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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1º Trimestre de 2025)

06 Maio 2025
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1º Trimestre de 2025)
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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (1º Trimestre de 2025)

06 Maio 2025

Pretende-se, com a presente Informação Fiscal, apresentar uma síntese Trimestral dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) relacionados com o domínio da Fiscalidade, analisando, caso a caso, o impacto e o contributo que tais decisões poderão vir a ter, do ponto de vista nacional.

1.

NÚMERO DO PROCESSO: C 277/24

NOME: M. B. contra Dyrektor lzby Administracji Skarbowej w Warszawie

DATA: 27 de fevereiro de 2025

ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 273.o — Medidas destinadas a garantir a cobrança exata do IVA — Dívida de IVA de um sujeito passivo — Regulamentação nacional que prevê a responsabilidade solidária do antigo presidente do conselho de administração do sujeito passivo — Participação do antigo presidente do conselho de administração no procedimento que declara a existência de uma dívida de IVA — Procedimento de apuramento da responsabilidade solidária — Impugnação da dívida de IVA — Direitos de defesa — Proporcionalidade

FACTOS

M. B. foi presidente do conselho de administração da Sociedade B. sp z o.o. (Sociedade B) entre 2014 e 2018, tendo esta entidade sido objeto de um procedimento de inspeção tributária conduzido pelo chefe da Repartição de Finanças de Wrocław Stare Miasto, Polónia (NUS), por referência às declarações de IVA relativas aos períodos compreendidos entre junho e outubro de 2016.

Em agosto de 2022, M. B. solicitou ao NUS a obtenção da qualidade de parte no procedimento de inspeção tributário em causa e, bem assim, o respetivo acesso ao processo, tendo o NUS, por seu turno, indeferido o referido pedido.

Na sequência de uma reclamação apresentada por M. B., o diretor do Serviço da Autoridade Tributária de Wrocław, Polónia (DIAS), por Despacho de 27 de outubro de 2022, anulou na íntegra o Despacho do NUS, considerando ainda que não existia nenhuma base jurídica em que o NUS pudesse ter baseado o seu despacho para eventualmente conceder, ou não, a qualidade de parte num procedimento em curso, mediante despacho ou qualquer outro ato.

No seguimento do Despacho do DIAS, M.B. interpôs recurso, em dezembro de 2022, no Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo do Voivodato de Wrocław), que é o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo a sua anulação.

Entre os vários argumentos apresentados, M.B. identificou que, uma vez que era o único membro do conselho de administração da Sociedade B no período objeto do procedimento tributário em causa, possuía o melhor conhecimento da atividade da referida sociedade.

Por outro lado, precisou M.B. que o seu pedido de concessão da qualidade de parte no referido procedimento tributário se justifica pelo facto de eventuais dívidas da sociedade B a afetarem enquanto pessoa singular.

Neste enquadramento, o órgão jurisdicional de reenvio começou por referir, ab initio, que o apuramento da responsabilidade solidária de terceiros, como um membro ou um antigo membro do conselho de administração de uma sociedade, resulta de dois procedimentos distintos para efeitos da lei tributária polaca: (i) um procedimento destinado a definir o montante da dívida fiscal (procedimento de tributação), no qual só é parte o sujeito passivo do imposto em causa nesse procedimento, e (ii) uma ação de responsabilidade solidária de terceiros (procedimento de responsabilidade solidária), quando o sujeito passivo cuja dívida fiscal foi declarada no termo do procedimento de tributação não cumpre as suas obrigações fiscais e na qual um terceiro pode fazer parte.

Em face do exposto, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu suspender a instância para submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça que, após reformulada por este último Tribunal, perguntava, em substância, “(…) se o artigo 273.o da Diretiva IVA, em conjugação com o artigo 325.o, n.o 1, TFUE, os direitos de defesa e o princípio da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação e a uma prática nacionais segundo as quais um terceiro, que pode vir a ser considerado solidariamente responsável pela dívida fiscal de uma pessoa coletiva, não pode ser parte no procedimento de tributação tramitado contra essa pessoa para determinar a sua dívida fiscal, e não lhe é concedido um meio adequado para contestar as conclusões e apreciações quanto à existência ou ao montante da referida dívida fiscal no âmbito do procedimento de responsabilidade solidária.”

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Para dar resposta ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça partiu para a consideração das disposições legais previstas na Diretiva IVA e no Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), que fazem impender, sobre os Estados Membros, a obrigação de tomarem todas as medidas legislativas e administrativas necessárias para garantir a cobrança da totalidade do IVA devido e promover o combate à fraude.

Em paralelo, o Tribunal de Justiça recordou ainda que, nos termos da jurisprudência comunitária, o respeito dos direitos de defesa constitui um princípio geral do Direito da União, no âmbito do qual os destinatários de decisões que afetem os seus interesses devem ter a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre os elementos nos quais a Administração tributária tenciona basear se.

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça concluiu que a fiscalização do respeito dos direitos de defesa, no âmbito de procedimentos administrativos conexos, deve compreender, igualmente, o princípio da segurança jurídica, enquanto princípio geral do Direito da União

Ora, uma vez que o caráter definitivo de uma decisão administrativa contribui para a segurança jurídica, em princípio, o Direito da União não exige que um órgão seja obrigado a revogar uma decisão administrativa que já adquiriu esse caráter definitivo, pese embora essa decisão não possa justificar, naturalmente, a violação da própria substância dos direitos de defesa.

Assim, considerou o Tribunal de Justiça que não se pode admitir que, devido ao caráter definitivo das decisões tomadas no termo de procedimentos administrativos conexos, uma Administração tributária seja dispensada de dar a conhecer ao sujeito passivo os elementos de prova, incluindo os provenientes desses procedimentos, com base nos quais pretende tomar uma decisão.

Vertendo ao caso em análise, e conforme constatado pelo órgão jurisdicional de reenvio, o procedimento de responsabilidade solidária não parece permitir pôr em causa o montante da dívida, porquanto o seu objeto se afigura limitado a determinar se estão preenchidos os requisitos para que a dívida fiscal previamente declarada no termo do procedimento de tributação possa ser reclamada a um terceiro.

Neste pressuposto, e nos termos do princípio da proporcionalidade, decidiu o Tribunal de Justiça que recusar a um terceiro, que pode vir a ser considerado solidariamente responsável pela dívida tributária de uma pessoa coletiva, o direito de participar no procedimento de tributação instaurado contra esta última entidade não vai, ainda assim, além do necessário para preservar o mais eficazmente possível os direitos da Administração tributária.

DECISÃO

O Tribunal de Justiça decidiu que a Diretiva IVA, em conjugação com o TFUE, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma regulamentação e a uma prática nacionais segundo as quais um terceiro que pode vir a ser considerado solidariamente responsável pela dívida fiscal de uma pessoa coletiva não pode ser parte no procedimento de tributação instaurado contra esta última para determinar a sua dívida fiscal, sem prejuízo da necessidade de esse terceiro, no decurso do procedimento de responsabilidade solidária eventualmente instaurado contra si, poder pôr utilmente em causa as constatações de facto e as qualificações jurídicas efetuadas pela Administração tributária no âmbito do procedimento de tributação, e ter acesso ao respetivo processo, no respeito dos direitos da referida pessoa ou de outros terceiros.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar as regras respeitantes à legitimidade processual, designadamente a possibilidade de membros do conselho de administração poderem contestar procedimentos tributários nos quais não tenham participado.

2.

NÚMERO DO PROCESSO: C 640/23

NOME: Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Galaţi — Administraţia Judeţeană a Finanţelor Publice Vrancea, Direcţia Generală de Administrare a Marilor Contribuabili contra Greentech SA

DATA: 13 de março de 2025

ASSUNTO: Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Operação de venda requalificada, pelas autoridades tributárias, de transmissão de empresa não abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA — Não retificação da fatura no prazo de caducidade — Impossibilidade de recuperação do IVA pago a título da referida operação — Princípios da efetividade e da neutralidade fiscal — Reembolso do imposto

FACTOS

Entre novembro de 2015 e julho de 2016, a Greentech SA (Greentech) foi objeto de uma inspeção tributária que conduziu à emissão de liquidações adicionais de IVA e custos acessórios no montante de aproximadamente 882.352 euros.

As referidas liquidações adicionais resultavam da requalificação, pela Administração tributária romena, da operação de venda de equipamentos da Greenfiber International SA (Greenfiber) à Greentech, inicialmente considerada como uma entrega de bens sujeita a IVA que dava, à Greentech, o direito de deduzir o imposto pago a montante.

No âmbito daquelas liquidações, a Administração tributária viria a entender que a transmissão de parte de uma universalidade de bens entre duas sociedades coligadas é uma operação não sujeita a IVA nos termos do Direito romeno.

Em sentido diverso, a Greenfiber foi igualmente objeto de uma inspeção tributária entre maio e novembro de 2015, no âmbito da qual resultou a emissão de um aviso de liquidação, tendo a Administração tributária romena considerado que a sujeição a IVA na operação de transmissão de bens era correta e, bem assim, que a Greenfiber tinha legitimamente cobrado e entregue o imposto.

Neste contexto, e após o indeferimento parcial da reclamação apresentada contra o aviso de liquidação relativo às liquidações adicionais de IVA que lhe tinham sido exigidas, a Greentech interpôs recurso no Curtea de Apel Ploiești (Tribunal de Recurso de Ploiești).

Após o provimento concedido ao recurso apresentado, que anulou parcialmente a decisão de indeferimento da reclamação, a Administração tributária romena viria a recorrer do Acórdão do Tribunal de Recurso de Ploiești, em março de 2019, para o Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça).

Por seu turno, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça admitiu o referido recurso, em novembro de 2021, tendo anulado parcialmente o Acórdão do Tribunal de Recurso de Ploiești e, proferindo nova decisão, deu provimento parcial aos recursos da Greentech apenas quanto às liquidações adicionais emitidas referentes a 2009, negando provimento ao recurso quanto ao restante peticionado.

Não conformada, a Greentech interpôs um recurso de revista daquele Acórdão, alegando que a decisão violava a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual o direito à dedução do IVA deve ser reconhecido mesmo nos casos em que as operações em causa não sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação daquele imposto, quando das circunstâncias particulares do caso concreto resulte ser impossível ou extremamente difícil ao sujeito passivo que pagou o IVA recuperá lo, uma vez que, caso contrário, seriam prejudicados os princípios da neutralidade do IVA e da efetividade.

Neste âmbito, o referido Tribunal Superior de Cassação e Justiça deu provimento ao referido recurso de revista e anulou parcialmente o Acórdão de novembro de 2021 no que concerne à requalificação da transação de venda de equipamentos de transmissão de bens, ordenando que fosse proferida nova decisão sobre este fundamento.

Para o efeito, o Tribunal Superior de Cassação e Justiça, enquanto órgão jurisdicional de reenvio, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

Os princípios da neutralidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, previstos nos artigos 2.o, 19.o e 168.o da [Diretiva IVA], lidos em conjugação com o artigo 203.o da [mesma], opõem se a que seja recusado o reconhecimento do direito a dedução do IVA pago a título de uma operação de venda, posteriormente requalificada pela Administração Tributária como transmissão de empresa não abrangida pelo âmbito de aplicação do IVA, se o IVA já tiver sido cobrado pelo Estado e, com base na legislação nacional, não se possa proceder ao seu reembolso?

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Numa primeira abordagem, o Tribunal de Justiça recordou que o direito a dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e que não pode, em princípio, ser limitado, garantindo, assim, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, sujeitas a IVA.

Conforme reconheceu o Tribunal de Justiça, a Administração Tributária romena qualificou definitivamente a operação que ocorreu entre a Greenfiber e a Greentech como não sujeita ao IVA, condicionando ao impedimento, da Greenfiber, em retificar a fatura a respeito daquela operação.

Face às circunstâncias do caso concreto, e recorrendo à jurisprudência comunitária, o Tribunal de Justiça demonstrou que respeita os princípios da neutralidade do IVA e da efetividade uma regulamentação nacional nos termos da qual, por um lado, o fornecedor que pagou erradamente o IVA à Administração tributária possa exigir o seu reembolso e, por outro, o destinatário dos serviços possa intentar uma ação cível para obter a repetição do indevido contra esse fornecedor.

Em face do exposto, e no caso sub judice, o Tribunal de Justiça sublinhou que, face à impossibilidade do vendedor em retificar a fatura relativa à operação em causa, o adquirente deve poder dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Administração tributária, mesmo na circunstância do imposto pago pela Greentech ao emitente da fatura, a Greenfiber, não ser “devido”.

DECISÃO

O Tribunal de Justiça decidiu que a Diretiva IVA deve ser interpretada no sentido de que não se opõem a uma regulamentação ou a uma prática administrativa nacional que não permite a um sujeito passivo obter a dedução do IVA pago a montante sobre uma operação que, na sequência de uma inspeção tributária, foi requalificada pela Administração Tributária de operação não sujeita ao IVA, ainda que se afigure impossível ou excessivamente difícil para esse sujeito passivo obter, da parte do vendedor, o reembolso do IVA assim indevidamente pago. Estes princípios exigem, todavia, em tal situação, que esse sujeito passivo possa dirigir o seu pedido de reembolso diretamente à Administração Tributária.

IMPLICAÇÕES NO DIREITO PORTUGUÊS

A presente decisão contribui para clarificar o alcance do direito à dedução, em sede de IVA, nos casos em que seja impossível ou excessivamente difícil para um sujeito passivo de imposto obter o reembolso do IVA indevidamente pago.

***

Rogério M. Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob
José Nuno Vilaça
Joana Fidalgo Barreiro

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