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A (não) tributação dos ganhos resultantes da alienação de um quinhão hereditário – Uniformização de Jurisprudência

26 Junho 2025
A (não) tributação dos ganhos resultantes da alienação de um quinhão hereditário – Uniformização de Jurisprudência
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A (não) tributação dos ganhos resultantes da alienação de um quinhão hereditário – Uniformização de Jurisprudência

26 Junho 2025

Recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo veio uniformizar a jurisprudência, determinando, por decisão datada de 29 de abril de 2025, que a alienação de um quinhão hereditário – i.e., de uma quota-parte de uma herança indivisa – não configura ‘alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis’ e que, por isso, o ganho resultante dessa venda não constitui uma mais-valia sujeita a IRS.

ENQUADRAMENTO

No caso em apreço, levantou-se novamente a questão de saber se a alienação onerosa de um quinhão hereditário, que no caso específico se referia à venda de um imóvel que constituía o único bem de uma herança, configura, ou não, uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis para efeitos de tributação como mais-valia em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).

O Acórdão agora proferido diz respeito a um recurso de uniformização de jurisprudência, interposto pela Diretora-Geral da Autoridade Tributária, que visa resolver uma oposição de julgados entre duas decisões arbitrais do Centro de Arbitragem Administrativa – a decisão recorrida, proferida no Processo n.º 524/2023-T, de 18/01/2024, e a decisão fundamento, proferida no Processo n.º 176/2017-T, de 14/07/2017 – sobre a mesma questão fundamental de direito:
saber se o ganho obtido com a venda de uma quota-parte de uma herança indivisa (‘quinhão hereditário’) constitui uma mais-valia sujeita a IRS, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.

Por um lado, a decisão arbitral recorrida havia anulado uma liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2020, por ter entendido que os ganhos resultantes da venda de um quinhão hereditário não estavam sujeitos a IRS. De acordo com o tribunal arbitral, enquanto a herança se mantiver indivisa, o herdeiro detém um direito a uma quota da massa de bens da herança, e não um direito individual (direito de propriedade) sobre cada um dos bens que integram a herança.

Em contrapartida, na decisão fundamento, o tribunal arbitral entendeu que, o herdeiro, ao aceitar a herança e a sua quota-parte no imóvel vendido, adquire um direito real de propriedade sobre o bem, respondendo pelos direitos e deveres que advêm desse direito de propriedade. Assim, a venda de uma quota-parte que um herdeiro tem sobre um imóvel (‘quinhão hereditário’) antes da partilha corresponde a uma alienação onerosa de um direito real (direito de propriedade) sobre um bem imóvel, geradora de uma mais-valia sujeita a IRS.

De facto, em ambos os casos, os ganhos obtidos com a venda de uma quota-parte de uma herança indivisa por parte dos herdeiros, num caso composta apenas por um bem imóvel e, noutro, por outros bens, haviam originado mais-valias que foram tributadas em sede de IRS.

Agora, o Supremo Tribunal Administrativo vem afirmar, e uniformizar a jurisprudência, no sentido de que não há lugar a tributação em sede de IRS quando um herdeiro vende a sua quota-parte de uma herança indivisa.

O CONCEITO DE QUINHÃO HEREDITÁRIO

O quinhão hereditário representa a parte, fração ou quota a que cada herdeiro tem direito numa herança indivisa, aberta por óbito de terceira pessoa. A herança é indivisa enquanto não existir a partilha dos bens da herança (bens imóveis, bens móveis, dinheiro e outros ativos deixados pelo falecido). Numa herança indivisa, cada um dos herdeiros possui um direito sobre o património como um todo, e não sobre bens específicos e individualizados, correspondendo essa parte do património como um todo a um quinhão hereditário. Existirão, assim, tantos quinhões hereditários quanto herdeiros numa herança indivisa.

O ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

No Acórdão n.º 7/2025, de 29 de abril de 2025, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) parte do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, que estabelece que são mais-valias, tributáveis em sede de IRS, os ganhos resultantes da ‘alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis’. O cerne da questão reside em determinar se a venda de um quinhão hereditário se enquadra, ou não, nesta definição.

Apoiando-se em jurisprudência recente do mesmo Tribunal, o STA começa por referir que, assumindo o cessionário a posição do herdeiro cedente, a sua situação jurídica não corresponde, não se reconduz nem equivale à do proprietário, pois o herdeiro não dispõe nem passou a dispor de direito pleno sobre qualquer bem imóvel. Na verdade, herdeiro é o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e, portanto, sucede no património enquanto universalidade, que é o património uno e indiviso do falecido, conjunto abstrato; e legatário é o que sucede em bens ou valores determinados.

Nas palavras do Tribunal, só é possível a um herdeiro transmitir a sua quota-parte nessa universalidade enquanto se permanecer em indivisão, no sentido de que a alienação do quinhão hereditário só é possível até à partilha da herança. Uma vez partilhada a herança, por definição, deixa de existir quinhão hereditário. Nestas condições, o que o herdeiro transmite é o direito de quinhão hereditário, que traduz uma quota-parte ideal da herança.

O STA transcreve decisões anteriores do Tribunal, acabando por concluir que, só com a partilha é que o herdeiro é considerado sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos. Embora cada um dos herdeiros tenha, desde a abertura da sucessão, direito a uma parte ideal da herança, é apenas com a partilha que esse direito se concretiza, tornando certos e determinados os bens que couberem ao herdeiro. Assim, só após a partilha é que o herdeiro se torna pleno titular dos direitos que por ela lhe couberem, pelo que só com a partilha de bens imóveis é que o herdeiro passa a ser titular do direito de propriedade sobre eles e nessa qualidade a poder exercer os direitos correspondentes.

Por outro lado, de acordo com o Tribunal, constituindo a herança indivisa uma universalidade relativamente à qual não houve ainda partilha de bens, estamos em presença de um património autónomo partilhado, em regime de comunhão (e não em compropriedade), pelos co-herdeiros, os quais não detêm qualquer direito próprio sobre cada bem individualizado que compõe a herança indivisa, sendo apenas seus titulares em comunhão. Assim, até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fração ideal do conjunto. Só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.

Conclui o Tribunal no sentido de que a situação em causa não se enquadra no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, na medida em que foi transmitido o direito ao quinhão hereditário e, portanto, um direito abstratamente considerado e idealmente definido, pelo que não ocorreu uma alienação de imóveis concretamente identificados e, consequentemente, não existiu uma transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. Assim, a alienação em causa não está sujeita a tributação em sede de mais-valias no âmbito do IRS.

Em suma, alienar um direito sobre um património autónomo (herança) não é a mesma coisa do que alienar um direito de propriedade ou afim sobre um ou mais imóveis, mesmo que a herança seja constituída apenas por imóveis e não estando a alienação de herança prevista na norma de incidência das transmissões de direitos sobre imóveis não é possível tributá-la em sede de IRS.

CONCLUSÃO

O mais recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo vem, de forma clara e inequívoca, uniformizar jurisprudência no sentido de que, a alienação, por parte dos herdeiros, de um quinhão hereditário (no caso composto apenas por um bem imóvel), não configura uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (para os efeitos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS), pelo que o ganho resultante dessa transmissão não está sujeita a tributação em sede de IRS na esfera jurídica dos herdeiros como mais-valia – uma vez que o que foi alienado foi um direito sobre uma universalidade como um todo (o quinhão hereditário) e não um direito de propriedade sobre o imóvel em si, o que só se materializaria após a partilha.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Bárbara Malheiro Ferreira
Maria Antónia Silva
Marta Arnaut Pombeiro
Marta Monteiro Moreira
Marta Sequeira Campos
Raquel Tomé Castelo

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