No mais recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 3 de abril de 2025, esteve em análise a atuação da Administração tributária aquando da revogação parcial de uma liquidação de IRS, e se essa correção, feita já na pendência de uma ação judicial, constitui ou não fundamento bastante para a atribuição de juros indemnizatórios ao contribuinte, conforme previstos na Lei Geral Tributária.
Em plano de fundo, esta Decisão vem discutir os limites da atuação da Administração tributária e os critérios que definem o “erro imputável aos serviços” como condição para a sua responsabilidade indemnizatória.
ENQUADRAMENTO
No mais recente Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 3 de abril de 2025, no âmbito do processo n.º 2621/16.0BELRS, colocou-se a questão de saber se a Administração tributária deveria, ou não, ser condenada ao pagamento de juros indemnizatórios relativamente à parte do imposto cuja liquidação havia sido, entretanto, revogada oficiosamente pelos próprios serviços.
A questão que à primeira vista pode parecer de natureza estritamente técnica, vem suscitar questões quanto à atuação da Administração tributária e ao alcance do direito a juros indemnizatórios, previsto na Lei Geral Tributária (LGT), nomeadamente no que respeita à interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços” — um dos requisitos legalmente exigidos para que haja lugar ao pagamento desses juros.
Neste seguimento, o Tribunal de primeira instância concluiu estarem reunidos os pressupostos para a condenação da Administração ao pagamento de juros indemnizatórios sobre a parte da liquidação por si revogada, entendendo-se, em concreto, que se a Administração tributária já dispunha de elementos suficientes para proceder à anulação parcial da liquidação antes da entrada da ação judicial, então a mesma tinha incorrido, efetivamente, num erro sobre os pressupostos de facto e de direito aquando da correção que originou o ato de liquidação.
Não se conformando com o decidido, veio a Administração tributária interpor o respetivo Recurso, sustentado que a revogação parcial da liquidação não resultou de qualquer erro, mas apenas de uma atuação em conformidade com os comandos legais (nomeadamente os artigos 41.º e 8.º do Código do IRS), à luz de nova documentação apresentada pelo contribuinte.
Assim, na perspetiva da Administração tributária não se verificam os pressupostos legais para o pagamento de juros indemnizatórios, dado que o erro – elemento central exigido pelo direito aos juros indemnizatórios – não lhe seria imputável.
O Tribunal Central Administrativo Sul foi, assim, chamado a esclarecer se, à luz da jurisprudência e da doutrina, a revogação de uma liquidação na pendência de um processo judicial – ainda que feita oficiosamente – pode ou não ser entendida como um reconhecimento de erro imputável à própria Administração tributária.
O ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL
No julgamento do Recurso, o Tribunal superior teve como questão central a de saber se a revogação parcial do ato de liquidação de IRS, ocorrida na pendência da ação judicial, configurava ou não um erro imputável aos serviços da Administração tributária, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, e, por conseguinte, se conferia ao contribuinte o direito a juros indemnizatórios.
O Tribunal começou por reconhecer que a jurisprudência tem vindo a admitir que a anulação oficiosa, total ou parcial, de um ato de liquidação por iniciativa da própria Administração tributária — ainda que ocorrida no decurso de um processo de impugnação judicial — pode constituir prova bastante de erro imputável aos serviços.
Procedendo à análise dos factos do caso concreto, o Tribunal entendeu que, à data da liquidação, a Administração tributária dispunha já de elementos suficientes para ter aceitado parte das despesas inicialmente desconsideradas, designadamente aquelas respeitantes a serviços prestados por duas sociedades, cujos recibos haviam já sido previamente apresentados no processo.
Assim, nestes casos, conclui o Tribunal Central Administrativo Sul no sentido da falha imputável aos serviços da Administração, por não terem sido considerados, de forma adequada, elementos de prova que já se encontravam na sua posse no momento da emissão da liquidação de IRS ao contribuinte.
Contudo, o Tribunal identificou também situações em que o erro não podia ser imputado à Administração tributária, nomeadamente no que toca a despesas associadas a uma terceira entidade, cujos comprovativos só foram apresentados com a petição inicial da impugnação judicial.
Recorrendo à jurisprudência, acolheu o Tribunal o entendimento de que “nos casos de tributos liquidados pela Administração Tributária, em princípio, o erro ser-lhe-á imputável, exceto se o sujeito passivo contribuiu, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi.”
Nestes casos, o Tribunal considerou que foi o próprio sujeito passivo quem, ao omitir a apresentação dos elementos necessários em momento oportuno, contribuiu para a emissão da liquidação nos termos em que esta veio a ser efetuada.
Desta forma, apenas quanto à parte da liquidação posteriormente revogada com base em elementos já anteriormente disponíveis se concluiu pela existência de erro imputável aos serviços da Administração e, consequentemente, pela obrigação de pagamento de juros indemnizatórios sobre essa parte. Pelo exposto, e quanto às despesas cujo comprovativo apenas foi apresentado pelo contribuinte no âmbito da Impugnação Judicial, entendeu-se que o erro não é imputável à Administração, mas sim ao contribuinte por não ter facultado tempestivamente esses elementos, afastando-se a responsabilidade da Administração tributária nessas situações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente Acórdão vem, assim, reforçar a relevância de uma análise cuidada dos pressupostos para o direito a juros indemnizatórios por parte do contribuinte, previstos na LGT, nomeadamente no que toca ao conceito de "erro imputável aos serviços".
A decisão do Tribunal Central Administrativo Sul vem deixar claro que a existência de tal erro não depende exclusivamente de reconhecimento formal pelo Tribunal, podendo resultar também de revogações oficiosas promovidas pela própria Administração tributária, desde que estas ocorram com base em elementos que já se encontravam na sua posse à data da liquidação.
Por outro lado, ficou igualmente assente que o direito a juros indemnizatórios exige uma análise casuística da atuação de ambas as partes – tanto da Administração como do contribuinte – e pressupõe o cumprimento, por este último, dos deveres de colaboração e de apresentação tempestiva da documentação necessária, na medida em que o Tribunal vem clarificar que a responsabilização dos serviços deve ser avaliada com critério, distinguindo falhas procedimentais próprias de omissões imputáveis ao contribuinte. A omissão destes deveres pode, pois, afastar a imputação do erro à Administração, excluindo, por conseguinte, o seu dever de indemnizar o contribuinte.
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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Maria Antónia Silva
Marta Arnaut Pombeiro
Marta Monteiro Moreira
Raquel Tomé Castelo