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Será a regra de exit tax o “calcanhar de Aquiles” do regime de tributação das stock options nas startups?

02 Junho 2025
Será a regra de exit tax o “calcanhar de Aquiles” do regime de tributação das stock options nas startups?
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Será a regra de exit tax o “calcanhar de Aquiles” do regime de tributação das stock options nas startups?

02 Junho 2025

A Lei n.º 21/2023, de 25 de maio introduziu um novo regime de tributação aplicável às stocks options constituídas por startups, estabelecendo, entre outras regras, o diferimento da tributação para o momento em que o trabalhador deixe de ser residente em território português. Será este o “calcanhar de Aquiles” deste regime fiscal?

ENQUADRAMENTO FACTUAL E PROBLEMÁTICA

Na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 21/2023, de 25 de maio, que estabelece o regime aplicável às startups e scaleups e que altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Estatuto dos Benefícios Fiscais e o Código Fiscal do Investimento, ocorrida a 26 de maio de 2023, passou a vigorar a regra de que, caso o trabalhador beneficiário de stock options ao abrigo desta legislação deixe de ser residente em Portugal é tributado nesse momento, estabelecendo, assim, uma regra de exit tax.

Ora, num quadro comunitário pautado, do ponto de vista económico, pela liberdade de circulação de pessoas e capitais, e, do ponto de vista fiscal, pela não discriminação em função da residência, o diferimento da tributação para o momento em que o trabalhador deixe de ser residente em território português levanta o véu das questões de desconformidade com o Direito da União Europeia.

A REGRA DO EXIT TAX PREVISTA PARA STOCK OPTIONS CONSTITUÍDOS POR START UPS

Em causa está a regra estabelecida na alínea b), do n.º 4, do artigo 43.º-C do Estatuto dos Benefícios Fiscais, segundo a qual “A tributação nos termos do presente artigo depende da manutenção dos direitos subjacentes aos títulos geradores dos ganhos ou dos direitos equivalentes, ainda que de natureza ideal, por um período mínimo de um ano, sendo os ganhos tributados no primeiro dos seguintes momentos: (…) Perda da qualidade de residente em território português, reportando-se ao momento do exercício da opção ou direito, sendo apurados nos termos do n.º 4 do artigo 24.º do Código do IRS;”.

Significa, pois, que, ainda que o trabalhador mantenha os valores mobiliários ou direitos equiparados na sua titularidade, sempre que deixe de ser residente fiscal em Portugal é tributado, sendo o ganho apurado pela diferença positiva entre o valor de mercado e o preço de exercício da opção ou direito, acrescido do que haja sido pago para aquisição dessa opção ou direito.

Importa ter em conta que, diferentemente, sempre que o trabalhador conserve a sua qualidade de residente fiscal, a tributação ocorre apenas em caso de alienação ou transmissão gratuita desses mesmos valores mobiliários ou direitos equiparados.

O legislador antecipa, assim, uma mais-valia meramente latente (isto é, que ainda não ocorreu), apenas em virtude da perda da qualidade de residente fiscal em território português.

O EXIT TAX NO QUADRO EUROPEU

O exit tax mais não é que a tributação de uma mais-valia latente, apurada no momento da saída de uma pessoa de um Estado.

Nesse âmbito, o princípio da soberania dos Estados entra em ação, criando os Estados uma conexão com o seu território no momento da saída de uma pessoa pois, de outra forma, perderiam o seu poder tributário sobre aquele rendimento e, por conseguinte, perderiam aquela receita fiscal latente.

Todavia, no quadro da União Europeia, e no atual estádio de desenvolvimento (em que inexiste uma harmonização do nível da tributação direta, tal como o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), este princípio da soberania dos Estados é postergado pelas quatro liberdades fundamentais, nomeadamente, a liberdade de circulação de pessoas e capitais. Tem sido este o entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, chamado a pronunciar-se, em diversas ocasiões, relativamente aos exit tax.

Ora, pela sua relevância, recordamos que, no célebre Caso Lasteyrie du Saillant, concluiu o douto Tribunal de Justiça da União Europeia que tal regra configurava como uma forma discriminatória adotada pelo Estado-Membro, na medida em que facto gerador do imposto era a própria transferência de residência e não a eventual alienação dos títulos com a mais-valia possível ou latente.

De facto, a jurisprudência comunitária tem aceitado muito excecionalmente como justificados os exit tax por motivos relacionados com o combate à fraude fiscal.

Assim, num quadro em que a generalidade dos Estados-Membros tributa os residentes pelo princípio do Worldwide Income, este tipo de justificação parece-nos apenas excecionalmente admissível.

CONCLUSÕES

Em face do exposto, temos sérias dúvidas de que esta norma que prevê o diferimento da tributação das stock options constituídas por startups para o momento em que o trabalhador deixe de ser residente em território português seja conforme com o Direito da União Europeia, designadamente em face da liberdade de circulação de pessoas e capitais e do correspondente princípio fiscal da não discriminação em função da residência. Antevemos, mesmo, que esta regra de exit tax consagrada na Lei n.º 21/2023, de 25 de maio trará uma nova vaga de contencioso tributário (com possível intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia) e fará, ainda, correr muita tinta na comunicação social de toda a Europa.

Em suma, parece-nos que esta regra de exit tax constitui o “calcanhar de Aquiles” deste regime fiscal e que visava captar e reter talento nas startups.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Maria Antónia Silva
Marta Arnaut Pombeiro
Marta Monteiro Moreira
Raquel Tomé Castelo

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