SUMÁRIO
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 30 de janeiro de 2019, no âmbito do Processo 01576/15.3BELRS 0700/18, veio clarificar a interpretação que deve ser dada à legislação em matéria de prazos quando a notificação seja feita a cidadão comunitário com residência no estrangeiro, mais concretamente nos Estados Membros da União Europeia.
O ACÓRDÃO DO STA
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 30 de janeiro de 2019, no âmbito do Processo 01576/15.3BELRS 0700/18, veio clarificar a interpretação que deve ser dada à legislação em matéria de prazos quando a notificação seja feita a cidadão comunitário com residência no estrangeiro, mais concretamente nos Estados-Membros da UE.
Analisaremos o entendimento do Tribunal com o objetivo de realçar o procedimento que se deve ter em consideração em situação de notificação a cidadãos comunitários residentes noutros Estados-Membros da União Europeia, nomeadamente atendendo à aplicação de dilação ao prazo em causa.
AS NOTIFICAÇÕES A CIDADÃOS RESIDENTES NO ESTRANGEIRO
A da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”) na redação que lhe foi introduzida pelo art.º 149.º da Lei 64-B/2011, estabeleceu como meramente facultativa a designação de representante fiscal em relação a não residentes de outros Estados-Membros ou a residentes que se ausentem para Estados-Membros da EU, pelo que, no caso destes contribuintes, a notificação será, obrigatoriamente, realizada na sua morada no Estado Membro da residência, conforme decorre do Decreto-Lei n.º 263/2012 de 20 de Dezembro, e que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva n.º 2010/24/UE, do Conselho, de 16 de Março de 2010, relativa à assistência mútua em matéria de cobrança de créditos respeitantes a impostos, direitos e outras medidas.
A notificação de um ato de liquidação oficiosa de IRS dá a conhecer ao contribuinte o ato de liquidação, o qual é suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos, por isso, impugnável ou recorrível nos termos da LGT.
O acesso à justiça tributária para a tutela plena e efetiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos deve observar as formalidades legais necessárias para garantir o acesso a uma tutela jurisdicional efetiva.
Nos termos do disposto Código de Processo e Procedimento Tributário (adiante “CPPT”) a notificação do ato de liquidação oficiosa é efetuada por carta registada uma vez que tem por objeto atos e/ou decisão suscetível de alterar a situação tributária do contribuinte.
Nos termos da lei, existe sempre uma dilação temporal entre o momento em que é realizada a notificação e o momento em que se considera o contribuinte efetivamente notificado. A dilação do prazo não é uma moratória, ou prorrogação de prazo, mas período dentro do qual o prazo fixado na lei não começa a correr, permitindo ao contribuinte organizar o seu modo de reação ao ato de liquidação de que tomou conhecimento, mitigando a maior dificuldade com que se defrontará, no caso concreto, num outro país distante, para conhecer e fazer valer os seus direitos.
A dilação é conferida para que a distância do território nacional não dificulte, de modo intolerável ou não aniquile a tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos contribuintes, ausentes do espaço nacional, garantindo mais tempo para superar a dificuldade criada por essa distância que os cidadãos residentes em território nacional não experimentam.
A questão objeto de recurso no Acórdão acima citado cinge-se ao prazo para deduzir impugnação judicial de um cidadão francês e residente em França, sendo necessário, para o efeito da contagem desse prazo, saber qual a dilação aplicável.
Em regra, o prazo para deduzir impugnação do ato de liquidação contabiliza-se nos termos do CPPT, onde se estabelece que a impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributária legalmente notificadas ao contribuinte.
No caso em apreço, o prazo de pagamento voluntário era de 30 dias após a notificação, pelo que, torna-se necessário aferir qual a data de início da contagem do prazo de pagamento voluntário, sendo que tal prazo só se inicia após a dilação entre o momento da notificação e o momento em que o contribuinte se considera notificado.
Nem a LGT, nem o CPPT contêm norma específica sobre a matéria de dilação no caso de notificação a residente noutro Estado Membro da União Europeia, arredando-a do procedimento tributário ou impondo uma especial dilação para este tipo de procedimentos.
A ausência de regulamentação nesta matéria que é considerada pelo legislador ao nível do processo civil, penal, laboral e administrativo permite concluir estarmos perante uma lacuna no ramo do Direito Fiscal que deve ser preenchida por recurso às regras gerais do procedimento administrativo, designadamente, a prevista no art.º 88, n.º 1, al. b) do Código do Procedimento Administrativo, doravante “CPA”.
Assim, no caso em análise pelo Tribunal, este determinou que o prazo para deduzir impugnação do ato de liquidação de IRS apenas se inicia 45 dias (15 dias de dilação + 30 dias para pagamento voluntário do tributo) após o registo postal do envio da notificação.
Em conclusão, na situação de notificação de contribuinte residente em outro Estado Membro da União Europeia, a dilação aplicável entre o momento do registo postal da notificação e o momento em que o contribuinte se considera notificado será de 15 dias, nos termos e para os efeitos do CPA.
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Lisboa, 28 de abril de 2023
Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
João Mário Costa
Rita Sousa
José Pedro Barros
Carolina Mendes
Patrícia Duarte
Álvaro Marques
Inês Reigoto
(Tax litigation team)