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Súmula de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (2.º trimestre de 2022)

11 January 2023
Súmula de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (2.º trimestre de 2022)
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Súmula de jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (2.º trimestre de 2022)

11 January 2023

SUMÁRIO

Pretende-se, com a presente Informação Fiscal, apresentar uma síntese Trimestral dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) relacionados com o domínio da Fiscalidade, analisando, caso a caso, o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, do ponto de vista nacional.

1.
NÚMERO DO PROCESSO: C-342/21
NOME: A SCPI v. Veronsaajien oikeudenvalvontayksikkö
DATA:7 de abril de 2022

ASSUNTO:

Reenvio prejudicial — Fiscalidade — Artigos 63.º e 65.º TFUE — Livre circulação de capitais — Restrições — Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas — Isenção dos fundos de investimento — Requisitos para isenção — Requisito relativo à forma contratual do fundo

FACTOS

A SCPI é uma sociedade de investimento imobiliário de capital variável constituída em França que investiu, no âmbito da sua atividade, em bens imobiliários na zona euro que foram posteriormente arrendados a empresas.

Nessa medida, a referida sociedade é considerada, naquele Estado, como entidade transparente para efeitos fiscais, não se encontrando sujeita a imposto sobre o rendimento, cabendo aos seus investidores liquidar o imposto sobre o rendimento obtido em relação às unidades de participação da sociedade.

Neste âmbito, a sociedade planeava adquirir ações de duas sociedades anónimas imobiliárias mútuas na Finlândia, que eram proprietárias de edifícios comerciais naquele Estado-membro, pretendendo arrendá-los posteriormente pelo período mínimo de cinco anos.

Por forma a aferir se os rendimentos e os lucros obtidos com aqueles investimentos seriam tributáveis na Finlândia, a sociedade apresentou à Administração tributária finlandesa um pedido de informação vinculativa relativamente aos exercícios fiscais de 2019 e 2020.

Nesse âmbito, as autoridades fiscais finlandesas entenderam que a sociedade francesa estaria isenta de impostos para o exercício de 2019, por ser considerada comparável a um fundo de investimento finlandês, embora tenham considerado que os lucros obtidos no exercício de 2020 seriam tributados, em virtude de uma alteração legislativa nacional.

Os serviços da Administração tributária finlandesa consideraram que, atendendo à inexistência de harmonização a nível da União das formas que os organismos de investimento coletivo podem revestir e das regras que regem a tributação dos respetivos rendimentos, as medidas nacionais que regem a tributação dos organismos de investimento coletivo, bem como as formas, os modos de funcionamento ou as atividades destes organismos, podem variar de um Estado‑Membro para outro.

Neste sentido, e para efeitos do exercício de 2020, a Administração tributária considerou que a sociedade francesa não preenche os requisitos previstos na disposição legal atualizada da Lei do Imposto sobre o Rendimento finlandês, que permite beneficiar da isenção do imposto sobre o rendimento e, bem assim, que passou a prever que só os fundos constituídos ao abrigo de um contrato podem beneficiar daquela isenção.

Não se conformando com o sentido de decisão das autoridades fiscais finlandesas, a sociedade francesa interpôs recurso da informação vinculativa para o Tribunal Administrativo de Helsínquia (órgão jurisdicional de reenvio) por ter sido recusado reconhecer que aquela sociedade podia beneficiar da isenção dos rendimentos provenientes de bens imóveis com origem finlandesa no decurso do exercício fiscal de 2020.

Em face do exposto, o órgão jurisdicional de reenvio questionou o Tribunal de Justiça da União Europeia se a liberdade de estabelecimento e a livre circulação de capitais, previstos no Tratado de Funcionamento da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que fundos de investimentos estrangeiros que não tenham sido constituídos por contrato atendendo à sua forma jurídica estejam sujeitos a retenção do imposto na fonte na Finlândia, ainda que entre a sua situação e a situação dos fundos de investimento finlandeses não haja outra diferença objetiva significativa.

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL 

O Tribunal de Justiça começou por confirmar, em conformidade com a jurisprudência europeia, que existe uma restrição à livre circulação de capitais (que pode determinar possíveis restrições à liberdade de estabelecimento) se a medida nacional desencorajar os não residentes de investir num Estado-membro ou desencorajar os residentes desse Estado-membro de o fazer noutros Estados-membros.

O Tribunal salientou, ainda, que uma legislação nacional que é indistintamente aplicável aos operadores residentes e aos operadores não residentes, pode ser constitutiva de uma restrição à livre circulação de capitais, porquanto a jurisprudência do Tribunal de Justiça já determinou que mesmo uma diferenciação que assente em critérios objetivos pode, de facto, desfavorecer as situações transfronteiriças.

No entanto, conforme salientou o advogado‑geral nas suas conclusões, quando um Estado‑membro preveja um benefício fiscal a favor de certos organismos de investimento coletivo, os requisitos ao abrigo dos quais este benefício é concedido não devem constituir uma restrição à livre circulação de capitais.

Assim, considerou o Tribunal de Justiça que a livre circulação de capitais ficaria privada dos seus efeitos se um organismo de investimento coletivo não residente, constituído ao abrigo da forma jurídica autorizada ou exigida pela legislação de um Estado‑membro no qual está estabelecido e opera ao abrigo da referida legislação (França), não pudesse usufruir de um benefício fiscal noutro Estado‑membro no qual investe (Finlândia), apenas pelo facto de a sua forma jurídica não corresponder à forma jurídica exigida para os organismos de investimento coletivo neste último Estado‑Membro.

O Tribunal de Justiça concluiu ainda que a lei finlandesa permite que os organismos de investimento coletivo estabelecidos na Finlândia possam adotar a forma jurídica que lhes permite beneficiar da isenção, ao passo que os organismos de investimento coletivo não residentes se encontram sujeitos aos requisitos exigidos pela legislação do Estado‑membro em que estão estabelecidos.

Em paralelo, e atendendo a que uma restrição à livre circulação de capitais pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral, o Governo finlandês suscitou como razões imperiosas (i) a garantia da eficácia do controlo fiscal e da cobrança dos impostos e (ii) a necessidade de assegurar a coerência do regime fiscal.

Não obstante, o Tribunal de Justiça não se conformou com a primeira razão apresentada, porquanto a Administração tributária poderá sempre exigir ao contribuinte que apresente as provas que considere necessárias para apreciar se os requisitos para a concessão do benefício fiscal em questão estão preenchidos e, bem assim, para assegurar a eficácia dos controlos fiscais.

Por outro lado, e a respeito da necessidade de assegurar a coerência do regime fiscal, o Tribunal de Justiça confirmou que o Governo finlandês não demonstrou a existência de um nexo direto entre o benefício fiscal concedido aos fundos de investimento que revistam a forma contratual e a respetiva compensação do benefício através de uma determinada cobrança fiscal, justificando assim a exclusão dos organismos de investimento coletivo não residentes que revistam uma forma estatutária da possibilidade de beneficiar deste benefício.

DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal decidiu que as disposições do Tratado de Funcionamento da União Europeia relativas à liberdade de circulação de capitas devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que, ao prever que apenas os fundos de investimento que revistam a forma contratual possam beneficiar da isenção dos rendimentos provenientes de rendas e das mais‑valias obtidas com a cessão de imóveis ou de ações de sociedades proprietárias de imóveis, exclui que um fundo de investimento alternativo não residente que revista a forma estatutária beneficie desta isenção, embora este último, por beneficiar, no Estado‑Membro em que está estabelecido, de um regime de transparência fiscal, não esteja sujeito ao imposto sobre o rendimento neste último Estado‑Membro.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS 

A presente decisão contribui para clarificar o alcance dos princípios relativos à liberdade de estabelecimento e livre circulação de capitais e suas restrições.

2.
NÚMERO DO PROCESSO: C‑146/21
NOME:  Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Bucureşti — Administraţia Sector 1 a Finanţelor Publice contra VB, Direcţia Generalā Regionalā a Finanţelor Publice Bucureşti — Serviciul Soluţionare Contestaţii 1,
DATA: 30 de junho de 2022

ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Decisões de Execução 2010/583/UE e 2013/676/UE que autorizam a Roménia a derrogar o artigo 193.o da referida diretiva — Mecanismo de autoliquidação — Entregas de produtos de madeira — Regulamentação nacional que impõe um requisito de registo para efeitos de IVA para a aplicação do referido mecanismo — Princípio da neutralidade fiscal

FACTOS

VB é proprietária de terrenos florestais na Roménia tendo, durante os anos de 2011 a 2017, explorado aqueles terrenos com base em contratos de venda de material lenhoso em pé celebrados com várias sociedades especializadas na área da exploração florestal.

Na sequência de uma inspeção tributária, a Administração tributária competente constatou que o volume de negócios de VB em setembro de 2011 tinha ultrapassado o limiar estabelecido pelo ”regime especial de isenção” para as pequenas empresas previsto no Código Tributário.

Resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que quando um sujeito passivo, durante um ano civil, atinge ou ultrapassa esse limiar de isenção, é obrigado a registar‑se para efeitos de IVA no prazo de dez dias a contar do fim do mês em que atingiu ou ultrapassou esse limiar.

Ora, na sequência da referida inspeção tributária, foi elaborada nota de liquidação, com base na qual a VB ficou obrigada a pagar o valor de IVA em falta.

Inconformada, a VB apresentou reclamação da referida nota, alegando que as vendas de material lenhoso em pé estavam sujeitas ao mecanismo de autoliquidação, cuja aplicação está unicamente subordinada ao facto de os dois operadores em causa serem sujeitos passivos, mas não necessariamente à existência de um número de identificação para efeitos de IVA por parte do fornecedor.

Não obstante, e por decisão da Administração tributária competente, a reclamação da VB foi indeferida com o fundamento de que, para a aplicação do mecanismo de autoliquidação, é condição obrigatória que o fornecedor e o comprador estejam previamente registados para efeitos de IVA.

No âmbito do litigio então em curso, o Tribunal Regional de Bucareste deu provimento ao recurso interposto por VB com vista à anulação da nota de liquidação e da posterior decisão da Administração tributária.

A referida sentença foi posteriormente objeto de recurso, interposto no Tribunal de Recurso de Bucareste (órgão jurisdicional de reenvio), que identificou que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, o registo para efeitos de IVA constitui apenas uma exigência formal do direito a dedução do IVA e não pode, por conseguinte, constituir um requisito material que impeça um sujeito passivo de exercer o referido direito.

Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interrogou‑se relativamente à questão de saber se a jurisprudência do Tribunal de Justiça se opõe a que o registo para efeitos de IVA constitua um requisito para a aplicação do mecanismo de autoliquidação.

Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

A Diretiva [IVA] e o princípio da neutralidade, em circunstâncias como as do processo principal, opõemse a uma regulamentação nacional ou a uma prática tributária segundo as quais o mecanismo de autoliquidação (medidas de simplificação) previsto imperativamente para a venda de material lenhoso em pé — não é aplicável a uma pessoa submetida a uma inspeção e registada para efeitos de IVA posteriormente a essa inspeção, pelo facto de a pessoa inspecionada não ter solicitado e obtido o registo para efeitos de IVA antes de efetuar operações ou na data em que o limiar máximo [para efeitos de isenção desse imposto] foi ultrapassado?”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL

O Tribunal de Justiça da União Europeia começou por relembrar que o mecanismo de autoliquidação constitui uma exceção ao princípio segundo o qual o IVA é devido por sujeitos passivos que efetuem entregas de bens ou prestações de serviços tributáveis, e deve, por isso, ser objeto de interpretação estrita.

Nesta medida, e em conformidade com o mecanismo da autoliquidação, não há qualquer pagamento de imposto em sede de IVA entre o fornecedor e o adquirente de bens, sendo este último, no que toca às operações efetuadas, devedor do IVA a montante, podendo, em princípio, se for um sujeito passivo, deduzir este imposto de modo que, em tal caso, nenhum montante será devido à autoridade tributária.

Ora, no caso em apreço, a aplicação do mecanismo de autoliquidação está subordinada, por força da regulamentação romena no processo principal em causa, ao requisito de os sujeitos passivos abrangidos por aquele mecanismo estarem registados para efeitos de IVA antes da realização das operações tributáveis.

Conforme indicado pelo Tribunal de Justiça, não resulta da Diretiva IVA que, quando um Estado‑membro está autorizado a designar como pessoa responsável pelo pagamento do IVA o sujeito passivo destinatário da entrega de bens em causa, aplicando assim o mecanismo de autoliquidação a determinadas operações tributáveis, o legislador nacional desse Estado‑membro esteja impedido de determinar, aquando da aplicação dessa derrogação, condições de aplicação do referido mecanismo, desde que estas não violem o princípio da neutralidade fiscal.

Ora, a limitação prevista pela regulamentação nacional em causa no processo principal, ao sujeitar a aplicação do referido mecanismo ao requisito de os sujeitos passivos estarem previamente registados para efeitos de IVA, tem precisamente por efeito circunscrever o alcance dessa exceção.

Em paralelo, e contrariamente ao que VB e a Comissão invocaram nas suas observações escritas, o Tribunal de Justiça considerou que a regulamentação nacional em causa não é contrária à jurisprudência daquele Tribunal segundo a qual o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto a montante seja concedida se as exigências materiais estiverem satisfeitas, mesmo que os sujeitos passivos tenham omitido certas exigências formais.

De facto, a recusa de aplicação do mecanismo de autoliquidação não viola o direito à dedução do IVA pago a montante pelo beneficiário da prestação em causa nem, deste modo, o princípio da neutralidade fiscal, alicerçado na exigência de que a dedução do IVA pago a montante possa ser efetuada pelo sujeito passivo se as exigências materiais dessa dedução estiverem satisfeitas, mesmo que esse sujeito passivo tenha omitido certas exigências formais.

Conforme observou o Tribunal de Justiça, e por forma a prosseguir os objetivos da segurança e clareza jurídicos, o critério que justifica a limitação da aplicação do mecanismo de autoliquidação no caso concreto reveste um caráter objetivo, na medida em que a regulamentação nacional em causa no processo principal obriga indistintamente todos os sujeitos passivos, vendedores ou compradores, a registarem‑se para efeitos de IVA.

Em face do exposto, e conforme entendido pelo Tribunal de Justiça, a diferença de tratamento afigura‑se proporcionada ao objetivo prosseguido pela regulamentação romena, na medida em que, por um lado, o registo para efeitos de IVA decorre do próprio Direito da União, e, por outro, o direito à dedução dos sujeitos passivos em causa não é, em princípio, colocado em causa.

DECISÃO

Em face do exposto, o Tribunal decidiu que a Diretiva IVA e, bem assim, o princípio da neutralidade fiscal não se opõem a uma regulamentação nacional segundo a qual o mecanismo de autoliquidação não é aplicável a um sujeito passivo que não tinha solicitado nem obtido oficiosamente, antes da realização das transações tributáveis, o seu registo para efeitos de IVA.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS 

A presente decisão contribui para clarificar as circunstâncias inerentes à aplicação do mecanismo de autoliquidação de IVA.

Lisboa, 11 de janeiro de 2023

Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob
Joana Fidalgo Barreiro
(Advisory Tax Team)

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