A presente Informação incide sobre o recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que veio esclarecer a necessidade de citar os herdeiros em caso de falecimento do executado e quais as consequências ao nível da contagem do prazo de prescrição das dívidas tributárias.
ENQUADRAMENTO
No âmbito do processo n.º 0444/24.2BEBJA, de 5 de fevereiro de 2025, o Supremo Tribunal Administrativo foi chamado a decidir sobre se o falecimento do executado interfere com os efeitos dos factos interruptivos ou suspensivos da execução.
De acordo com a Lei Geral Tributária (LGT), as obrigações tributárias originárias e subsidiárias transmitem-se, mesmo que não tenham sido ainda liquidadas, em caso de sucessão universal por morte.
Ora, devem ser citados os herdeiros para a execução fiscal, nos casos em que o executado faleça antes de ser citado no processo de execução fiscal. Para este efeito, dispõe a lei que “tendo-se verificado a partilha entre os sucessores da pessoa que no título figurar como devedor, o órgão da execução fiscal ordenará, para efeito de citação dos herdeiros, a destrinça da parte que cada um deles deva pagar”.
Adicionalmente, e com relevância para o caso, note-se que as dívidas tributárias prescrevem, em regra, no prazo de oito anos contados partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. O que significa que, relativamente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), como se verificou no caso do Acórdão, este prazo inicia a sua contagem no dia 1 de janeiro do ano seguinte, sendo a sua contagem passível de suspensão ou interrupção, nos termos da lei.
Pelo exposto, e não tendo no caso os herdeiros sido citados para a execução fiscal, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se, por um lado, sobre se a citação era devida, e, por outro, sobre se esta falta de citação tem consequências sobre a contagem do prazo de prescrição.
O ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja decidiu a favor da Autoridade Tributária, entendendo que a alegada omissão de citação dos herdeiros após o falecimento do executado para os termos da execução não afeta o curso do prazo de prescrição. Neste sentido, refere o Tribunal que a citação dos herdeiros apenas é devida nas situações em que o executado falece antes da citação, não abrangendo as situações em que esse falecimento é posterior à instauração da execução e à sua respetiva citação. Por fim, o Tribunal salientou que, mesmo que se entendesse que o referido artigo do CPPT fosse aplicável às situações em que o executado falece na pendência da execução, não decorre da sua não observância quaisquer efeitos sobre a prescrição das dívidas, dado que a morte do executado não faz cessar os efeitos interruptivos ou suspensivos da prescrição à luz das normas aplicáveis.
Assim, defendeu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que o falecimento do executado não interfere com os efeitos dos factos interruptivos ou suspensivos da execução que se tenham produzido.
O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
O Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão em apreço veio contrariar o entendimento dos herdeiros do executado e esclarecer que a citação dos herdeiros apenas é de realizar nas situações em que o executado faleceu antes de ser citado para os termos da execução. Neste sentido, entendeu o Tribunal que a necessidade da citação dos herdeiros carece de fundamento legal, dado que não há norma que o imponha, nos casos de transmissão de obrigação tributária por força de sucessão universal por morte.
Mais vem acrescentar o Tribunal que “o chamamento dos herdeiros à instância executiva visa dois objetivos: regularizar processualmente a instância e facultar aos sucessores do executado, o exercício dos direitos e deveres que lealmente sobre eles recaem, designadamente pagar a totalidade da dívida exequenda ou pedir o seu pagamento em prestações, o que os herdeiros, após falecimento do executado, podem fazer voluntariamente sem aguardar aquele chamamento ou provocando-o, prestando informação, na instância executiva ou em qualquer instância processual, desse falecimento”.
Pois, conforme realçado pelo Tribunal, a execução, após o falecimento do executado, não passa a correr pessoalmente contra os herdeiros, mas contra a herança e respetivo património.
Assim, concluiu o Supremo Tribunal Administrativo que o falecimento do executado, quando ocorra após a sua citação e suspensão da instância executiva (decorrente da instauração de sucessivos meios graciosos e judicial associado à penhora de bens), não faz cessar os efeitos interruptivos e suspensivos decorrentes da referida citação pessoal do executado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Supremo Tribunal Administrativo, através do seu mais recente Acórdão sobre o tema, veio clarificar que a citação dos herdeiros para o processo de execução fiscal apenas é devida por lei se o executado falecer antes da sua citação.
Adicionalmente, o Supremo Tribunal Administrativo veio confirmar que a ausência desta citação não tem qualquer efeito sobre a contagem do prazo de prescrição.
Com esta decisão, o Supremo Tribunal Administrativo não só veio consolidar a linha jurisprudencial que deverá vir a ser observada futuramente pelos tribunais portugueses, como veio a fornecer uma orientação fundamental para os contribuintes que se encontrem em situações semelhantes.
Neste contexto, entendemos que o Supremo Tribunal Administrativo não adotou a posição que mais salvaguarda as garantias dos contribuintes, por esta posição contrariar um dos fins da própria citação, o da comunicação relativa ao exercício dos direitos e deveres que assistem aos herdeiros, por consequência do falecimento do executado original, no âmbito do processo de execução fiscal.
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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Maria Antónia Silva
Marta Arnaut Pombeiro
Marta Monteiro Moreira
Raquel Tomé Castelo