, da lei fiscal, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente».

Ora, neste particular, o Tribunal Constitucional tem entendido que quando estão em causa impostos (complexos e) de formação sucessiva (como é o caso do IRC), o facto tributário só se verifica no final do ano, pelo que a aplicação desde 1 de janeiro deste ano - e, portanto, a lucro já auferido -, pode não apresentar, à partida, problemas de retroatividade autêntica ou inautêntica, mas, quando muito, de mera retrospetividade, que tem sido admitida pelo Tribunal Constitucional, a não ser que viole, de forma flagrante, o princípio Constitucional da segurança.

70.

Haverá que definir, por último, muito precisa e objetivamente, em que termos é que se pode considerar tal lucro como “excessivo”, para justificar tal tributação “extraordinária”, o que o regulamento e a Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª já promovem por referência aos anos de 2018 a 2021.

Neste âmbito, apresenta-se, porém, muito discutível, que nos casos em que a média dos lucros tributáveis relativa aos quatro períodos de tributação for negativa – i.é, em que os sujeitos passivos tenham apresentado prejuízos –, se considere que a média, para apuramento dos lucros excedentários, é igual a zero, incidindo a contribuição sobre a totalidade do lucro tributável referente aos períodos de tributação com início em 2022 e 2023.

Isto significa que estes sujeitos passivos poderão ficar sujeitos a uma tributação dos lucros superior a 60%, a que acresce a taxa de IRS de 28%, em caso de distribuição aos sócios.

Assim, certamente se suscitarão, ainda, questões sobre os limites da criação, pelos governos, de impostos e novas contribuições, mormente sobre determinados setores de atividade, já que, em abstrato, o Estado poderá criar tantos e tão sucessivos tributos que tal resulta numa tributação verdadeiramente confiscatória.

71.

Tal qual se encontram estruturadas estas, novas, contribuições de solidariedade, previstas na Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª, parece, pois, que se virá a estar perante (mais uma) situação suscetível de aumentar a litigância fiscal, o que pode determinar, mesmo, que o Estado venha a ser obrigado, pelos Tribunais, a devolver aos contribuintes o valor destas, novas, contribuições.

72.

Certo é que, como ensina Friedman, a inflação é a única forma de o estado aumentar os impostos sem a intervenção do legislador. Mas, na verdade, o Estado (Português e outros) está, também, a obter receitas adicionais “excessivas” em função dessa inflação: as mesmas taxas de imposto sobre valores superiores, porque inflacionados, resultam em (muito) mais receita de imposto.

E tal como nos ensina já, também, em França Philippe Bullet, os governos deveriam ser constitucionalmente obrigados a promover a indexação da inflação anual aos impostos, nomeadamente no que respeita às deduções e aos escalões, e quer em sede de IRS, como de IRC, parecendo insuficiente o que, neste aspeto, é previsto na proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2023 (OE 2023).

73.

Por outro lado, e de acordo com as declarações do ministro do Ambiente e da Ação Climática, confirmadas na proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2023 (OE 2023), não está previsto que o Governo altere a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE). Ou seja, ambas as contribuições vigorarão, ao que parece, em simultâneo e não são dedutíveis, nem entre si, nem no IRC. O ministro do Ambiente adiantou, mesmo, que "não há substituição de taxas, temos de ver como todos estes dois impostos combinam" – remetendo para o Ministério das Finanças –, mas a verdade é que a Proposta de Lei n.º 47/XV/1.ª não faz qualquer referência, nem à CESE, nem à taxa de segurança alimentar “mais”

74.

Neste âmbito, é de salientar que, se é verdade que o Regulamento (UE) 2022/1854 do Conselho prevê, expressamente que a nova contribuição acresce aos impostos e taxas normais aplicáveis em conformidade com o direito de um Estado-Membro, prevê, também, que assim poderá não ser no caso em que, como se viu, os Estados-Membros aplicam, já, contribuições equivalentes.

Restava saber o que, para este efeito, o Governo iria entender por “impostos e taxas normais”, e se aqui enquadraria as contribuições financeiras setoriais extraordinárias, como a CESE, já que esta é, alegadamente, extraordinária e temporária (e não “normal”). E parece, mesmo, que o Governo pretende que os sujeitos passivos do sector da energia e do setor alimentar estejam sujeitos, simultaneamente, à CESE e à taxa de segurança alimentar “mais” e, bem assim, às novas contribuições de solidariedade temporária.

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Sob este tema e os seus problemas poderão ver também, de partida, o podcast Money Money Money em Expresso | Portugal precisa de windfall taxes?

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Lisboa, 25 de novembro de 2022

Rogério M. Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Pedro José Santos
João Mário Costa
Rita Lima de Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes

Patrícia da Conceição Duarte

(Tax litigation team)

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