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O Tribunal Constitucional e a impugnação do valor patrimonial tributário

05 Junho 2025
O Tribunal Constitucional e a impugnação do valor patrimonial tributário
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O Tribunal Constitucional e a impugnação do valor patrimonial tributário

05 Junho 2025

Recentemente, o Tribunal Constitucional decidiu que o pedido de revisão oficiosa prevista na Lei Geral Tributária não pode ser usada para contestar diretamente o valor patrimonial tributável dos prédios, o que significa que, se o contribuinte não contestou o valor fixado dentro do prazo e não requereu a segunda avaliação, o valor patrimonial tributável torna-se definitivo.

ENQUADRAMENTO

No âmbito do Acórdão n.º 810/2024, proferido a 7 de novembro de 2024, o Tribunal Constitucional foi chamado a decidir sobre a inconstitucionalidade material da interpretação levada a efeito pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em sede de uma decisão arbitral.

Tal interpretação sustentava que os contribuintes que não tenham contestado a legalidade do valor patrimonial tributário (VPT) dos seus imóveis no momento da sua fixação, não podem recorrer ao mecanismo excecional da revisão oficiosa dos atos tributários, com fundamento em injustiça grave ou notória.

O ENTENDIMENTO DO CONTRIBUINTE

No caso em análise, o contribuinte recorreu ao procedimento de revisão oficiosa da matéria tributável, previsto na Lei Geral Tributária (LGT), para contestar as liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), bem como as liquidações do adicional ao IMI, emitidas com base no VPT fixado.

Perante o silêncio da Administração tributária, que resultou no indeferimento tácito do pedido, o contribuinte recorreu ao Tribunal Arbitral, que, acolhendo a fundamentação aduzida no Acórdão de Uniformização do Supremo Tribunal Administrativo, veio a concluir que os contribuintes que não contestem os VPT no momento em que são fixados, não podem posteriormente invocar injustiça grave ou notória para pedir a revisão das liquidações baseadas nesse VPT.

O contribuinte defendeu que a interpretação feita pelo Tribunal Arbitral, ao vedar aos contribuintes a possibilidade de recuperar os montantes de imposto pagos em excesso no passado por via deste mecanismo, é violador de princípios fundamentais previstos na nossa Constituição. Com efeito, no entender do Tribunal, esta interpretação denega a justiça e compromete a tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente assegurada ao contribuinte.

Além disso, o contribuinte argumentou que o procedimento de revisão da matéria coletável, previsto na norma em questão, constitui uma válvula de escape do sistema tributário, que visa proteger as expectativas dos contribuintes e permite que a revisão de atos tributários inclua a revisão dos atos de fixação do VPT de prédios.

Entende, portanto, o contribuinte que o Tribunal Arbitral aplicou uma interpretação restritiva do pedido de revisão oficiosa, incompatível com a nossa Constituição, na medida em que veio excluir do seu âmbito de aplicação a revisão oficiosa da matéria tributável com fundamento em ilegalidade de atos de fixação de VPT no período de três anos posteriores ao dos atos tributários.

Por fim, após o recurso da decisão arbitral para o Tribunal Constitucional ter sido rejeitado por falta de cumprimento dos requisitos necessários para o seu conhecimento e apreciação, o contribuinte apresentou uma reclamação dessa decisão para a conferencia do Tribunal Constitucional.

ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

O Tribunal Constitucional, ao analisar a Reclamação contra a decisão sumária que recusou conhecer a questão de inconstitucionalidade, sustentou a sua posição, à semelhança da decisão arbitral, com base no entendimento preconizado pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 0102/22.2BALSB, de 23 de fevereiro de 2023, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, o Tribunal Constitucional entendeu que a interpretação aplicada na decisão arbitral não se limitou a uma leitura restritiva à norma aqui em causa, mas derivou de uma análise integrada de um conjunto mais amplo de normas, envolvendo o Código do IMI, o Código de Procedimento e Processo Tributário e a própria LGT.

O Acórdão de Uniformização destacou que a fixação do VPT é um ato administrativo autónomo, com efeitos próprios e duradouros, uma vez que o valor apurado serve de base para múltiplas liquidações de imposto, como o IMI e o adicional ao IMI.

Este ato, pela sua natureza, não é um simples elemento preparatório da liquidação, mas uma decisão que exige contestação em momento próprio e por meios específicos. Para tanto, o contribuinte deve, obrigatoriamente, esgotar os meios administrativos disponíveis antes de avançar para uma impugnação judicial, nomeadamente requerendo uma segunda avaliação. Caso esses prazos e mecanismos não sejam observados, o VPT torna-se definitivo, inviabilizando qualquer contestação posterior, mesmo em sede de pedido de revisão oficiosa.

O Supremo Tribunal Administrativo reforçou, ainda, que o pedido de revisão oficiosa de atos tributários não é um instrumento destinado a corrigir falhas ou ilegalidades no ato de fixação do VPT. Para esses casos, a lei reserva meios específicos.

Admitir o contrário geraria inconsistência no sistema tributário, esvaziando a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do VPT e dispensando a obrigatoriedade de uma segunda avaliação que promova a correção de possíveis erros administrativos.

Do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios administrativos à disposição, caberá, então, impugnação judicial, com a possibilidade de o poder fazer com base na errada quantificação do VPT, conforme previsto no Código do IMI.

Assim, o Tribunal Constitucional recusou conhecer a questão de inconstitucionalidade, reafirmando que a decisão arbitral decorreu de uma interpretação sistémica e coerente da legislação tributária aplicável.

CONCLUSÕES

O mais recente Acórdão n.º 810/2024, proferido pelo Tribunal Constitucional, vem enfatizar a obrigatoriedade de observância dos meios e prazos legalmente previstos para contestar o ato que fixa o VPT dos imóveis dos contribuintes.

O Tribunal destaca, assim, que a fixação do VPT é um ato administrativo autónomo que deve ser contestado em momento próprio, através de meios específicos, como o pedido de uma segunda avaliação. Este requisito, longe de ser uma mera formalidade, visa garantir que eventuais erros na fixação do VPT sejam corrigidos administrativamente antes de qualquer recurso às instâncias judiciais.

O entendimento consolidado neste Acórdão vem, portanto, reiterar que o pedido de revisão oficiosa da matéria tributável não pode ser utilizado para suprir a falta de impugnação do VPT no momento devido.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Maria Antónia Silva
Marta Arnaut Pombeiro
Marta Monteiro Moreira
Raquel Tomé Castelo

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