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Reversão fiscal e gerente único: o entendimento do Tribunal Central Administrativo Norte

27 Maio 2025
Reversão fiscal e gerente único: o entendimento do Tribunal Central Administrativo Norte
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Reversão fiscal e gerente único: o entendimento do Tribunal Central Administrativo Norte

27 Maio 2025

A presente Informação incide sobre o recente Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que veio clarificar se é lícito ao juiz inferir o exercício efetivo da gerência de facto nos casos em que, no período das dívidas, haja apenas um único gerente nomeado da sociedade.

ENQUADRAMENTO

No âmbito do processo n.º 00043/18.3BEMDL, de 28 de novembro de 2024, o Tribunal Central Administrativo Norte foi chamado a decidir sobre se, em contexto de reversão fiscal, ao juiz é lícito inferir a efetividade da gerência quando a sociedade devedora originária tem um gerente único.

Recorde-se que o artigo 24.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”), enuncia que a reversão das dívidas fiscais para os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas (responsabilização subsidiária), depende da gerência efetiva ou de facto, ou seja, do efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

Nos termos desta disposição legal, os gerentes serão responsáveis: (i) pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo, ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação; e (ii) pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

De notar que é sobre a Administração Tributária e não sobre os contribuintes, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, desde logo, os factos integradores do efetivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega, conforme resulta dos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 74.º, n.º 1, da LGT.

No caso em apreço, a devedora originária, uma sociedade unipessoal por quotas, tinha um gerente e sócio único. No seguimento da sentença do tribunal primeira instância ter entendido não estarem demonstrados os pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, por falta de prova quanto ao efetivo exercício da gerência por parte do gerente único da devedora primitiva, a Autoridade Tributária interpôs recurso para o tribunal de segunda instância.

O ENTENDIMENTO DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

A Autoridade Tributária considerou que, havendo um gerente único e detentor da totalidade do capital social, o mesmo geria, necessariamente, de facto a sociedade devedora originária na data em que deveria ter realizado o pagamento voluntário das dívidas exequendas, assentando a sua argumentação na possibilidade de o tribunal realizar uma presunção judicial para este efeito.

Assim, a Autoridade Tributária contrariou o entendimento do tribunal de primeira instância quando o mesmo sufragou que a Autoridade Tributária não pode dar início, ou continuidade, ao procedimento de reversão sem indicar os casos de onde resulte a efetiva gerência de facto, sendo à Administração Tributária que cabe sempre fazer a prova do exercício efetivo, ou de facto, da gerência da sociedade devedora originária.

Desta forma, defendeu a Autoridade Tributária que não poderá haver dúvidas, neste caso, de quem exercia a gerência de facto e, consequentemente, da responsabilização do gerente único pelas dívidas tributárias da sociedade.

O ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

O Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão em apreço acompanhou o entendimento da Autoridade Tributária.

O Tribunal reconhece, desde logo, que cabe sempre à Autoridade Tributária fazer a prova do exercício de facto da gerência do oponente na sociedade devedora originária. Mais vem acrescentar o Tribunal que a gerência de facto, real e efetiva, constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que se designa por gerência nominal ou de direito.

Embora não haja norma legal que estabeleça uma presunção relativa ao exercício da gerência de facto, o Tribunal pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma forte probabilidade (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e que não há razões para duvidar que ela tenha acontecido.

Nas palavras do Tribunal, “ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que o revertido tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efetuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.”.

O Tribunal adere, assim, a jurisprudência anterior, nos termos das quais havendo um único gerente inscrito da sociedade, é lícito ao juiz inferir o exercício efetivo dessa gerência do conjunto da prova, usando as regras da experiência e fazendo juízos correntes de possibilidade, em especial, quando resulte que, no período das dívidas, há apenas um único gerente nomeado da sociedade, e sem a assinatura do qual a sociedade não se podia obrigar, mantendo-se a sociedade em atividade no período em causa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Tribunal Central Administrativo Norte, através do Acórdão em apreço, veio manter a jurisprudência anterior quanto a este tema (em particular, o Acórdão proferido no processo n.º 00445/06.2BEPNF, de 21 de fevereiro de 2008), e clarificar que, embora não haja uma presunção legal que permita à Autoridade Tributária presumir que o gerente único seja gerente de facto para efeitos de reversão, havendo um único gerente nomeado, resulta das regras da experiência, e na impossibilidade de a sociedade poder funcionar sem a sua assinatura e tendo-se a sociedade mantido em atividade, que o mesmo praticou necessariamente os atos de gerência.

Com esta decisão, o Tribunal Central Administrativo Norte não só contribuiu para consolidar esta linha jurisprudencial, mas, também, para fornecer orientação para os contribuintes que se encontram em situações semelhantes, assegurando uma interpretação menos garantística, dado que tal interpretação jurisprudencial reduz a amplitude do ónus da prova que recai sobre a Administração Tributária.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Maria Antónia Silva
Marta Arnaut Pombeiro
Marta Monteiro Moreira
Raquel Tomé Castelo

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